7.31.2006

A Estação



É um Independente Americano sem peneiras de autor que trata daquilo que fazemos de diferente (leia-se "de incompreensível") para que nos deixem sozinhos e daquilo que de diferente fazemos (leia-se "de compreensível") para deixarmos de o estar. Low-profile, aparentemente banal e discretamente universal. Boa descoberta (e muito económica) que preencheu parte da dose de humanismo diária recomendável.

Finais felizes de todos os dias



Para descrever o universo contemporâneo de relações familiares, afectivas e circunstanciais virado de avesso, Don Roos (também autor do argumento) responde com um filme cheio de dobras e comentários (e cinismo, e egoismo e amoralidade...) que é tão devedor dos enormes sentido de observação e excentricidade da melhor ficção televisiva actual como de títulos do cinema de fresca memória que são Os Americanos de Altman (via Carver) e Felicidade de Todd Solondz. A América (o mundo!) segue disfuncional mas recomenda-se. Este Happy Endings - referência às sessões de massagem que terminam no orgasmo da(o) massajada(o) - é, a par de A Lula e a Baleia, o melhor filme "novo" estreado recentemente.

7.28.2006

O grupo









Vê-se nos bons e nos maus momentos: que os primeiros sejam muitos e os segundos quase nenhuns.

7.25.2006

Bronze


















Ou para mim, tal como o devia ser para si e para todos o artista cada vez mais anteriormente conhecido por Prince. A melhor soul (alguém mencionou o jazz?) continua a ser aquela que põe a descoberto modelos de referência. Não se trata de cópia - que exige matéria - quando se trata de espírito.

7.20.2006

Meteorologia












But you're still in my mind
You're still in my mind
And here's where the sound
Of my tears hits the ground
Just like the rain

Richard Hawley, Just like the rain (Coles Corner, 2005)

7.19.2006

Mercury Prize





















A campanha pela premiação justa e adulta começa aqui. E dispensa o conhecimento de grande parte da concorrência.

[na imagem, The legendary Hawley man]

Afinal














Estou a caminho de vir a gostar muito deste disco. E dar razão a mr. Hannon (a mr. Lisboa e a mr. Mendes da Silva) é a coisa mais simples do mundo. Em matéria de artes é ponto assente: a razão está do lado de quem gosta mais. A vida quer-se simples e o não gostar complica muito as coisas. Embora por vezes seja incontornável.

7.17.2006

Ao final














"Idealista e um tanto ingénuo, Nate é aquele tipo de pessoa que ainda acredita que a felicidade vem de alguém ou algo fora dele." (Nuno Carvalho in DN 6ª, 14 Jul. 06)

Sete Palmos de Terra terminou na semana passada com a morte de todos os principais. Final original e compassivo. De efeito prolongado. Se voltarmos a ver a série do início como será?

7.13.2006

Na linha da vida












Não quero escrever aqui nada que não tenha já dito do meu irmão a ele próprio. Ainda não falámos sobre este disco: o primeiro que ouvi depois de uma semana em que não me apeteceu ouvir música nenhuma. Seria o presente perfeito para o seu aniversário, mas aquilo que lhe dei dias antes era também especial. Falo do meu irmão porque é professor de guitarra e integra um agrupamento constituído exclusivamente por guitarras clássicas. A primeira metade de Time Line (ECM) mostra novas composições de Ralph Towner que são partituras de uma classe aparte para o repertório do instrumento. Depois vêm temas mais híbridos - e canções agora sem palavras como Come Rain Or Come Shine e My Man's Gone Now - que trazem outras guitarras, de 12 cordas, do músico norte-americano. O meu irmão ensinou-me que a guitarra clássica é o tipo de instrumento, tal como o piano, cuja beleza tímbrica dispensa acompanhamento. Talvez por isso tenha sido ele a primeira pessoa em quem pensei quando ouvi este disco. Temos que falar dele e de outras coisas. Eu e o meu irmão.

A crónica que refresca

«Não sei exactamente qual é o estado da Nação. Creio que não se recomenda, porque nunca se recomenda. Sei que teremos mais dois anos e meio, talvez seis e meio, disto. De socialismo sem cafeína, com um tecnocrata colérico mas reservado. De bloquismo bloqueado, entre o desengravatamento e o aburguesamento. De comunismo igual a sempre, barroco na linguagem maniqueísta a descambar para António Aleixo. De uma direita que não esconde algum contentamento por ver a esquerda fazer o seu trabalho sujo, enquanto se mantém aninhada entre o apagamento de Mendes e as Equipas de Nossa Senhora de Ribeiro e Castro. Não sei exactamente qual é o estado da Nação. Mas creio que não se recomenda.»

Pedro Mexia e A sauna da democracia. Clique sobre a citação para ler na íntegra.

7.11.2006

Poema












Luminoso segundo e recente disco de Susanne Abbuehl: Compass (ECM). De novo na intersecção imaginária dos universos de Annette Peacock, Jeanne Lee e June Tabor. As composições e o canto de Abbuehl reduzidos à mais essencial expressão, com recurso continuado ao Chamber Music de James Joyce - livrinho de poemas para canções que foi a sua primeira obra publicada e que se pressente luminoso e delicado, tal como agora este disco. Voz, piano, clarinete baixo, pouco mais. Compassos evanescentes.

7.07.2006

Tudo





















Uma imagem para a esperança não carece de mais explicações. Também não se pode dizer tudo.

Homem/ Boneco












Entre a antropomorfização do trabalho de Antony Gormley e a absoluta flexibilidade do corpo do bailarino Sidi Larbi Cherkaoui, a distinção entre animado e inanimado torna-se transitória e por vezes irrelevante. O "grau zero" talvez seja isso. Uma forma que existe no princípio de tudo. Antes que a diferença se produza pelo indivíduo.
Talvez que a coreografia Zero Degrees remeta para aquilo que a visibilidade de um corpo pode transmitir da invisibilidade da identidade que o anima. Ou da memória do que todos fomos antes de existirmos: matéria sem vida. Como os alvos imperturbados do filme de Nick Ray que não sei bem por quê veio por arrasto. Em todo o caso, assuntos mais interessantes pela especulação que suscitam do que pelas conclusões que permanecerão num limbo. Próximo talvez do tal "grau zero".

7.06.2006

Casa de Cacela














Um blogue para descansar a vista e experimentar uma certa reconciliação. Por exemplo, nestas palavras:

Regresso

O lento amanhecer de uma tarde de junho
pode trazer essas feridas antigas,
a ilusão do regresso à partilha das águas,
ao fogo que
nenhuma distância arrefece.
Quem não merece
o amor?

Allez le bleu!





















Se Zidane se despedir do futebol com o título de campeão mundial será a mais justa homenagem que este jogador extraordinário podia receber. Pela parte que me toca, ficarei feliz.

Quanto a Portugal, mostrámos uma grande selecção, um enorme empenho, mas a França soube explorar o nosso único ponto fraco: o ataque (se bem que ontem a fadiga e a desinspiração fossem visíveis em Deco e Figo). Ficou a ideia de que o jogo podia recomeçar e ter outros 90 minutos que Portugal não lhes marcaria um golo: e por um golo se mata, como por um golo se morre.

7.05.2006

O que ele viu em Sarajevo
















A imagem pertence ao documentário Diários da Bósnia, de Joaquim Sapinho, que antestreou ontem pela segunda vez em Lisboa: depois do Doc, na Cinemateca. Sapinho filmou em 1996 e 1998 numa situação de pós-conflito dos balcãs e mais tarde ainda: no pós-pós-conflito. A atitude parece ser a de "fazer pela vida" num cenário desértico mas cheio de sinais da morte e do sofrimento a que aquelas pessoas foram sujeitas. O resultado é plasticamente conseguido, constituído por enquadramentos rigorosos que respeitam a integridade dos indivíduos sem sacrificar o simbolismo presente nos espaços e nos rituais de um povo - sérvios e muçulmanos bósnios - que gradualmente reaprende a viver a paz com a guerra ainda muito presente. Mas Diários da Bósnia não esconde também as atribulações da sua produção, e isto reflecte-se em problemas de estrutura que ocasionalmente se acentuam. Desde a voz off do realizador que reforça o propósito diarístico mas que nos larga por períodos longos demais sem razão de força, até à narrativa que a mesma configura e que acaba por ser demasiado neutra no trânsito que faz do presente (98) para o passado (96) e vice-versa. Diários da Bósnia é objecto debruçado sobre um espaço ainda bastante fechado que à semelhança deste dificilmente comunica. Que não consegue fazer integrar o arco da experiência do seu testemunho. Tem instantes, sequências, talvez o possível. Suficientes no entanto para que seja de visão recomendável. Estreia na próxima semana.

7.03.2006

Dor de pensar


















Dando voltas que parecem não ter fim dentro de um único pensamento. Longe, muito longe. Recusando-se a descer de onde outros não podem alcançá-lo. Sinto compaixão pelo pensador de Rodin.

Fotografia digital de Ben Brierley.

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