10.30.2009

Feras amansadas




Femina representa o oposto do fado que não se deitou e de madrugada chama pelas guitarras ("acordem as guitarras!"). O instrumento do Legendary Tigerman está esgotado e pede cama. São os derradeiros estertores da noite que vinha apagando do horizonte a possibilidade do dia. Femina relata o combate da sedução e do cansaço em 13 assaltos. Sorte a dele, do Tigerman, que as "tigerladies" parecem de igual modo esfumar-se cada qual atrás da sua fachada, habitando esta pulp fiction mental desencantada. É tudo a fingir, nenhuma fantasia será violada. O disco é bom porque seduz com a tradução coesa de um universo onde impera o simulacro. Tanto são o rock ou o blues ecos distantes que apenas esboçam as suas coordenadas originais, como os pares que mudam a cada canção se encontram limitados a representar paradigmas de uma longínqua mitologia. Há aqui em programa uma luxuosa idolatria a explorar: Velvet, Tarantino, (Asia) Argento, Gainsbourg, (Nancy) Sinatra, Cash, film noir, Graceland, Lynch, Betty Page, Marilyn. Vozes sonâmbulas observam coreografias que se lhes substituem. O baile de máscaras tem aqui monumental continuação. É favor manter ligado o projector.

L'affair Mondino







Jean-Baptiste Mondino é alguém que todo aquele que se interessa por moda ou por música tem de conhecer. O seu trabalho é fortemente original, mas como em relação a qualquer artista existem recorrências. Prova do facto são as capas aqui reproduzidas. Dir-se-ia que Thomas Fersen serviu de ensaio para o Legendary Tiger Man, cuja morfologia oferece outra riqueza exploratória. São homens que dão o que eles temem e que elas gostam. Todos eles: fotógrafo e modelos.

10.29.2009

Legendary Tiger Man, meu irmão.


























Foto: Pedro Medeiros.

L'aventure commence, mas no sentido inverso. D'abord Femina. À suivre...

Louvor dos relativamente minor characters


















A pura intuição diz-me que Dave Grohl é um gajo porreiro. As fotografias que se vêem dele apontam na direcção da música que começou a fazer quando os Nirvana subitamente terminaram. Um rock middle of the road musculado de produção impecável com esporádicas incursões pela via acústica. Grohl é um competentíssimo baterista, toca guitarra e canta à frente dos Foo Fighters que passaram a ocupar parte do tempo das minhas audições. É fã confesso dos Led Zeppelin com quem aposto tocaria até de borla. Teve a retribuição deste amor quando John Paul Jones alinhou em participar no segundo disco do duplo-CD In Your Honor dos Foo Fighters, provável ponto de ignição para os Them Crooked Vultures, cujo registo de estreia chega nos próximos dias, que fazem alinhar ainda Josh Homme, outro dos convidados do mais ambicioso trabalho dos Fighters. Recorde-se em louvor da figura que Dave Grohl já havia participado ao mais alto nível no por muitos considerado melhor álbum dos Queens of the Stone Age, que é Songs for the Deaf. Grohl é um indivíduo a quem não se conhecem (ao que sei, do que li) gestos provocatórios ou atitudes estúpidas de estrela. Faz parte da galeria dos bons tipos do rock. Teve o seu episódio revolucionador com Nevermind, e uma vez apaziguado o fenómeno limitou-se a seguir com o trabalho. A música que veio a fazer depois e as colaborações que estabeleceu mantêm-se relevantes. A História é protagonizada por heróis, embora sejam os homens que a fazem. Estamos aí, Dave Grohl.

Hassell Nº5



















Será música de Spa? Ocorreu-me responder (impulso que refreei) que cada um tem o Spa que merece. Não me esquivo a dizer que perdi a conta às vezes que usei a música de Jon Hassell nas práticas de yôga em casa. Mas porque a provocação veio de alguém que estimo e cuja reflexão em torno dos filmes respeito, acrescento que a actuação de Jon Hassell & Maarifa Street no Maria Matos se assemelhou a um longo plano-sequência que obrigou à forte concentração (à permanente focagem/dispersão; à constante tensão/distensão) por parte daqueles que almejavam a leitura instante a instante do que sucedia no palco. Foi um encontro com o último disco, Last Night the Moon Came Dropping It’s Clothes in the Street (ECM), só que ao vivo. Iluminação despojada aquém do essencial e a quase imobilidade dos músicos, com excepção para Jan Bang que fez do live sampling o elemento espectacular. Eu partia em busca da fragrância da música de Jon Hassell – na linha em que Brian Eno se referia aos (seus) sons como perfumes –, algo que os discos não permitem que se liberte do frasco por inteiro. Procurei com as narinas primeiro... em vão. Na fila da frente alguém usava o familiar Terre d’Hermés, e eu não sentia mais nada. Percebi então que o aroma made chez Maarifa Street se atingia com os demais sentidos. E que resiste à nossa capacidade de o descrever tal como acontece com a música do Quarto Mundo. As suas notas pareceram-me quentes e persistentes. Senti-me atravessado por uma corrente porosa que se espalha e me cercava, polvilhada de apontamentos eléctricos de um acaso premeditado (a resolução deste paradoxo deixo para pensar depois). As composições eram obra do momento, ainda que de um momento que resulta da sedimentação de inúmeros momentos idênticos anteriores. Apenas quem produz e mistura as essências de cada noite poderá notar os seus discretos cambiantes. Maior que a importância do encontro com a música do disco foi o encontro com o artista. Aplaudi Jon Hassell de pé porque nenhuma obra se joga numa única noite. A lua tem caprichos que agem sobre os homens: pode uma boa noite não ser mágica? (sim, pode). E o meu capricho, neste momento, é regressar de novo ao disco (de narinas bem abertas).

10.28.2009

Ripavam k era uma maravilha


A very visual King
















David Sylvian fotografado por Donald Milne. A imagem sugere-me o Ludwig da Baviera filmado por Visconti. E também como é solitário o caminho do auto-conhecimento. Faz parte de uma longa entrevista que imprimi para ler mais tarde.

Smells like Nirvana


Com John Irving na encruzilhada

O sentimental tende a acreditar que a mulher é o destino do homem (mesmo que gostando "de" mulheres possa não gostar "das" mulheres). Mas mulheres representam apenas pausas – as melhores talvez ancoradouros – no caminho do homem. O destino do homem é a figura paterna. E o pai é o destino do homem porque só ele permite que o homem se encontre consigo próprio. Que se aceite tal como é.

Irving (na foto) consegue em momentos chegar-se a Philip Roth, embora com uma declinação sentimental, e isto está a ser uma grande leitura.


















[...] It seemed that, as usual, there was no one in the stacks on the third floor. Jack quickly found where the book belonged, but – above the moldy bindings, in the next aisle – a pair of disembodied eyes regarded him. "Michele Maher isn't the girl for you," the voice that went with the eyes said. "You're already good-looking. What do you need a good-looking girl for? You need something else, something real."
Another dishwasher? Jack wondered. But he recognized the voice and the diluted, washed out blue of the eyes. It was Molly whatever-her-name-was. Ed McCarthy's ex-girlfriend. (Penis McCarthy, as Herman Castro less-than-lovingly called him.)
"Hi, Molly," Jack said; he came around into her aisle and stood next to her.
"I should be your girlfriend," Molly told him. "I know you love your sister, and she's ugly. Well, I'm ugly, too."
"You're not ugly, Molly."
"Yes, I am," she said. She was demented, clearly. She also had a cold; the rims of her nostrils were red and her nose was running. Molly whatever-her-name-was leaned back against the stacks and closed her eyes.
"Take me," she whispered.
Jack didn't know whether to laugh or cry. He did neither. On an impulse largely meant to do her minimal harm, he fell to his knees and lifted her skirt. He pushed his face into her panties; with both his hands on her buttocks, he pulled the waistband of her panties down.
Jack Burns actually licked a tenth-grade girl, a sixteen-year-old, in the stacks on the third floor of the Exeter library! From Mrs. Machado and Mrs. Stackpole, he knew exactly how to do it; the difference was, this time he initiated it. He could feel Molly's fingers in his hair; she was pulling his head into her. He could feel her slumping against the stacks as she came on his face – not one's usual library experience. And the worst of it was that he didn't know her last name; he couldn't even write her a letter of explanation.
Jack left her standing in the stacks, or barely standing. Unlike Michele Maher, Molly was short enough that he could kiss her on her forehead – as if she were a little girl. When he left her, with nothing to say for himself except that he had to cram for a history final, it seemed to him that her knees were buckling.
Jack found a drinking fountain, in which he washed his face. When he returned to his carrel on the second floor, he was aware he'd been away for what may have struck Madame Delacorte as a long time – not to mention that he'd suffered a major distraction. Maybe he was a little wild-eyed, or there was something in the aftermath of impromptu cunnilingus that caught Madame Delacorte's eye.
"My word, Jack Burns," she said. "What on earth have you been reading? Not Roman law, clearly."
The lilt in her voice was more mischievous than scientific. Was Madame Delacorte flirting with him? He finnaly got the nerve to look at her, but Madame Delacorte was as unreadable as Jack's future. He knew only that the rest of his life had begun, and that he would begin it without Michele Maher – his first, maybe his last, true love.

[John Irving, Until I Find You, Random House, págs. 311/312]

Basta

O Sporting acumula pontos perdidos por falta de comparência. Se os jogadores não se sentem motivados, mude-se os jogadores. Se o treinador não consegue apresentar um futebol eficaz, mude-se o treinador. Se o presidente não consegue produzir alterações no departamento de futebol, mude-se o presidente. Mas mude-se qualquer coisa, e já.

10.27.2009

Motor de busca


























Isto é uma tremenda obra-prima muito recentemente recuperada. É da altura em que aprendi a separar a música do resto, criando com isso um acréscimo de identidade que só nos últimos anos ganhou autonomia de verdade. Percebi que o arco das minhas convulsões tem o tempo de cerca de vinte anos e que o repasso hoje com o carácter mais afirmativo (as coisas que deixei de aturar são como aquilo que eu nunca tatuaria; digo inquantificáveis). Gostava de contextualizar melhor o encontro original com este disco, mas para isso preciso da ajuda de um terceiro. Se conseguir reencontrá-lo como ao disco.

Little joys


















Escutando o disco dos Minta & the Brook Trout com a atenção voltada para a mais bonita das trutas que é minha amiga (foto de Vera Mantero).

Também tu Jimmie


























(...) Since you brought up Eno, one thing on my film [The Limits of Control] that helped me at times was the Oblique Strategies, and actually now my friend Carter has it on an iPhone. Here's a few I got when I was making the film, because I wrote them down: 'Are these sections considered transitions?' 'Emphasise repetitions.' 'Look closely at the most interesting details and amplify them.' [Laughs] Which is exactly what we were doing, so it was like reassurance, in a way. Those were really helpful to me, and they still are.

Jim Jarmusch quando testado na Invisible Jukebox da Wire de Novembro de 2009.

Pastelaria

O Benfica é uma fábrica de fazer golos.

10.26.2009

Eles são de outra opinião


























E agora encerrem os olhos, mantenham o tronco bem verticalizado, juntem as mãos em frente ao peito não exercendo demasiada pressão com as palmas das mãos uma de encontro à outra, os polegares unidos embora afastados dos restantes dedos apoiam-se no externo, façam uma inspiração profunda antes de entoarem, ao expirar, por três vezes, o mantra Om, procurando que o som vos provoque uma ligeira vibração na caixa torácica: "Oooooommmm..." Nova inspiração: "Oooooommmm..." E uma terceira inspiração: "Ooooommmmmm..." Mantendo os olhos encerrados tombem a cabeça na direcção do peito, depois coloquem as mãos sobre as coxas com as palmas das mãos voltadas para cima, e finalmente verticalizem a cabeça abrindo os olhos lentamente. Inspirem-se, e quantos mais o fizerem em simultâneo maiores benefícios se produzirão para todos.

Vai chamar irmão a outro



















John Garcia (Hermano, USA), embora se eu escrevesse Mickey Rourke todos me acreditassem.


















Los Hermanos (Brasil) arrasando em palco.




















Frei Hermano da Câmara (Portugal). Nunca se ouviu padre assim e alguns quiseram copiá-lo.

10.23.2009

Ele nunca dorme (oh yeah!)


























I Never Sleep

Right now you’re coming down with me
You’re on 1, I’m here on 3
The world is trash, I’m so wasted
Smell it in thee air, you can taste it
Oh yeah!

I never sleep, I never hate
Don’t you wish you could be like me?
I’m always high, I'll never die
Don’t you wish you could be like me?

Right now you’re coming down with me
When you done 1 day to my 1-2-3
Smash your face, I feel so offended
Just the beginning of my binder
Oh yeah!

I never sleep, I never hate
Don’t you wish you could be like me?
I’m always high, Ill never die
Don’t you wish you could be like me?
Come on!
Come on!

[Nick Oliveri and Mondo Generator, Dead Planet: SonicsSlowMotionTrails]

[Josh Homme has revealed for the first time why he fired longtime friend Nick Oliveri from Queens Of The Stone Age in 2004. Speaking to Zane Lowe on July 6 on BBC Radio 1, Homme said he ordered Oliveri to leave the band after he independently confirmed Oliveri had been physically abusive to his girlfriend." A couple years ago, I spoke to Nick about a rumor I heard," Homme recalled." I said, 'If I ever find out that this is true, I can't know you, man.' Because music and my life are the same thing, there's no rules until something massive happens. [Nick] was over here [in England] with [QOTSA vocalist Mark] Lanegan and something happened again, and he almost didn't make it out of the country. That's not music anymore." MALTA DO ROCK COM PRINCÍPIOS É COMO EU GOSTO.]

Concorrendo com a perfeição




















Jon Hassell & Maarifa Street a 06.09.08 no Punktfestival na Noruega (foto de Hans-Jürgen Weis).

Uma noite perfeita teria uma sala cheia de pessoas convidadas por mim. Ou talvez não. A noite perfeita seria aquela em que sentiria a sala em stasis. A perfeição depende de que eu me esqueça de mim; de que vocês se esqueçam de vós. Lembrem-se disso.

10.22.2009

Três nomes


















John Paul Jones;
Josh Homme;
Dave Grohl;

Álbum de estreia dos Them Crooked Vultures no final do próximo mês (sujeito a confirmação).

P.S. Chegou a confirmação. O disco sai dia 16 de Novembro. «O álbum, com produção de autor, apresenta 13 faixas e irá incluir a estreia das versões de estúdio do material que os Them Crooked Vultures apresentaram na sua estreia a 9 de Agosto, na sala Cabaret Metro, em Chicago.»

Japão























































Fotografias de Stephen Crawford retiradas daqui.

[À atenção particular do Pedro Bento.]

Ovelha negra













Ezequiel 25:17: The path of the righteous man is beset on all sides by the inequities of the selfish and the tyranny of evil men. Blessed is he who, in the name of charity and good will, shepherds the weak through the valley of darkness, for he is truly his brother's keeper and the finder of lost children. And I will strike down upon thee with great vengeance and furious anger those who attempt to poison and destroy my brothers. And you will know my name is the Lord when I lay my vengeance upon thee!

Modesto contributo para a polémica do momento, recordando uma personagem maior do que o próprio filme.

10.21.2009

Com sagração


























Já ouvimos este som e arranjos como estes nos The Walkmen ou em Micah P. Hinson. Não há surpresas, portanto. Há honestidade de sentimentos, coisa para julgarem aqueles que atravessaram Invernos que pareciam durar para sempre. Não duram. Apenas tendem a prolongar-se de cada vez um pouco mais. Até à chegada da Primavera. Aqui a música exulta a entrada da estação seguinte. Clássico contemporâneo.

No sleep till Brooklyn





















Se tivesse de garantir diria que foi numa das primeiras aulas da Escola de Cinema que um professor deu este exemplo, simples e claro: se quisermos caracterizar uma personagem não há nada mais económico do que mostrá-la saindo de casa e deparando-se com um cão. Se lhe fizer uma festa trata-se de uma boa pessoa. Se lhe der um pontapé está encontrado o canalha. John Flynn, realizador de Out for Justice, não faz a coisa por mais. Ainda a fita vai no adro e há um saco do lixo lançado de um automóvel que traz inscrito por cima da matrícula a frase, “Kill em all. Let God sort them out.” Isto é, age indiscriminadamente. O plástico tem dentro um cachorro que o detective Gino Felino (Steven Seagal) irá adoptar, tratando-o por Coraggio. E já que entreguei o nome do actor protagonista, é avançar sem medos. É uma película do Seagal sim. Trazia-a debaixo de olho desde que lera a nota elogiosa n’O Signo do Dragão: blogue que professa por Rambo e por Rivette. E gostei do sacana do filme, muito contra os preconceitos vindos de trás. Out for Justice abre com uma citação de Arthur Miller que significa algo como, “os assuntos do bairro resolvem-se no bairro”. Talvez não seja bem isto, mas é isto que importa reter. Gino (versão oleosa do Dirty Harry que pede comparação) é um polícia criado em Brooklyn que tem de resolver um caso relacionado com um “loose cannon” da máfia local que perdeu a cabeça com as drogas e com o facto de uma das namoradas andar a ser comida por um polícia (que terminará morto na rua frente à mulher e aos filhos). O que vem depois é uma contagem de cadáveres que poupa no requinte em privilégio da eficácia. Steven Seagal faz justiça ao apelido de Felino despachando os opositores com destreza, em coreografias secas à beira do kitsch. O filme é dos primórdios da década de 90, mas está carregado de traços do decénio anterior. É cool e é xunga, como Madonna vestida de virgem. É muito desenbaraçado e não se envergonha de apregoar a moral “livra-te da escumalha e não penses mais nisso”. Até o próprio cachorro Coraggio acaba mijando em cima daquele que lhe queria abreviar a vida. E acho que já fiz valer o meu ponto de vista.

Nota: No Sleep Till Brooklyn é o nome do tema dos Beastie Boys que se escuta na banda-sonora de Out for Justice.

10.20.2009

Diabos vermelhos






















I wouldn't say most men love redheads. A sizable majority, sure. And those men who love redheads likely focus on them because of their genetic rarity. The universe makes only so many redheads, and so it makes an impression when a man is beauty-napalmed by one.

[John DeVore, Why are some men drawn to redheads?]

Modelo: Anne Lindfjeld.

Dunas, são como Titãs


























As desert sessions dos Arctic Monkeys. Dá gosto vê-los crescer.

My fair lady

















Quando Angel Deverell (a estonteante Romola Garai) tem o primeiro contacto com o seu futuro editor, este pergunta que autores ela gosta de ler. Angel, que obviamente tem orgulho na sua imaginação que nada deve à leitura (mas sim à ambição e mitomania), responde-lhe Shakespeare excepto quando tenta ser engraçado. No final do filme e no leito de morte, a imagem de Angel encontra-se entre a de uma figura shakespeareana, enferma e delirante, e a personagem de Welles sua semelhante mais popular de sempre: o Charles Foster Kane que, sabemos bem, também tinha nos genes um contributo generoso do bardo inglês. Angel não é dos melhores filmes de François Ozon, mas este realizador terá sempre algo a dizer com relação às mulheres, e aqui a um determinado tipo de mulher. Uma espécie de rainha sol que só consegue viver com aqueles que se apagam sob a sua luz. Homens e mulheres, vejam e iluminem-se.

10.19.2009

Amor de mãe




















Recordo perfeitamente a sexta-feira da estreia de Magnolia, de Paul Thomas Anderson, e a sessão da meia-noite no Monumental em que vi o filme estando também na sala o realizador português João Pedro Rodrigues. Não comentei o filme com o João Pedro à saída. Cumprimentámo-nos e despedimo-nos e só. Quando soube que o seu novo projecto se chamava Morrer como um Homem, título belíssimo, enviei-lhe uma SMS manifestando interesse em nele participar. Respondeu com simpatia e a coisa ficou por aí. Nunca tive vontade de rever Magnolia, embora me tenha à altura impressionado e muito. Foi como se o passar do tempo sobre a experiência tivesse sedimentado uma impressão de que se tratava de um exercício de manipulação exercida por um realizador demasiado consciente do seu virtuosismo. Tive receio de me desiludir e resolvi dar crédito ao faro que em outras ocasiões se revelou certeiro.
A impressão de virtuosismo auto-indulgente voltou a manifestar-se quando assisti a Morrer como um Homem, filme que me suscita uma mistura de sentimentos. Aquilo que eu já sentira com Odete – que João Pedro Rodrigues parecia em alguns momentos querer cumprir com as convenções do cinema gay – é vertido com domínio acrescido neste novo objecto, que revela uma competência cinematográfica (para lá da surpreendente opção pelo formato 1.33:1 e do impecável trabalho de imagem de Rui Poças) que na minha opinião é contraproducente face ao valor humano da história contada. O brilhantismo dos planos-sequência, a demorada cena em “noite-americana” inserida num episódio espúrio ao veio narrativo principal que serve para carregar o filme de iconografia gay feérica ou paródica, e o modo como João Pedro Rodrigues parece insistir num modelo de rebeldia juvenil histérica sem causa, personificada pelo namorado do protagonista, verdadeiro Rosário de amarguras, apenas distraem do drama do indivíduo Tonia/ António que entende o amor como um acto de dádiva mas, mais importante ainda, de recebimento.
Há um episódio no filme particularmente discreto, quase anódino, durante a viagem de Tonia e Rosário que se propõem visitar a família do rapaz, mas que se perdem no caminho e vão dar repetidas vezes a uma barragem. O momento em que Tonia sai do carro para olhar a paisagem é a forma mais bonita do filme de João Pedro Rodrigues dar a ver a natureza feminina daquele corpo de homem. Tonia é um receptáculo de afectos e sentimentos tão largo e fundo quanto a barragem em frente cheia de água. É da sua natureza aceitar de volta o namorado que a(o) rouba, que ciclicamente se mete em drogas duras, e que é emocionalmente imaturo. É da sua natureza compadecer-se com o animal abandonado que surge na sua porta, o cachorro Vadio que se juntará à cadelita Agustina. É da sua natureza perder a cabeça e pedir perdão mal se dá conta de que fora injusta(o). Tonia pode bem ser uma mulher de plástico que ainda não se livrou da incómoda picha, mas o seu coração é maternal e protector. É uma grande personagem de cinema (roubada à vida; o filme tomou por ponto de partida a reportagem de Rui Catalão sobre o travesti Ruth Bryden), calorosa e trágica, que talvez merecesse da parte de João Pedro Rodrigues um pouco menos de fazer cinema, uma imitação da vida menos estilizada ou se quiserem mais transparente.
Eu gostava de ter encontrado em Morrer como um Homem apenas o olhar de João Pedro Rodrigues (cada vez mais "fantasma"...), e sabendo-o fortemente cinéfilo não pude deixar de sentir esse olhar filtrado por elementos que reconheço de outros cineastas e de outros universos: de Almodóvar, de Todd Haynes, de Steve McQueen. E isso parece-me sempre um realizador a procurar legitimar-se indo de encontro a pressupostos e iconografia estabelecida. O vermelho pelo sangue. O teatro em vez da vida. Tudo considerado, parabéns João Pedro pela confusão de sentimentos em que me encontro.

10.16.2009

'Fanny nua' por Malleus


























Procura-se o modelo original.

"Súmula" cum laude (honras a eles)


























Os Queens of the Stone Age são a última coisa de verdadeiramente excitante que se passou no universo do rock pós-Pixies. Há por aí discos excelentes do género surgidos nas duas décadas passadas (é favor iniciar a contagem nos anos 90), mas nenhum outro projecto apresentou uma súmula tão intensa e vitalista. Os três primeiros discos dos Queens of the Stone Age, então, merecem um estatuto de clássico equiparado ao impacto produzido pelos Led Zeppelin e pelos Black Sabbath.
Toquei muito Queens of the Stone Age ontem no Agito. Levava um terço do alinhamento calibrado, e fiz o compasso de espera necessário até que a lotação do bar justificasse ser coroada com Regular John. É claro que ninguém me dirigiu qualquer agradecimento, a mais que devida vénia. Os verdadeiros entusiastas do rock ou continuam concentrados na Margem Sul (olá rapazes!), ou passaram a ter as responsabilidades dos chefes de família que são iguais em todo o lado (viva meus caros!).
Houve um "bife" que me cumprimentou pela passagem do Rock And Roll dos Zeppelin (de quem se ouviu também o Dazed and Confused e o Whole Lotta Love), caso único na noite em que a casa não encheu mas onde não perdi nenhum dos clientes entrados.
E quanto ao álbum de estreia dos Queens of the Stone Age, é procurarem-no pelo retalho conexo da Amazon onde não é expectável pagar-se um valor abaixo dos 20 euros: e há quem peça para cima de 80 (oitenta)!

10.15.2009

Maternidade























Melhor que Picasso.

















Hoje volto a tocar discos compactos no bar Agito. Começo às 22h. Não digam a ninguém.

10.14.2009

'Manafon' e os seus luxos




















Coube-me a sorte de ser um entre os dois mil eventuais destinatários da edição "Deluxe" do novo David Sylvian, entretanto esgotada. Eu cobiçava o objecto fosse este o que fosse, e pouco sabia do que era realmente. Sabia que o DVD contendo o filme Amplified Gesture apenas tinha David Sylvian na função de produtor-executivo. Não havia imagens de Sylvian... hélas. O que vim a descobrir é que Amplified Gesture funciona como introdução aos principais colaboradores sonoros de Manafon, e que foi registado a preto-e-branco entre a Áustria, Inglaterra e França. A ausência de David Sylvian sai como que compensada pelos rostos e palavras de Evan Parker, Keith Rowe, Christian Fennesz, Otomo Yoshihide, entre outros, no que se revela uma apresentação pessoal e esclarecedora daquilo que reporta ao contexto da música improvisada enquanto exploração individual e trabalho colectivo.
É interessante observar em Amplified Gesture como são diversos os testemunhos dirigidos a uma realidade sobre a qual tendemos igualmente a generalizar. Os depoimentos reunidos, escassos em focos de distração, vão desde o puramente factual até ao desconcertamente ingénuo. No fundo percebemos que por detrás de cada músico existe uma história que em parte condicionou o seu percurso artístico, no que vem a ser o principal triunfo desta realização de Phil Hopkins: a paridade dos corpos, das vozes e da experiência de cada protagonista; dar a conhecer na medida do possível (o filme dura 55 min.) as personalidades que estão na origem dos sons espectrais que preenchem a moldura electro-acústica de Manafon, e paradoxalmente confirmar a mais espectral de todas as presenças na pessoa de David Sylvian, o último criador de Manafon, também o seu originador, e muito sintomaticamente aquele que optou por estar presente pela ausência em Amplified Gesture. Como se essa atitude de subtração permitisse alargar a ressonância das presenças dos seus colaboradores.
Quanto os restantes materias da edição "Deluxe" importa notar a sua beleza integral algo austera mas sólida, toda ela concebida por Chris Bigg; a possibilidade que confere de acompanharmos a audição de Manafon ao mesmo tempo que lhe lemos as palavras (porque se trata de dois livros autónomos embora complementares), concentrando nelas maior atenção; a inclusão de uma impressão de grande qualidade do desenho de David Sylvian (ver imagem) da autoria de Atsushi Fukui, autografado por ambos; e para mim a particular experiência permitida pelo facto do DVD trazer a música de Manafon formatada para vários modelos de reprodução sonora, que ouvi a partir do televisor e que mexendo com a minha percepção ajudou a clarificar as relações entre os seus elementos. Ali fiquei sentado na frente do pequeno ecrã com a imagem estática que corresponde à capa do CD, o animal imóvel em fundo assim como imóvel permaneceu a floresta que o rodeava, os sentidos movendo-se por entre as figuras gráficas e musicais ao dispor. Nos tempos actuais marcados pela multiplicação da oferta e consequente dispersão, dedicarmos a atenção que nos pede um objecto como a edição "Deluxe" de Manafon representa o derradeiro luxo.

10.13.2009

Uma gótica assim


























Por exemplo, a australiana Tiah Eckhardt.

Deathwish

Fazer amor com uma gótica de unhas impecavelmente cuidadas ao som do último disco dos Soulsavers usando o botão do repeat uma vez consumada a extinção da pequena vida para escutar mais algumas vezes o tema Pharaoh's Chariot.

10.12.2009

Inicial "G"


























Nunca havia dado conta de que gospel e gótico participam da mesma inicial. Os pretextos colam-se quando menos se espera. Ou somos nós que os moldamos como bem entendemos. Parto para a escuta do novo Soulsavers, Broken, rumo ao desconhecido. Coisas que se lêem, vozes que se cultivam. A tela é seguríssima. Electrónica urbana e escura à maneira de uns Young Gods ou de uns Nine Inch Nails, que ganha corpo alternativo quando lhe despejam guitarras por cima. Mark Lanegan assume o quase total protagonismo vocal (em fundo também se contam as presenças de Jason Pierce, Rosa Agostino, Mike Patton, Richard Hawley e Gibby Haynes). Consoante o "mood" a voz é mais ou menos visceral. Broken alimenta o imaginário das almas penadas que já não vão em histórias de vampiros. Eles cantam o sangue eléctrico do rock.

O matadouro












Seul Contre Tous é como se chama o filme que Garpar Noé realizou antes de Irreversible. É um filme extraordinário, também na medida em que se trata de uma experiência cinematográfica invulgar. Mas tem antececessores; tudo tem sempre antecessores. Ocorreu-me frequentes vezes o Taxi Driver de Scorsese, personagem igualmente acossada pelos seus recalcamentos, a voz interior martelando-lhe a consciência do início ao fim. Gaspar Noé intensifica o processo, e porque o seu protagonista trabalha num talho os golpes do cutelo assim como os disparos de uma arma que o acompanhará a partir de certa altura golpeiam a montagem, e reforçam a cadência marcial de Seul Contre Tous: guerra privada contra tudo e contra todos. O filme prolonga a história da obra de estreia de Gaspar Noé, a curta-metragem Carne. A carne que o protagonista vende é ainda a de cavalo, parece que muito apreciada por aqueles lados. O cavalo é também dos animais mais belos com o seu nobre porte. Dir-se-ia quase humano. A analogia entre o homem e este animal é determinante para Noé passar a leitura que dá da condição humana. Vimos a este mundo como quem chega a um matadouro. As imagens estão contaminadas de vermelho-sangue ou de um verde doente, nauseabundo, sufocante. Um dos intertítulos recorrentes avisa-nos que dentro de segundos as imagens poderão tornar-se insuportáveis. É o momento de catarse poética pela via da crueldade (recordando de novo o Taxi Driver, e a sua alucinada chacina final). E também aqui há um depois. O momento que se sucede ao extremo do horror: que pode ser descrito como o instante em que Gaspar Noé faz nascer uma flor de uma pedra. Se existe corrente estética onde a obra de Gaspar Noé pode ver-se incluída, só pode ser a do Romantismo. O que está em causa é sempre a operação de resgate de uma alma que atravessou o "matadouro" onde foi progressivamente delapidada da sua dignidade, mas para a qual não se extinguiu a possibilidade de redenção. É um processo que Gaspar Noé filma como o resgate de qualquer coisa que existe no interior dos seus protagonistas, e como se estivesse igualmente dentro de cada um de nós.

10.10.2009

All about a face















Façamos de conta que ao espreitarmos para dentro daquele olho enorme o rosto que vemos não é o de Scott Walker mas o de Richard Hawley. Tenhamos fé na minha memória que reporta ao ano passado quando por várias vezes, num curto período, vi o documentário Scott Walker: 30 Century Man. Richard Hawley foi um dos músicos convidados a pronunciar-se sobre Walker, e no espaço de tempo que lhe coube na montagem final refere o espanto que lhe causou o facto de Scott Walker abrir um dos seus discos, Scott 3 (o do olho reflector gigante), com um gongo. Penso que a canção que se escuta nesse momento é Big Louise, só que o disco começa com It's Raining Today: é apenas um detalhe, o que conta é a impressão gerada, e para que conste Scott 3 está cheio de gongos e de arranjos instrumentais que criam uma atmosfera de angustia e compaixão. Quando Richard Hawley partiu para o último disco, Truelove's Gutter, a intenção era realizar o seu álbum mais pessoal. O anterior Lady's Bridge é um belíssimo trabalho, apesar dos dois ou três temas orelhudos que não creio que tenham alargado o culto em torno de Hawley. Foi breve o namoro com a capacidade de ascender ao estatuto de estrela pop respeitável. A reacção não podia ser mais radical. Truelove's Gutter parece um apelo suspenso no quase vazio. É ouvirem a hierarquia construída entre voz e instrumentos, acentuando a carga dramática das letras de Hawley (aquela Open Up Your Door, porra... o gajo já fez tantas vezes isto e a gente cai sempre!): ele parece perdido, à deriva, a as mulheres a quem as músicas se dirigem não estarão melhor que ele. Neste sentido é o seu álbum que mais directamente reporta à fase popular, embora também crepuscular, de Scott Walker. Hawley arranca aqui um pathos do caraças (perdoem a expressão, mas é mesmo assim), daqueles que faz atarem-se nós dentro de nós: do estômago até ao pescoço. Truelove's Gutter é o grande disco deste ano para condenados e atrevidos. Considerem-se avisados.

The winding sheet



















Woe

We got some poison in us
Cyanide and nicotine
More than you've ever seen
More than I can believe
Woe, woe, woe, woe

Guns guns they all got guns
Now they wanna shoot someone
I'd rather be drunk than dead
Or go where Jesus fled
So I'll get drunk again
Or maybe not
Woe, woe, woe, woe

I saw on a tombstone
He came in this world alone
Spent all his time alone
He left this life alone
Woe, woe, woe, woe


[Mark Lanegan, circa 1990, num disco em que Kurt Cobain chegou a participar.]

A balada de Yokohama
















É verdade que Yasujiro Ozu, Mikio Naruse e Hou Hsiao-hsien andam por aqui. São presenças sentidas como se o filme de Hirokazu Kore-eda assumisse uma filiação naqueles mestres canónicos. É também verdadeiro que as famílias têm algo de universal, que os seus pequenos conflitos, que os ressentimentos que guardamos até ser tarde de mais, são comuns a todos os filhos e todos os pais. Mas olhar para o familiar pode ser o mais difícil, sobretudo porque nos habituámos a ver a correr, e Andando pede que olhemos a passo.

10.08.2009

Irving Penn (1917-2009)


























Girl in Bed on Telephone (Jean Patchett), New York, (1949).

Um Mestre.

Obrigado, Francisco.


























[...]
«A que horas saiu da sala de jantar?»
«Eu?»
«Não. O administrador.»
«Por volta das três, um pouco antes. Um jogo de futebol, havia um jogo de futebol ontem à noite, e ele queria saber o resultado. Por princípio perguntaria a um empregado, a alguém que andasse ali, mas ele é muito cioso quando se trata de futebol. É sportinguista», explicou, pedindo: «Compreenda.»
Jaime Ramos fez uma cara indiferente, mas Isaltino manifestou alguma compreensão, abanando a cabeça, inclinando-a ligeiramente para o lado esquerdo. Era o seu modo de dizer que estava à espera, Isaltino tinha formas obtusas de avançar num inquérito. Rondava o inimigo. Rodeava-o de perguntas sem sentido, fingia compreender coisas sem explicação, depois voltava atrás, suavemente, como se reunisse toda a sabedoria de um vizinho atencioso, compreensivo, envolvente, vendo mais longe.
«Eu sei», disse então ele. «O senhor é sportinguista?»
«Ai de mim.» Aquilo tinha ressonâncias literária, como a confissão de um padecimento – ou então como as nuvens que passavam mais baixas, confundindo-se com a neblina estreita que caía sobre todas as árvores do Vidago, as das colinas e as do parque, cuidado e triste como um filme outonal.
[...]
(pág. 31)


Nem eu sabia as saudades que tinha disto.

10.07.2009

Ladrão que rouba a ladrão (crimes transcendentais)




















"My god, Michelle. It's taken me so long to come to you." (American Gigolo, 1980)

[...] The secret of transcendental style is that it can both prevent a runoff of superficial emotions (through everyday) and simultaneously sustain those same emotions (through disparity). The very detachment of emotion, whether in primitive art or Brecht, intensifies the potential emotional experience. ("Emotion cannot be projected without order and restraint.") And emotion will out. The trigger to that emotional release occurs during the final stage of disparity, decisive action, and it serves to freeze the emotional into expression, the disparity into stasis. [...]
[...] The decisive action is an incredible event within the ban structure. The prescript rules of everyday fall away; there is a blast of music, an overt symbol, and an open call for emotion. The act demands commitment by the viewer (the central character has already commited himself), and without commitment there can be no stasis. [...]
[...] In Pickpocket [the decisive action] it is Michel's imprisonment and his expression of love for Jeanne. [...] In the final scene, Michel, who has led the "free" life of crime, is now in jail. Jeanne comes to visit him in prison and he, in a tottally unexpected gesture, kisses her through the bars saying, "How long it has taken me to come to you." It is a "miraculous" event: the expression of love by an unfeeling man within an unfeeling environment, the transference of his passion for pickpocketing to Jeanne.
The decisive action forces the viewer into the confrontation with the Wholly Other he would normally avoid. He is faced with an explicably spiritual act within a cold environment, an act which now requests his participation and approval. Irony can no longer postpone his decision. It is a "miracle" which must be accepted or rejected. [...]
[...] Bresson calls this the moment of "transformation": "There must, at a certain moment, be a transformation; if not, there is no art." [...]
[...] This "transformation" does not resolve disparity, it accepts it. Disparity is the paradox of the spiritual existing within the physical, and it can not be "resolved" by any logic or human emotions. It must, as the decisive action makes inescapably clear, be accepted or rejected. If the viewer accepts the decisive action (and disparity), he accepts through his mental construct a view of life which encompass both. On screen this is represented by stasis. [...]
[...] Stasis is the quiescent, frozen, or hieratic scene which succeds the decisive action and closes the film. It is a still re-view of the external world intended to suggest the oneness of all things. [...]

Paul Schrader, Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer, Da Capo Press, 1972.

10.06.2009

David Sylvian e a música sem qualidades


























A parafernália de Keith Rowe durante as sessões vienenses de Manafon.

Dou o meu exemplo porque vim a crer que encerra maior universalidade do que inicialmente supunha. Quando adolescente eu gostava de ouvir uma música só minha, que os meus dois irmãos não apreciassem, e só mais tarde aprendi a partilhar. O prazer que a música proporciona tem sempre qualquer coisa de exclusivo. Ela pode servir-nos de companhia em momentos de isolamento e introspecção, e pode trazer-nos outras emoções quando partilhada: emoções que vêm da forma como percepcionamos nos outros o prazer que a música provoca. O novo disco de David Sylvian, Manafon, transcende esta dinâmica (solidão/partilha) na medida em que nasce da colaboração distanciada de um conjunto de músicos, cujas improvisações só verdadeiramente se encontraram na forma finalizada no estúdio onde Sylvian recompôs essas várias intervenções sonoras, juntando-lhes as suas palavras e a sua voz. Manafon será um trabalho colectivo composto de diferentes solidões, e nesse sentido apresenta a sua verdade descarnada, a carne pulsando de vida. É um disco que não ilude, o que não quer dizer que seja um trabalho desiludido (só é desiludido aquele que alimenta expectativas). Manafon alimenta-se dos seus muitos acidentes, e é para mim muito inspirador (ali onde junto as suas solidões à minha).

O homem que amava as mulheres

















Truffaut na breve aparição hitchcockiana de O Homem que Amava as Mulheres.

Temos o cinema e temos a literatura. A paixão por ambos é grande em Truffaut. A pontos de se estabelecer a ocupação do tempo do filme ora pela acção (que traz sempre uma componente narrativa), ora pela narração (que apela à imaginação pelo menos que mostra). À medida que o livro de Bertrand Morane (Charles Denner, um quase sósia do nosso Tony de Matos) se torna no centro do filme, pelo modo como a história individual explica o comportamento compulsivo que o leva a "coleccionar" mulheres como a sua mãe coleccionava homens, o voz de Bertrand na sua evidência material remete o cinema para um plano segundo. A tentação do romanesco, de fazer passar muito tempo pelos sentimentos, implica em Truffaut um uso excessivo da palavra que descreve como descreve um romance. O cinema em O Homem que Amava as Mulheres/ L'Homme Qui Aimait les Femmes (1977) tem por função sublinhar em diferentes momentos a pulsão do desejo do protagonista, finalmente tão racional: a tentativa de reproduzir a mesma mulher (Véra/ Leslie Caron) em todas as outras. (Deus nos livre de igual suplício a que só a morte, como se verifica, pode pôr um fim.) Colocando-se quase sempre de fora das imagens dos seus filmes, François Truffaut consegue criar um clima angustiante até em situações burlescas. Naquilo que aproxima alguns dos seus títulos da obra de Woody Allen, não existe o corpo burlesco deste (a figuração do alter-ego) que sirva de válvula de escape. Daqui nenhum obsessivo sai vivo.

10.02.2009

Welcome to your new addiction














Isto para responder à vossa curiosidade sobre um dos DJ Sets de amanhã (às 22h).

Arquivo do blogue