5.09.2012

Sublinhados das primeiras 100 páginas

























«Fala-se de mais sobre amor, sobre como ele deveria ser e não se fala o necessário sobre o que ele efectivamente é.
Existe um abismo entre as nossas práticas e os nossos discursos, entre a obrigação da euforia oficial e a constatação do grande sofrimento vivido. O estereótipo dominante faz-me pensar que o amor saiu vitorioso, mas o aumento do aparecimento no mercado de livros, de receitas sobre a felicidade conjugal, leva-me a supor que a realidade não é menos difícil de viver do que antigamente.» (p. 33)

«O sonho ingénuo do amante: fazer com que os outros que o precederam sejam esquecidos, relegar para o estatuto de rascunhos dos quais ele seria a versão final.»
(p. 35)

«Cortejar, é antes de mais dar ares, votar-se ao embelezamento de si próprio.» (p. 45)

«Assolar com a dúvida toda a forma de aprovação é uma forma de ter o ser humano sempre cativo, submetido.» (p. 47)

«Amar-te-ei sempre: a expressão compromete aquele que a pronuncia no preciso momento em que este a diz. Este "sempre" é um outro tempo no tempo quotidiano: eu ajo como se fosse amar-te para sempre, apesar de não estar no meu poder controlar a transformação dos meus sentimentos. O homem da minha vida, a mulher da minha vida: mas é uma vida entre múltiplos fados por que passamos ao longo de uma existência. O juramento tem a ver com a confiança e com a aposta: saltando por cima da dúvida e do medo, ele postula que o mundo é um lugar onde é possível crescermos juntos e sentirmo-nos seguros de nós próprios. Mas ao conjurar o acaso, ele também coloca os amantes perante a mesma insegurança. transforma-os em assassinos potenciais um do outro. Ao confessar a minha ansiedade interior, fico à mercê de um déspota tão fantasioso quanto encantador que pode empurrar-me, de um dia para o outro, para o abismo de onde me tinha tirado. Entrei num mundo de alto risco, onde a catástrofe pode assolar-me a qualquer momento. O outro deixa de me telefonar? Sinto-me perdido. Estou tranquilo? Eis que ele me larga sem outras justificações. O escritor italiano Erri De Luca conta que, quando era estudante na Universidade, adoeceu. Ao tremer de febre, recebeu a visita da sua namorada que começou por o aquecer e por fazer amor com ele de uma maneira tão magnífica que ele sentiu que estava no céu. Após o que, muito calmamente. lhe comunicou que se iriam separar. Aquele momento não era uma apoteose, era um adeus.» (p. 59 e 60)

«O que há de mais emocionante do que o reflexo do prazer no rosto do amado quando ele arde de tanto prazer?» (p. 65)

«O que fere não é a indiferença dos estranhos, é a frieza dos que nos são próximos ou melhor o seu calor inconstante. Acreditamos que estamos a apertá-los de encontro ao nosso coração, e abraçamos uma ausência. Desconfiamos com razão dos juramentos feitos por meio de um abraço, como se fazer amor nos impedisse de falar de amor: quando a carne está em êxtase a língua divaga naturalmente e faz promessas com ligeireza. Mas o contrário também acontece: é no tumulto dos sentidos que o tímido consegue fazer fluir a sua eloquência sem recear cair no ridículo.» (p. 66)

«Amo-te: deves-me o teu afecto, se possível a centuplicar. O amor acede à linguagem sob a forma comercial: abre-se uma conta, onde os papéis de credor e devedor estão permanentemente a serem trocados. Logo que um deles, ao fazer o balanço, ache que foi vigarizado, o equilíbrio quebra-se.» (p. 67)

«A sexualidade duradoura é uma das utopias mais patéticas do mundo moderno; e a erosão do desejo é o seu aspecto trágico mesmo quando o encaramos como uma chama sagrada. Que duas pessoas que não podiam estar sozinhas mais de cinco minutos numa sala sem se atirarem uma para cima da outra acabem por coabitar mais tarde na calma dos sentidos durante anos, com excepção de breves entreactos, tem algo de pungente. A tentativa de se manter nas altas esferas do excesso sensual continuará a ser uma das páginas mais comoventes do amor ocidental. A castidade, por esgotamento dos apetites, é mais eficaz do que a repressão. Ela prova aqui uma vez mais a nossa impotência para dominarmos a "biologia das paixões" (Jean-Didier Vincent).» (p. 87)

«O crescimento vertiginoso da percentagem de divórcios na Europa não resulta como se diz do nosso egoísmo mas do nosso idealismo: a impossibilidade de viver juntos associada à dificuldade de ficar só. Os casais modernos separam-se não devido à decepção, mas porque se têm em grande conta.» (p. 87 e 88)

«A vida de casal é uma causa tão válida como a libertinagem, é a forma contingente que os nossos afectos assumem em dado momento da nossa existência. A verdadeira novidade da época é o facto de já não termos de escolher entre imposições insustentáveis e podermos acumular ao longo de uma vida casamento, celibato e aventuras.» (p. 94)

«Não somos heróis nem santos, mas simples seres humanos com uma capacidade limitada de dedicação.» (p. 94)

«A genitália é ainda vista como metáfora do corpo feminino, toma-se a parte pelo todo. O homem tem um sexo, a mulher é o seu sexo. Dá-lo é, para ela, perder-se. Um século depois de Freud, muitos não cedem neste preconceito arcaico. Tudo se resume a isso.» (p. 101)

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