4.30.2009

Ou a origem do mundo





















Ilustração usada na capa da edição CD/DVD de Voltaic, o regresso de Björk. Tirada daqui.

Head music


















Continuo a pensar que o último disco dos Telefon Tel Aviv é melhor do que qualquer coisa que os Pet Shop Boys estejam a fazer, do que os caminhos trilhados pelos Depeche Mode depois de Violator, ou para lá do alcance dos mais húmidos sonhos de Moby (é provável que apenas um Charles Webster em topo de forma conseguisse atingir regiões desta exuberante deepness). E eu não quero vê-los num Top de vendas qualquer. Quero apenas que cheguem às pessoas certas.

in memoriam Charles Cooper, always.

Plux Quba (andróides ou carneiros eléctricos)

A história incompleta:
Plux Quba flew far under the radar at the time of its release, and it might have remained essentially unheard outside Portugal's experimental music crowd had it not fallen into the hands of a few key people, including tireless Chicago musician Jim O'Rourke. A story circulated that O'Rourke, Jan St. Werner (of Mouse on Mars and Microstoria), and Carsten Schulz (who has recorded as C-Schulz, and with Hans-Juergen Schunk as C-Schulz & Hajsch) came across a copy of Plux Quba while traveling through Europe together in 1991 and fell in love with what they heard. O'Rourke started a record label called Moikai in 1998, and his first release was a reissue of Plux Quba, remixed and remastered by Portuguese guitarist and composer Rafael Toral. (Mark Richardson 27.08.02)









Esta música projecta-me nos livros de Philip K. Dick que eu nunca li. Fluxo de correntes frias e fortes, quentes e frágeis, que se interceptam num curso comum. Falta saber em quais, de entre elas, os sentimentos provêm das máquinas ou dos homens. Nuno Canavarro chegou um dia a ser o Hans-Joachim Roedelius português. Pergunto-me o que é feito dele?

4.29.2009

Superbad

I used to see you every day
used to see you every day
I danced around your folk and soul
I danced to all your fucking soul
I left you with your nose a bleedin'
and your toes creepin' around
ahhh so mundane and incomplete
hand me down my pants and get me off this street

I'm passed out in your garden,
I'm in I can't get off so soft
I'd pop myself in your body,
I'd come into your party but I'm soft

Behind the fringe of a whiskey high
mutilating cat like eyes,
and in your nose blood decadence
you try to drag me into your bohemian dancing
You paint my fingers and you paint my toes,
you let you perfect nipple show

I'm passed out in your garden,
I'm in I can't get off so soft
I'd pop myself in your body,
I'd come into your party but I'm soft

["Soft", Kings of Leon]

4.28.2009

Tavares pobre e Tavares rico













Para o Miguel Sousa Tavares, com amor
por João Miguel Tavares (DN 28.04.09)

Miguel Sousa Tavares descobriu no íntimo de si a inocência de José Sócrates e há 15 dias resolveu partilhá-la connosco num artigo do Expresso. Nada contra. Expor convicções com base em "achamentos" e estados de alma não me parece o método ideal para debater assuntos no espaço público, mas como se sabe MST topa tudo a léguas e tem as suas intuições em enorme conta. No último sábado, MST voltou a partilhar connosco que no íntimo mais íntimo de si tem a certeza de que José Sócrates é inocente. Mas com uma novidade: resolveu implicar comigo.
Escreveu ele: "Há um tipo - que tem o mesmo apelido do que eu e que escreve semanalmente no DN, onde se especializou na ofensa fácil - que escreveu que Sócrates falar de moral é o mesmo que Cicciolina falar de virtude, ou coisa que o valha." E depois continuava, mostrando toda a sua compreensão para com o processo que o primeiro-ministro me colocou, e concluindo com o clássico: "Liberdade? De imprensa? Ora, vão pastar caracóis para o Sara! Eles sabem lá o que é a liberdade! Sabem lá o que isso custa a ganhar!" Seguiam--se mais duas frases que também acabavam com pontos de exclamação, perfazendo um total de cinco pontos de exclamação consecutivos, coisa não vista na imprensa portuguesa desde o Verão de 75. Eu ainda fui à enciclopédia ver se MST tinha sido um dos capitães de Abril, mas o único Sousa Tavares que encontrei por lá chamava-se Francisco.
Contudo, não é por isso que critico MST. À medida que se envelhece pregar contra a "libertinagem" torna-se uma tentação irresistível. Há que ser compreensivo. Já aquele "ou coisa que o valha" custa-me mais a aceitar. MST parece o Mário Soares do jornalismo: popular, voluntarista e opinativo, mas sem qualquer paciência para estudar os dossiês. "Ou coisa que o valha"? Caro MST: o que eu realmente escrevi está por toda a net (digite "google.pt", preencha a caixinha branca e carregue no enter) e já me fartei de explicar que a pobre Cicciolina nem sequer consta da queixa. Se for com este rigor que perscruta o seu íntimo, temo pela inocência de José Sócrates.
Ao invés, se fizesse o trabalho de casa, certamente perceberia que entre si e aqui o tipo especialista "em ofensa fácil" não há assim tantas diferenças sobre o entendimento do caso Freeport, tirando a parte das suas "convicções pessoais". Mas sabe como é: eu não conheço o primeiro-ministro, janto poucas vezes fora de casa e não tenho companheiros de caça. Parecendo que não, isso ajuda a não ter tantas "convicções pessoais". E quanto a ir pastar caracóis para o Sara, seria um óptimo programa não fosse correr o risco de dar de caras consigo numa daquelas expedições pelo deserto. Por mais estranho que lhe possa parecer, nós dois juntos numa duna não é um dos sonhos da minha vida.

"Avant que j'oublie" IndieLx09 27.04.09


















Os filmes de Jacques Nolot comem-se crus. É cinema gay sem mariquices costumeiras. Curvo-me perante o seu grau de exigência; face à sua frontalidade, que pouco tem de exibicionismo. Tanta reverência toma por base, até ver, um único título: Avant que j’oublie. Teatro privado – é sabido que os filmes de Jacques Nolot são parcialmente auto-biográficos; mesmo que o não fossem, a impressão que deixam tem a ver com o risco de uma exposição controlada. E é nessa crueza que se decidem. Num corpo que assume as marcas da idade. Um corpo usado mas orgulhoso. Um corpo gasto que mantém a pose austera. Avant que j’oublie fixa-se nas horas mortas de um outrora gigolô, Pierre (Jacques Nolot, pois então), sexagenário, seropositivo, privado do companheiro mais regular na sua vida, falecido recentemente, que o deixara bem instalado na vida. Pierre, escritor vazio de ideias, leitor aborrecido, disfarçando mal a falta de arcaboiço para penetrações, para quem a ocasional genuflexão se revela agora esgotante. Pierre sente-se velho, cercado de mortos, a doença a pedir nova medicação. Nolot filma com desassombro, e o resultado impõe-se como um testemunho no osso. Objecto exangue, que se perpetua em conversas de café e mamadas ao domicílio. E por fim no mais radical golpe de teatro, com uma sinfonia de Mahler sobreposta (única cena em que recorre a banda-sonora), onde Pierre surge travestido a rigor, na entrada de uma sala de cinema para adultos, a aguardar o regresso do prostituto que o levara até lá. O plano em que Pierre caminha depois, sozinho, na direcção de um fundo escuro que o apaga, é como a figuração da morte por antecipação (ligando-se ao plano inicial de Avant que j'oublie, a conversa de Pierre com um conhecido de maior idade num cemitério). Morte em Paris, de uma intensidade para dentro, ao contrário da outra igualmente antológica na qual Dirk Bogard agonizava a impossibilidade do amor frente ao mar de Veneza. É como se o cinema de Jacques Nolot se fizesse de uma parte Visconti, para nove partes Fassbinder. Trágico, mas com uma frieza de mármore. Haja respeito. Todo o respeito.

Repete sábado, 2 de Maio às 00.15h, no City Classic Alvalade.

4.27.2009

Band of brothers


























Caleb Followill , Jared Followill, e Nathan Followil, irmãos, mais o primo Matthew Followill. Juntos são Kings of Leon. Rock diverso em conta, peso e medida. Tanto podem alinhar com The Strokes, ou com a bitola sulista Howlin Rain. Pelos discos que conheço (os dois primeiros), audições recentes, ponho as mãos no fogo. Os Kings of Leon não ardem tanto, mas chegam a aquecer, e por vezes queimam. O tipo de som que agrada a quem ouviu pouca (do impulso original...) ou demasiada música (... à recuperação da relação visceral com aquela). O preconceito, como a virtude, situa-se a meio: cercados de informação, de alguma opinião. Felizmente, nesse meio, aprendi a orientar-me.

"Kikoe" + "Tokyo Sonata" IndieLx09 26.04.09


















Fui ver Kikoe porque soube que Otomo Yoshihide participa no próximo disco de David Sylvian. Tive uma réstea de esperança de que Sylvian entrasse no documentário de Chikara Iwai, em vão. Yoshihide é um improvisador japonês que lidera vários projectos que furaram para o panorama a Ocidente, e Portugal já recebeu a sua visita. Mas será isto um documentário? É sobretudo uma experiência visual e sonora que procura transferir para a sua estrutura a sensação algo surrealizante que decorre da contínua sabotagem de sentidos que permitam interpretar o que estamos a ver e a ouvir. Surgem fragmentos das performances das várias formações encimadas por Yoshihide, que em grande parte das ocasiões é apenas mais um elemento a colaborar no caos sonoro generalizado. E também inúmeros depoimentos (DJ Spooky, Jim O'Rourke, Jonas Mekas, Taku Sugimoto, entre outros) que são alvo de permanente rasura, quando aquilo de que dão conta não é já suficientemente difícil de acompanhar. Kikoe mantém até final esta impressão de fluxo aleatório, mas se aceitarmos as regras do jogo a cumplicidade até sai recompensada.
Tokyo Sonata, exibido na última edição do Festival de Cannes, era a minha grande aposta deste Indie. Trata-se de um melodrama discreto que surpreende perto do final com a mudança para um registo que acentua o burlesco até aí subliminar, libertando-se por momentos numa espécie de histeria colectiva. Tokyo Sonata é um grande filme sobre o fracasso. Sobre a ilusão que incute em nós com relação ao que se passa na vida das outras pessoas, e sobre o modo como os outros nos vêem. Kyoshi Kurosawa filma a história de um pai de família que perde o emprego, e a forma como isso precipita a desagregação do clã que já estava em curso. A existência daquelas quatro figuras (pai, mãe, dois rapazes) era convencional só na aparência, presa na suposta autoridade paterna que vai entrar em crise: quando todos os elementos se sentem na liberdade de seguir aquilo que realmente desejam. O conflito está instalado. Os segredos acabam descobertos: o "emprego do tempo" do pai, a carta de condução da mãe, a pretensão do filho mais velho em se alistar no exército americano, e as lições de piano do outro filho pagas com o dinheiro das refeições do colégio. Kyoshi Kurosawa move-se com mestria neste quadro de equivalências, revelando com sensibilidade os aspectos tragicómicos da vida. O fracasso só é fatal para os que se levam demasiado a sério. A ver se não esqueço a lição.

Tokyo Sonata volta a ser mostrado no auditório do Museu do Oriente, na próxima 5ª feira às 19h00.

4.26.2009

"Tyson" IndieLx09 24.04.09
















Saio de Tyson (hora e meia a piar baixinho para dentro) com vontade de inverter a proposição de Primo Levi e gritar: "se isto (não) é um homem!". Saio calado e comento: ou a minha sensibilidade diverge da dos outros homens, ou Tyson fala para a masculinidade em geral. Os problemas respiratórios do jovem Mike que se prolongam na vida adulta, que se ouvem nos derradeiros segundos deste assombroso documentário de James Toback. A vocação para fazer das fraquezas forças, para se deixar encurralar por uma sensação de medo angustiante até à explosão que se dá e repete no ringue. A tensão acumulada e a urgência da descompressão que pode resultar numa "carga de porrada" (as histórias do reformatório e do irlandês que primeiro ensinou Tyson a combater). As mulheres. Mulheres fortes, com cargos de responsabilidade, para serem dominadas através do sexo e fazerem-nos sentir poderosos. O sexo. Que Tyson aprenderá mais tarde ser melhor após um longo período de abstinência (e diz qualquer coisa como isto, as mulheres levam muito mais de nós do que aquilo que dão; as mulheres que ele conheceu pelo menos). Uma vida de excessos proporcionada pelas suas capacidades excepcionais enquanto pugilista. A catarse pelos combates. A crença nele mesmo incutida pelo treinador Cus D'Amato. O exorcizar dos demónios pessoais (o pai ausente, a mãe promíscua) que apenas acontece(?) após o abandono do boxe com a dedicação à família (seis filhos). A sensação que fica de que o combate decisivo é aquele que connosco travamos. Mérito colossal o de James Toback de pôr Mike Tyson a "pensar alto" para a câmara (para nós), revelando um exemplo paroxístico de humanidade. De enquadrar o discurso do campeão – torrencial como os socos que dava para destruir os opositores –, procurando chegar até ele como alguém que persegue a resolução de um enigma: um monstruoso cubo mágico, por exemplo, que Toback parece conseguir preencher em parte (alguns aspectos da personalidade de Tyson que nos atingem poderosamente; faces ou cores que se completam), sem que o todo alguma vez pareça serenado, em harmonia. Tyson é um documento incontornável sobre as forças e equívocos da condição masculina. A besta que se esconde (aguarda adormecida) no interior dos homens. Se pudesse agora gritar, diria: "Mike Tyson, you're my brotha!".

4.24.2009

Record store memories




















© miss dove

E o resto.

Mr. B


















William Basinski, admirável prospector de sons em casa própria, figura destacada da vanguarda artística nova-iorquina, escultor paciente que de loops criados com base em fitas magnéticas constrói sinfonias digitais de "arte pobre", vem este ano a Portugal para o Out.Fest, no Barreiro, no fim-de-semana de 22 e 23 de Maio. Se o encontro se proporcionar, irei estar perante umas das referências que prezo no limite da discografia disponível. A que em breve se acrescentará outro volume, 92982, que a Flur está praticamente mesmo quase quase a receber.

Canto coral




















Em escuta: Choral, dos Mountains. Quem são os Mountains? Dois americanos, Brendon Anderegg and Koen Holtkamp (que este ano já tinha um disco belíssimo na Type, Field Rituals). Da parte nórdica dos Estados Unidos. O som é saturado e envolvente como nos cêdês de Fennesz ou Tim Hecker. Estática, drone, reverberação, espectralidade, gosta-se aqui daquilo que se degusta nos outros exemplos. A bruma que cobre os Apalaches.

Voto na matéria


















Diz-me, espelho meu, haverá alguém no mundo que goste dos Wooden Shjips como eu? Faz-se a busca na Internet, lê-se o último número da Wire, e dá no mesmo. Os plumitivos a atacar a banda de São Francisco, praticamente apelidando-os de fraude. Se os Wooden Shjips são uma fraude, eu, melómano ingénuo entre os mais cândidos, me confesso. É que os ouvi numa compilação da Uncut e fiquei agarrado. Depois vi-os na Caixa Económica Operária naquele que foi o concerto da noite: que incluia os Sic Alps e os Six Organs of Admittance. Os Wooden Shjips bombardearam a audiência de uma centena com o seu retro-psicadelismo feito de notas hipnóticas de orgão, do baixo e bateria em simultaneidade metronómica como uns Velvet Underground elevados à potência dez, e com descargas de guitarra para rasgar pelo transe adentro.
Há um álbum novo dos Wooden Shjips, Dos, que é o terceiro (mas eles não contam com a reunião de dispersos, intitulada Vol. 1), sobre o qual o crítico da Wire não podia ser mais elucidativo. O espanto é que toda a gente que fala com propriedade dos Wooden Shjips cita as referências justas: VU, Guru Guru, The Doors, The Fall, and so on, and so forth. Mas sempre a cascar. E quando a cabeça não tem juízo, o corpo não tem discernimento na matéria.

"Encounters at the End of the World" IndieLx09 - Abertura
















Werner Herzog não se deslocou ao IndieLisboa para a retrospectiva que lhe é dedicada, por se encontrar com três projectos em diferentes fases de produção. Mandou o amigo e produtor de longa data Lucki Stipetic, que leu uma carta do realizador antes da sessão de abertura. Herzog diz que raras vezes sonha e que os seus filmes se alimentam dos sonhos de outros homens. A história de Encounters at the End of the World também. Werner Herzog recebeu do colaborador e amigo, músico e há época mergulhador nas profundezas da Antártida, Henry Kaiser, imagens submarinas recolhidas para lá das densas camadas de gelo, que conduziram a que Herzog aceitasse o convite da Fundação para a Pesquisa Científica para a concretização de um documentário sobre a base de McMurdo no Pólo Sul. Partindo sem estratégia prévia, o que Herzog faz (e narra) é começar por observar as primeiras coisas que o impressionam, falar com as pessoas que vai conhecendo, e ir depois ao encontro de outros grupos de trabalho nas redondezas. As imagens de Encounters at the End of the World, dos espaços desoladores de McMurdo ao infinitos glaciares em volta, podiam suscitar uma qualquer epifania estética ou mística da parte do espectador, coisa a que Herzog apenas acede no reencontro com as cenas marinhas que tanto o interessaram. Herzog puxa pelo lado burlesco das situações e assinala as excentricidades dos vários interlocutores, nas experiências de vida que nos são narradas pois da interacção de uns e de outros quase nada ficamos a saber. Mas até um empírico como Werner Herzog não consegue evitar colocar-se algumas questões filosóficas naquele ponto tão extremo do mundo. Motivadas sobretudo pela pesquisa das formas microscópicas e primitivas encontradas no fundo do mar gelado, seres em muito anteriores à espécie humana e que tudo indica lhe sobreviverão. Encounters at the End of the World satisfaz-se em testemunhar as coisas por aquilo que são (o tal "êxtase da verdade" que se colou como assinatura à obra de Herzog). O seu programa faz-se da irreverência das questões (um sarcasmo sem maldade presente nas observações e comentários do realizador), e do concreto inusitado das situações. Herzog renova a promessa original do cinema de mostrar coisas pouco vistas e histórias de vida pouco conhecidas (apetece acrescentar que o realizador alemão parece encarar as prováveis alterações do planeta e extinções daí decorrentes com um entusiasmo juvenil). E em vasta medida, cumpre-a.

4.23.2009

Basicamente é isto (com a nossa devida vénia)

PUT YOUR BEST FOOT FORWARD
por Anita Lynn C. Sibal
A beautiful woman is not just a woman who has a comely face and a shapely body. She must be a person whose soul glows with an inner light, who has depth in mind, and who is clean from head to foot.
You may not think much of it, but once someone takes more than a passing glance at you, most likely he or she will look at you from head to foot. So it is important for you to take care of yourself and to look immaculate from your hair down to your toes.
Speaking of feet and toes, the heat of summer may have reduced you to wearing flip-flops and open-toed shoes most of the time to make the heat bearable. More than likely, the skin and soles of your feet have hardened due to constant exposure. How ironic it is that the one way to make your feet feel comfortable in the summer heat is also a way that will make your feet dirty and unsightly!
But there are ways of keeping your feet nice, soft and pretty, without having to spend so much on foot spas and salon pedicures. It is only a matter of good grooming, of keeping your feet clean and moisturized on a day-to-day basis.
When you take a shower, rub the hardened skin of your soles, as well as the calluses of your feet, with a pumice stone. Yes, you read that right, a pumice stone. Pumice stones are more effective at exfoliating skin than those fancy foot scrubs available at the market. Just remember to wait till your feet are softened by the water before you stone it.
After you have gleefully rubbed the hard spots off your feet, follow it up with a good foot cream or moisturizer. Dry your feet thoroughly and then apply a generous amount of moisturizer on them. Do this before you go to bed and sleep with your feet encased in socks. You will have soft and smooth feet when you wake up.
Lastly, keep your toenails well-groomed. This means clipping your toenails regularly, never letting them grow too long, removing the cuticles and painting them. Nothing is more unsightly than toenails that are long, have chipped paint and are dirty-looking. If you cannot give yourself a pedicure, make it a point to visit a nail salon every two weeks or so. If you are one of those women who do not like putting nail polish on, then make it a point to buff your toenails with a nail brush.
Since we are on the subject of foot care, do not hesitate to indulge yourself in a good foot massage every now and then, maybe once or twice a month. Not only is a good foot massage very relaxing, Oriental alternative medicine has it that reflexology massage that applies pressure to certain parts of the hands and feet do wonders to your overall health.
A beautiful woman glows inside and out, and is clean and well-groomed from head to foot. Always keep your feet healthy, happy and beautiful.

Isto não é um corredor de automóveis




















À suivre...

Long distance call














É menos seguro dizer-se que não haverá futuro para os Telefon Tel Aviv, após notícias em Janeiro da morte de um dos elementos do duo norte-americano de música electrónica (Charles Cooper, 1977-2009), do que quando foi divulgado o igualmente trágico desaparecimento de Grant McLennan e consequente interrupção nos The Go-Betweens. Claro que nunca serão os mesmos Telefon Tel Aviv, e foi Joshua Eustis quem primeiro reconheceu a ligação simbiótica que existia entre ambos. A comunicação da morte de Cooper fez de Immolate Yourself disco póstumo. Mas é um registo concluído em absoluto pelo duo original, onde nada parece faltar à sumptuosidade sonora antecipada.
Por confirmar está também em mim o crescimento na relação com o disco, que futuras audições trazem e não trazem. Para já Immolate Yourself parece-me situar-se a meio caminho entre os anteriores CD's do projecto: o todo instrumental Fahrenheit Fair Enough (2001) e o quase perfeito Map of What is Effortless (2004), onde vozes surgiam a espaços e a música dos Telefon Tel Aviv se abria a camadas acrescidas de arrebatamento. Digamos para simplificar que o que os Telefon Tel Aviv vinham fazendo podia ser o resultado da evolução continuada na música dos Depeche Mode, em direcção a um maior abstracionismo onde os vários elementos vocais e instrumentais se diluem uns nos outros, e as composições são transportadas por um magma sonoro que descreve movimentos de ascensão e queda que sentimos com o peito e na própria corrente sanguínea.
Se Immolate Yourself não vier a revelar-se o mais significativo disco dos Telefon Tel Aviv, fica o título que melhor traduz a experimentação desta música.

in memoriam.

4.22.2009

Da grande borracheira


















Nada me move contra os White Stripes ou Jon Spencer Blues Explosion, mas penso que nenhum disco saído do nicho revivalista blues-rock, que tem décadas, me entusiasmou na medida de Rubber Factory, dos Black Keys. Um pouco de história. Pequena e curta. Tinha-me deslocado à Carbono e alguém sugeriu o novo disco de Dan Auerbach, Keep it Hid, a propósito da conversa tida em torno de Frank Zappa e Captain Beefheart. Como a conta já ia longa, deixei-o para comprar noutra altura, apesar de aquilo que tive ocasião de escutar ter ficado a martelar a caixa ressonante. Da metade Auerbach até aos Black Keys por inteiro (que incluem o baterista Patrick Carney) foi questão de rápida pesquisa. Rubber Factory é disco que usa a força primordial da música, que tem suficiente sofisticação (urbana) ao mesmo tempo que conserva boa dose de energia crua e dura. O resto compete ao tratamento vocal, das guitarras e da bateria, que não permite aos temas soarem descobertos em excesso, que não ostenta os rasgões da ganga além do estritamente necessário. Como se a questão fosse tratar da apresentação do pronto-a-vestir ou pronto-a-despir naquilo que estes têm de essencial: a passagem de uma corrente de tensão compacta. Energia onde cabe o que lá quisermos colocar.

Sonhos


























Um combo de sonho, e um disco de jazz que dá que sonhar (neste lugar).

Sombras











Há duas razões para ver This is England, uma das estreias da última quinta-feira. A qualidade geral das interpretações, com destaque para o muito jovem Thomas Turgoose (Shaun) e para o impressionante Stephen Graham (Combo). E também o modo como o filme faz passar o processo de crescimento do indivíduo, marcado pelos momentos em que pensa pela própria cabeça em vez da de outros. É aliás com uma situação do tipo que o filme encerra. Mesmo assim This is England não se liberta da densa sombra que sobre ele se abate e que tem origem em American History X (1998), obra cujo arco dramático é de outra pujança, (e aqui pasme-se) renegada pelo seu realizador, o britânico Tony Kaye, que nunca se recompôs por completo da façanha.

4.21.2009

Dépêchez-vous




Sugestão Mondrian?


























Respondi há dias ao questionário que entre outras coisas perguntava qual a minha capa de disco preferida? Na altura não conhecia a imagem de R dos Queens of the Stone Age, que participa da qualidade primordial do exemplo que dei (Alone at Last, Janek Schaefer), juntando-lhe a provocação em legenda: «RESTRICTED to everyone, everywhere, all the time.» A composição gráfica sugere-me o trabalho de Mondrian, em concreto a Composição com Azul (1935), facto que o professor de Belas Artes com quem comentei o assuntou logo relativizou. Não sabendo que estava a colocar em risco este post.

Mitologias





















Nick Oliveri (QOTSA) e o Gollum (LOTR).

O homem da Antártida




















Encounters at the End of the World é a escolha dos programadores do IndieLisboa 2009 para a sessão de abertura, esta quinta-feira, pelas 21h30, no cinema S. Jorge. O primeiro de vários filmes para ver do extraordinário realizador alemão, Werner Herzog, que é um dos Heróis Independentes desta edição. Irei acompanhar o festival na medida da minha disponibilidade, escrevendo sobre os títulos que for vendo. Há coisas a destacar à cabeça: primeiro que tudo Tokyo Sonata, que será exibido por duas vezes no Museu do Oriente. Claro que também as retrospectivas Herzog e Jacques Nolot, os heróis da edição. E ainda os documentáruios sobre Mike Tyson, Johnny Cash, a última longa-metragem de Christophe Honoré, e o resto que apela ao risco da descoberta. Nas próximas cerca de duas semanas, este espaço encontrar-se-á ao serviço do IndieLisboa. Parcial imersão.

4.20.2009

O tempo das cervejas



















© Joseph Szabo


Recuperado.

4.17.2009

Salvado




















MEN IMPROVE WITH THE YEARS
W. B. Yeats (1865-1939)

I am worn out with dreams;
A weather-worn, marble triton
Among the streams;
And all day long I look
Upon this lady's beauty
As though I had found in a book
A pictured beauty,
Pleased to have filled the eyes
Or the discerning ears,
Delighted to be but wise,
For men improve with the years;
And yet, and yet,
Is this my dream, or the truth?
O would that we had met
When I had my burning youth!
But I grow old among dreams,
A weather-worn, marble triton
Among the streams.

4.16.2009

There is a darkness that never goes out


Batters (not) included


















© flickr

Como querer caetanear o que há de bom


O evangelho 'Che' Guevara segundo

















Se a primeira parte do projecto de Steven Soderbergh trata de algum modo da origem do mito, no corpo revolucionário de Ernesto Guevara, o líder, a segunda metade filma um processo de ascese no qual Guevara se torna progressivamente mais 'Che', o tipo, onde cabem vários nomes, muitos ideais, e todas as suspeitas. Soderbergh regista a jornada boliviana em vinhetas curtas e elípticas que dão testemunho de um corpo em vida como se estivera já morto: tal como Guevara comunica a dada altura aos camaradas guerrilheiros ser dever do revolucionário, entregar-se à luta com disponibilidade sacrificial. Isto é reforçado pela "animalidade" da caracterização de Benicio Del Toro, hirsuto e acossado no mato, e pela fragilidade que se apodera do seu porte cansado e doente. É clara a equivalência que Soderbergh estabelece entre a figura do 'Che' e o Cristo dos evangelhos, filmando-o e aos seus seguidores com um sentido poético muito pasoliniano. Fundindo as figuras na paisagem e transmitindo a sensação de que o filme se extingue perante o nosso olhar.

4.15.2009

Um golpe de quase génio











Henri Serre, Oskar Werner e Jeanne Moreau. Ou Jules et Jim.









Rodrigo Amarante, Binki Shapiro e Fabrizio Moretti. Ou Little Joy.

4.14.2009

Lições de trompete


























Pode ser que a vida se torne um dia num longo rio tranquilo. É o que espero do tempo que ainda vem longe. É a esperança que fica dos exemplos que tomei para mim. É o que escuto nas linhas melódicas da banda-sonora de Changeling composta por Clint Eastwood. Os timbres predominantes são os do piano, tocado por Mike Lang, e os do trompete de Gabriel Johnson. Será muito mais do que apenas curiosidade o facto de Eastwood ter tido lições de trompete (provavelmente no liceu, li algures não recordo onde) e de o piano ter sido elemento permanente na casa dos Eastwood, tocado pela mãe de Clint. Ainda recentemente o realizador lamentou a sua falta de disciplina na juventude que impediu que tivesse seguido a música a sério. Clint Eastwood teria sido músico tal como o seu filho Kyle que toca contrabaixo, não sabendo nós se com o sacrifício da carreira cinematográfica que então podia não vir a proporcionar-se. Aliás a entrada de Eastwood na televisão, e depois no cinema, resulta num conjunto de acasos a que ele veio dar majestoso seguimento. Eastwood é exemplo de que a prática gera a perfeição, movida por uma persistência para a qual foi decisiva a sua entrada na realização e sobretudo na produção. Nos últimos largos anos Clint Eastwood já sabe de tudo, e a serenidade perpassa por tudo aquilo em que se envolve, o casamento com Dina Ruiz em 1996 marcando a derradeira barreira ultrapassada em direcção ao total apaziguamento. Clint Eastwood é um artista completo, facto que a excelência da partitura de Changeling corrobora. Linhas melódicas vagamente reminiscentes do Que Rest-t-til de Nous Amours de Charles Trenet (opinião pessoal) que se insinuam com o vagar dos movimentos de câmara do Eastwood cineasta. A imagem que escolhi, por mera coincidência, diz respeito à cerimónia de 2007 de atribuição dos Trumpet Awards, que ao contrário do que a designação faz supor visam distinguir personalidades que tenham contribuído na promoção de uma sociedade onde a prosperidade e a justiça não distingam género, raça ou cor de pele.

RSD09 - Questionários





















Este inquérito é uma forma de celebrarmos o Dia da Loja de Discos, assinalado a 18 de Abril e internacionalmente conhecido como Record Store Day. Cliquem no link acima para saber de que outras formas celebramos o dia e quem nos ajuda. (...)

Tema e variações


























Exactamente como eu a recordava. Belíssima.

A vida essa fantochada


















Na imagem Asia Argento beija o seu Rotweiller, no palco do "paraíso".

É óbvio que o Paraíso é onde Abel Ferrara nos coloca. O Ray Ruby’s Paradise é um clube de “strip” perdido no tempo – o aspecto do lugar remete para a década de 70 – habitado por maior número de belas mulheres do que o que existe no Éden que vendem aos fanáticos. As dançarinas são todas lindas, todas novas, todas esguias, todas com maminhas que não passam da concha da nossa mão.
Mas até no Paraíso a verosimilhança não tem elasticidade ilimitada. E é por isso que apesar de Go Go Tales nos deixar boquiabertos durante a primeira hora – e a salivar com a câmara de Ferrara à deriva por entre todas aquelas curvas –, a dado momento o filme tomba no precipício do disparate. A gente até dá de barato a história mal montada do esquema da lotaria e do bilhete extraviado, mas quando o jovem médico protegido de um dos principias clientes do Ruby’s descobre que a mulher trabalha como “stripper” (até porque falta ali contexto com a espessura do Som de Cristal interpretado por Marante, com base na versão de Reginaldo Rossi), ou quando o cabaret se esvazia para dar lugar às audições do seu elenco de meninas, porteiros e patronos, não sabemos nem para quem, nem com que intuito (e não dá para levar a coisa no gozo porque Ferrara filma o ridículo com ternura), entramos em territórios de incontornável gratuitidade que na minha opinião vem sabotar a dimensão humana, ainda que teatralizada, das cenas anteriores.
Go Go Tales é uma revisitação competente, em carne e em espírito, de A Morte de um Apostador Chinês, de John Cassavetes (e um grande Cassavetes!). A cópia aguenta-se até à entrada naquele registo “who cares?” que terá satisfazido os caprichos do realizador, mas cuja inverosimilhança pode largar o espectador numa perda irreparável: uma vez ultrapassada a linha que separa o espectáculo da fantochada.

4.13.2009

Ri-te ri-te




















A pequena tragédia do melómano ridículo é evitar o disco do grupo que venera com base em impressões longínquas deixadas por um grande êxito (para o caso, Anna Júlia). Penso ter escrito em espaços diversos sobre todos os álbuns dos Los Hermanos, banda brasileira de um rock que dissimula a sofisticação dos maiores melodistas e harmonizadores da extraordinária música do país. Faltava o trabalho inaugural, cruamente intitulado Los Hermanos. E que disco espantoso que é! Naquele tempo a preponderância das composições de Marcelo Camelo sobre as de Rodrigo Amarante saltava à vista, mas a fúria do segundo equilibrava a parada neste alinhamento de pouco mais de uma dúzia de temas de um ska imparável, que trata dos múltiplos rostos da dor de corno. Los Hermanos é como o doloroso parto de um conjunto de estupendos barbudos que passavam a residir na idade adulta, distendida mais tarde por três outros brilhantes álbuns de originais.

Soares Franco é o meu presidente















Filipe Soares Franco parece dar-se mal com adeptos facciosos. À cegueira da paixão contrapõe a frieza dos números que a médio prazo ditarão quem sobreviverá no quadro presente e realista do planeta futebol. Aquilo que é tendência na história deste desporto em Portugal tanto pode vir a acentuar-se como a esbater-se. Isto é, não se sabe qual o número de clubes que sobreviverão à presente conjuntura, e os outros que implodirão fruto dos passivos e das consequências da falta de pagamento, nomeada e mediaticamente aos jogadores.
O debate a que assistimos ontem colocou frente-a-frente um homem bem preparado, lúcido e com objectivos definidos, e um outro homem, António Dias da Cunha, que já foi presidente do meu clube, que se mostrou francamente titubeante nas acusações que fez e que não soube secundar em nenhuma altura com a clareza das contas. Dias da Cunha personificou a paixão sem razão, a mesma que criou o "buraco" em discussão, que Filipe Soares Franco se propõe (e que já está a) tapar até que o fosso não ascenda além dos 100 milhões de euros, valor mínimo para que o clube consiga ser competitivo no futebol (que, não sejamos hipócritas, é o que mais interessa à generalidade dos sócios), sem se manter refém de juros bancários que o Sporting não conseguirá suportar.
Filipe Soares Franco foi sempre o meu presidente, e pouco me importam os golpes de teatro da sua eventual recandidatura. Eu quero que o Sporting seja gerido por quem perceba do assunto, por quem não se deixe levar por paixões clubistas que se esgotam em animosidades de fim-de-semana. Eu quero que que a próxima Assembleia Geral contribua para que as decisões fulcrais ao futuro do Sporting, sobretudo no futebol, não dependam de um imponderável número de associados, mas sim do conjunto de personalidades eleitas (e desejo que idóneas) que agilizem o que tiver de ser feito para que o nosso clube seja uma instituição séria, moderna e vencedora. E se tivermos que copiar o Futebol Clube do Porto nalgum aspecto da sua gestão e planeamento, não há que ter vergonha. Os modelos que triunfam é para isso que servem. Para serem reproduzidos e se possível melhorados. Viva o Sporting. Sempre!

4.12.2009

Águia vitória


























A River Ain't Too Much to Love, Woke on a Whaleheart e agora Sometimes I Wish We Were an Eagle. Os três últimos discos de Bill Callahan (o primeiro dos quais assinando ainda Smog) receberam títulos que podiam designar traduções de António Lobo Antunes em língua inglesa. Os pontos em comum terminam aí, taxativamente, já que Callahan vem tornando-se uma criatura de luz que mesmo quando enumera demónios nas suas letras, logo os apazigua com a música. Sometimes I Wish... tem pouco da claustrofobia instrumental de marca Smog, e volta a abrir-se, tal como o disco que o antecedeu, às cores exóticas produzidas pela pequena orquestra que o ornamenta, como na terceira faixa, The Wind and the Dove (título que pode ser uma alusão mesmo que inconsciente a Henry James). A partir deste momento pode dizer-se que Callahan assume inteiramente a encarnação musical da sua maturidade, mais afastado da pop saturada de matriz velvetiana, e liberto nos espaços amplos de um Jimmy Webb ensimesmado. A leveza que vamos descobrindo em Sometimes I Wish... é a de alguém que parou de se olhar das profundezas para cima, e passou a observar-se do alto, em plano aberto e voo rasante. Bill Callahan tornou-se uma ave de rapina que não vem comer à nossa mão.

4.09.2009

O inferno somos nós
















Não haverá muitos filmes sobre os quais seja tão difícil estabelecer uma apreciação objectiva como para Irreversível (2002), de Gaspar Noé. Da primeira vez saí a meio por compaixão. A escopofilia em mim pediu um segundo visionamento. Liberto de pressões exógenas rejeitei o filme pela crueza gratuita, pela crueldade exibicionista. Mas há sempre uma terceira volta para os demónios que persistem, e os de Irreversível (imagem superior) voltaram a atacar esta semana. Ouve-se uma frase, de início da boca do personagem que transita da longa-metragem anterior de Noé (Seul Contre Tous), e que diz: “O tempo destrói tudo.” Frase impressa no final, em fundo negro como sentença. Só que não é o tempo que tudo destrói, mas as pessoas que o fazem por ele. É isso que o filme da Gaspar Noé ilustra de forma brutal e... irreversível. O tempo apenas se mostra impotente para reparar as consequências dos sórdidos actos humanos. E o facto de a estrutura de Irreversível alinhar as acções do fim para o início mostra categoricamente essa impossibilidade. Ao espectador resta a tarefa de apanhar os indícios do que veio depois e que ele viu antes. Traços de imaturidade, de laxismo, de auto-complacência que abrem caminho à imparável tragédia. O filme de Gaspar Noé enumera o princípio do fim nos pequenos cacos, na mesquinhez de cada um, que não deixam de implicar consequências. É um filme cheio de si que fala do nosso tempo. É tão narcísico quanto os seus personagens, que gritam e que agem do alto do seu culto de personalidade. Numa voragem de que o filme se apropriará para a arrastar fundo adentro pela espiral do pesadelo. Dependendo do estado de espírito em que nos encontremos, Irreversível tanto pode ser o inferno cuja existência recusamos, como um suplício que necessitamos de atravessar. O filme de Noé queima na medida daquilo que trazemos dentro.
Mas Irreversível não se esgota em si mesmo. Um ângulo não menos interessante leva-nos a observá-lo enquanto resposta à derradeira obra de Stanley Kubrick, Eyes Wide Shut (1999), que no conjunto o realizador Gaspar Noé celebra confessadamente, dentro e fora da tela. Se bem se recordam há um cartaz de 2001, Odisseia no Espaço, na casa onde vive o casal protagonista: Marcus (Vincent Cassel) e Alex (Monica Bellucci). A própria estratégia de marketing de Irreversível assentou a potenciação dos apelidos Cassel, Bellucci, Noé, tal como Kubrick havia feita com relação a Cruise e Kidman e ele próprio. E é igualmente o pesadelo que regressa, com contornos mais viscerais e primários do que em Eyes Wide Shut (imagem inferior), embora idêntica questão central nos acompanhe ao longo de ambos os filmes. A ameaça real (e irreversível) que paira sobre qualquer par, é do interior deste que surge. Aquilo que contribui para a implosão da relação alimenta-se dos fantasmas trazidos pelos elementos que a constituem. O outro passa a ser menos aquilo que é de verdade, e antes aquilo que resulta da nossa ilusão delirante e convencida exponenciada pela projecção que os outros dão de si mesmos. É o reinado da imagem no mundo material, da performance, da comparação, da padronização do indivíduo pela comunicação de massas que cria expectativas que são desde logo virtuais à partida. E quando cuidamos excessivamente de nós, descuramos aqueles que estão em redor. O Dr. Harford de Tom Cruise no filme de Kubrick não anda menos iludido com a sua intimidade do que o Marcus (Cassell) na obra de Noé. Nos seus modos diferentes embora aproximáveis, trata-se de dois filmes profundamente moralistas e conservadores que expõem as fragilidades do mundo contemporâneo marcado pela possibilidade de escolha ilimitada (de tudo comprar, de possuir tudo) e pela constante perseguição da gratificação do indivíduo pelo indivíduo.
De forma diferente, mais racional no caso de Kubrick, mais física no exemplo de Noé, estamos face a dois títulos cujo propósito último parece ser o castigo da pulsão lúbrica imatura que nos faz carregar um sofrimento vão e ilusório. São filmes que expõem o mundo dos prazeres artificiais, onde até experiências tão vazias de verdadeira ressonância humana como os sonhos, são insufladas de angústia pelo egocentrismo dos seus protagonistas, ganhando relevo desproporcionado e consequências trágicas. Mundo no qual a mulher não se reconhece conscientemente na função de troféu, onde noutras ocasiões se deixa aprisionar (ainda que em sonhos).

4.08.2009

Sometimes I wish we were an eagle


















foto: Sérgio Aires

Um 'What's Going On' em branco (e verde)





















Devia de imediato ter desconfiado daquilo a que Nick Cave se referia quando elogiava este álbum de Van Morrison, tónico espiritual sempre à mão do bardo já menos gótico australiano. Van "the Man" é dos músicos que melhores discos fez para submergirmos com a pessoa por quem estamos apaixonados, e soltar o resto para tratar do resto. Importa não pensar se aquela com quem estamos merece tamanha atenção, é deixar que a situação tome conta dos pormenores e viver o filme por nós protagonizado. As canções de Veedon Fleece apelam ao lado mais espiritual e coloroso do homem, e nada como a mulher do lado para dar total expressão a esse desiderato. Amem-se uns aos outros, mas no melhor estilo: o das manhãs de Veedon Fleece, que cantam melhor do que outras.

4.07.2009

Encantador de serpentes





















Não exageraria ao dizer que esta nova gravação de Jon Hassell para a ECM - 25 anos após o Power Spot onde colaboraram músicos como Brian Eno e Michael Brook, que até hoje cimentaram o seu relevo na história da música instrumental contemplativa contemporânea - era das edições discográficas de 2009 que eu mais aguardava. Quando assim é o risco de vermos goradas as expectativas pode sair toldado mesmo por estas. Só que o fascínio da música de Hassell volta a impor-se com a propriedade das suas principais gravações. Last Night the Moon Came Dropping It's Clothes in the Street resulta naquelas raras sessões que fazem a súmula de um trajecto de vida e de criação, onde os elementos se harmonizam misteriosamente. As composições de Hassell dão espaço à intervenção de todo um conjunto de músicos de gerações posteriores à sua (denominado Maarifa Street), que com ele parecem ter tocado desde sempre. Os sons surjem com o desprendimento de um lento transe colectivo, acrescentando ou retirando camadas sonoras que descrevem figuras que se assemelham ao fumo do incenso a serpentear pelas divisões de um espaço anónimo. É música que desafia a materialidade dos próprios elementos que a constituem. Sabemo-los lá, fruindo embora a ilusão da sua real existência e as utópicas coordenadas da sua origem. Essencial.

4.03.2009

Linhas da decência

A decência é um dos maiores desafios para uma pessoa. Uma espécie de condição mínima necessária para a humanidade, que pode, singularmente, acabar por ser também o seu horizonte supremo.


Sou sensível a estas breves linhas do Alexandre Andrade, e penso mesmo que podem dar a justa medida de um heroísmo realista nos dias que correm. Por outro lado, a referência aquela canção em particular de Enzo Enzo recorda o disco que tenho há não tanto tempo quanto isso e um filme que já me parece ter sido visto há uma eternidade, mas cuja música (de Enzo Enzo, dançada em largas passadas pela encantadora Nathalie Richard) não esqueci.

Eis o disco:



















Eis o filme:






















Eis-me a mim.

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