5.04.2012

Reencontro com Pascal Bruckner

























Deve ter sido por alturas do curso de cinema que fiz a primeira leitura de Pascal Bruckner (ou Pascal Bruckneeerrr, como acentuava o professor de sistemas de produção que estudara na Bélgica), então já numa edição Europa-América algo descuidada. O livro chamava-se A Tentação da Inocência e continua a fazer parte da minha biblioteca mais estimada. Regressei há poucos dias a Pascal Bruckner por sugestão de um amigo que é das pessoas que melhor me conhece. Hoje leio O Paradoxo do Amor como igual avidez à que usei nos tempos da escola de cinema. Continua a notar-se o descuido da revisão que me parece ser marca do editor. Algumas coisas não mudam. Certamente não a pertinência das reflexões de Pascal Bruckner, seja lá em que matéria for, e eu também não mudei significativamente. As passagens que passo a transcrever são de um outro texto ainda, The Love of Lust, que saiu em 2009 na publicação indiana Open Magazine, um absoluto contemporâneo de O Paradoxo do Amor de que deixarei depois breve fragância.

«Thirty years of leafing through a certain category of magazines is like discovering an outlandish catechism of debauchery—one that is no less prescriptive than the catechism of yesteryears: try sodomy, threesomes, bisexuality, whips, are you a good lay, do you make love on Mondays? While death remains obscene and still in a shroud, dirty little secrets are out in the open, in the public arena, and all and sundry are jostling to tell their stories on the TV, radio and the net.»

«Today, no one wants to be a sexual ‘have-not’— everyone flaunts an honourable service record, even in the dullest of marriages. Like one’s profession, salary or physical appearance, sex too has become an external sign of wealth that individuals add to their social paraphernalia. A new human species has emerged—that of hedonist ascetics who expend a great deal of energy to stir their senses and achieve a state of bliss. They work hard at their pleasure and are really tormented souls—enduring insecurity is the other side of the coin in their unceasing quest for pleasure.»

«However, there is a world of difference between what this society says about itself and the life it lives in reality.»

«Our parents used to lie about their morality, but we lie about our immorality. In both cases, there is a disparity between what we say and what we do. Unlike in Freud’s time, the cultural malaise no longer stems from instincts being crushed by the moral order—it is born from their very liberation. At a time when the ideal of self-fulfilment reigns triumphant everywhere, everyone compares themselves to the norm and struggles to live up to it. That means an end to guilt and the birth of anxiety. However, sexuality is generally still considered something that should remain undisclosed. But people either boast too much to be credible, or hide it for fear of appearing gauche at a time when one’s private life has become a sport of ostentation.»

«Our love lives and impulses imply delays, intermissions and outbursts, but nothing of that eternal glaze that is the world of today’s global supermarket.»

«Sex had made it possible to reconcile ecstasy and dissent. Today, it is the mercantile society’s most reliable product.»


O próximo é retirado de O Paradoxo do Amor, da página 40:

«Como é possível ser bovarista, perguntava George Steiner, num mundo em que todos os desejos podem ser realizados? A questão é que eles não o são, nem nunca o serão. A nossa sociedade, ao proclamar a toda a hora e em todo o lado a força solar do prazer, está a penalizar ainda mais os que são excluídos do prazer, os que lhe viram negado o direito ao prazer. A insatisfação é cada vez mais forte quanto mais o hedonismo for imposto como uma lei. Organiza-se o mercado da frustração, com o propósito de nos vender o charme e a audácia sob a forma de conselhos, de cuidados, de artifícios. A nossa época "libertada" faz com que o destino dos solitários seja mais amargo, bem como o dos seres insignificantes remetidos para o seu anonimato, quando é suposto que todos usufruam do prazer. Alison Lurie narra algures que os camafeus copulam muito mais do que se pensa, mas eles têm de suportar, para além disso, as confidências que os seus amantes fazem sobre os desgostos de que sofrem por causa das mulheres bonitas. Terrível ironia da emancipação: homens e mulheres, vítimas e cúmplices, ao mesmo tempo, perseguem-se, uns aos outros, em nome da juventude, da forma, da venustidade. Tudo o que outrora foi instrumento de libertação passou a ser igualmente instrumento de escravidão»

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