4.27.2007

Modelo(s)



















Disco chegado em 2003, depois do trip hop, depois de experimentações várias com a canção de formato pop electrónico, que arrisca a síntese do tempo que se estende do Impressionismo (Ravel, Debussy) até ao wall "paper" of sound contemporâneo. Notáveis contenção e despojamento: tanto que há a aprender, por tanta gente, com o bom gosto dos arranjos para cordas e/ou sopros de Hector Zazou. Só para início de conversa. A música de Strong Currents é frágil.


Na faixa# 6 quem canta não é Björk mas Nina Hynes (a sério!)

4.26.2007

Shakespeare aos tiros no Inferno
















Jellon LambOh, he sits up there in those melancholy hills; some say he sleeps in caves like a beast, slumbers deep like the Kraken. The Blacks say that he is a spirit. The Troopers will never catch him. Common force is meaningless, Mr. Murphy, as he squats up there on his impregnable perch. So I wait, Mr. Murphy. I wait.

As palavras são de Nick Cave, mas na boca de John Hurt (Jellon Lamb, caçador de prémios) dissolvem-se em impuro Shakespeare. Ouvem-se e vêem-se no estupendo western, The Proposition, que tem lugar entre os céus e o Inferno australiano de finais do século XIX, filmado por John Hillcoat a partir de um argumento original de Nick Cave (os dois voltaram a reunir-se no projecto Death of a Ladies Man com data de produção prevista para 2009). A paisagem parece a de um cenário pós-apocalíptico onde não se imagina que o homem possa sobreviver. Um espaço de morte, deserto, calor demencial, pontuado pelo enlouquecedor ruído das moscas que estão por todo o lado. Um país em processo de colonização que os ingleses querem civilizar mesmo que à força. Uma terra selvagem de onde sairão todos a perder - sete palmos abaixo da terra ou à mercê do batimento das poeiras e do apetite dos predadores - e onde a diferença entre ser-se bruto ou sofisticado passa exclusivamente pela percepção de que a morte virá já a seguir e de modo sangrento. The Proposition figura uma espécie de mundo original olhado por um misantropo (Cave, também autor da minimal e desengonçada óptima banda-sonora). Filmado por outro misantropo (Hillcoat). Não é possível evitar odiar a humanidade representada no filme. Gente que sobrevive pela manifestação dos instintos que aproximam homens e animais – seres de espécie idêntica, diria Darwin (citado no filme), separados por um degrau de evolução que pode ser descido a qualquer momento. A acção tem lugar dias antes do Natal, ocasião apropriada para marcar o desfecho com a cor vermelha do Juízo Final. E notável é também o modo como Hillcoat e os actores do filme – Guy Pearce, Emily Watson, Danny Huston, Ray Winstone, além de John Hurt e restante elenco – nos deixam perceber a sua condição de condenados à partida. Como se ninguém além dos indígenas e dos animais pudesse sobreviver ao cenário que rejeita com indiferença o homem branco. O homem estranho que com propósito civilizacional irá inscrever um historial de violência na terra australiana: que o despreza e que o obrigará a pagar caro preço por se deixar transformar. The Proposition é a versão épica e cruel dessa impossibilidade original. A Austrália que hoje conhecemos representa apenas a ponta do deserto primitivo em volta, interior. Trata-se do continente onde é ainda possível experimentar o pioneirismo de outros tempos. The Proposition é por isso perfeitamente actual, sendo simultaneamente shakespeareano na sua dimensão trágica e íntima, e bíblico na apropriação do grande gesto terminal e castigador. Pessimista. Fabuloso.

Thanks, mate.

4.24.2007

Frisco jukebox




TU

XE

DO

MOON


Para os que gostam de bandas-sonoras reais que são imaginárias e bandas-sonoras imaginárias que são reais. Coisas diferentes, na origem. Em escuta aleatória: You, Ship of Fools e Bardo Hotel Soundtrack.

INDIELISBOA (dia quinto)












Fui em busca de reconciliação com a filmografia de Shinji Aoyama. Teimosia parcialmente, e só parcialmente, recompensada. Shady Grove (traduz-se por "alameda sombria") é a metáfora encontrada para abordar as dificuldades de entrada na idade adulta, onde a independência económica vem cada vez menos acompanhada de maturidade emocional. Os jovens yuppies de Tóquio não sabem o que sentem e interpretam de forma deturpada o que os outros sentem. Aoyama é terno a filmar o desamparo dos protagonistas. O romantismo é ingénuo e apoia-se na pop japonesa e nos livros de auto-ajuda. Perdidos entre aquilo que os mais velhos esperam deles e o que não sabem que querem para si, os dois rapazes e a rapariga de Shady Grove são mais universais que o próprio filme: onde Shinji Aoyama resolveu dar conta das pequenas tragédias amorosas de uma juventude ridícula. Suspensa entre um cenário urbano anónimo e a idealização da paisagem rural onde existirá, segundo todos, uma qualquer harmonia redentora. O resultado é interessante, embora distante ainda da maturidade plástica, narrativa e idiossincrática dos títulos mais recentes do japonês. (2 estrelas)

dall'Abaco divino











Entusiastas da clássica e não só, tinham até hoje nas suites de violoncelo de Bach uma espécie de pináculo para o instrumento com deserto em volta. Não é mais assim. Os 11 caprichos do belga Joseph dall'Abaco (1710-1805) tocam tal qual Bach a esfera do sublime. E a interpretação da senhora der Goltz impressiona até o mais impreparado par de ouvidos. Essencial, pois a festa da música faz-se melhor em casa.


Procurem-no na VGM (Picoas) ou nas Fnac.

4.23.2007

INDIELISBOA (dia quarto)














Diz Laurent Achard em nota de intenções que convém ler antes da sessão e tomar à letra: "Retirei tudo o que tivesse a ver com sociologia ou psicologia. Os jornalistas são obcecados por estes temas, mas o que mais interessa é a forma, o estilo. (...) Filmar os próprios actos não tem interesse. Uma pessoa tem que saber usar a imaginação." Poderia ser eu que estava pouco imaginativo, mas Le Dernier Des Fous pareceu-me apenas um objecto militantemente claustrofóbico com final sangrento, bastante devedor do cinema de Michael Haneke ou de Bruno Dumont. Posso dizer que o topei e que o ignorei, assim mesmo. Sei no entanto que este tipo de dramaturgia de temperatura polar resulta frequentemente em prémios nos festivais de cinema que se queiram afirmar (e confirmar). Serão todos muito irreverentes, determinados e niilistas, sufocando qualquer emoção pela aposta num cinema irrespirável. Quando vejo um filme destes, apetece-me logo mudar de ares: passar a um Pialat ou coisa assim, que sendo irremediavelmente pessimista sempre projecta sangue mamífero a 24 imagens por segundo. Repete quarta-feira, 26 de Abril, às 16h, nos King. (1 estrela)

4.22.2007

INDIELISBOA (dia terceiro)














O que vou escrever vai soar reaccionário e é mesmo. Ultimamente ando com pouca disponibilidade para o formalismo exibido por grande parte do cinema de autor. Originais são aqueles que apagam as referências que de caminho deixam para trás. Ou que as integraram de modo a tornarem-nas invisíveis. Mas o que é mais comum é ver-se por aí demasiado gato escondido com o rabo de fora. Vem isto a propósito da primeira desilusão com origem na programação do Indie - nalguma sessão teria de acontecer... Wild Life, de Shinji Aoyama, é um daqueles divertimentos falsamente despretensiosos que à boa maneira da nouvelle vague distrai-se em malabarismos fragmentários que visam dificultar o entendimento da intriga, ainda que paródica, e que brinca às citações sem motivação aparente e ao cabotinismo até à exasperação. Aoyama experimenta com o baralhar dos planos temporais, só que tanta cambalhota vai rapidamente na direcção da irrelevância. Já vimos gangsters mais carismáticos e sedutores em Godard e Kitano, para ficar por referências que suspeito serem as de Wild Life. E até o nosso Rogério Ceitil já terá acertado em paródia com outra graça nos episódios de Duarte e Cia., triunfal absurdo lusitano. Wild Life, pelo contrário, pareceu-me um capricho sem sentir e sem sentido. Pobrezinho. Shinji, Shinji, porque me abandonaste? (1 estrela)

Ave rara



















Rufus por fora, Buckley por dentro. Se pudéssemos reduzi-lo a isto, não seria disco de excepção. Nada óbvio. Apontem bem mais para cima.

4.21.2007

INDIELISBOA (dia segundo)













Destricted resulta de encomenda de uma plataforma de gente ligada ao mundo das artes, que resolveu desafiar artistas e cineastas a apresentarem a sua visão do sexo e da pornografia num conjunto de curtas-metragens reunidas em programa de cerca de duas horas. Foram sete os convidados: 5 homens (Richard Prince, Larry Clark, Matthew Barney, Marco Brambilla, Garpar Noé) e duas mulheres (Sam Taylor-Wood, Marina Abramovic). Gente ligada, ora ao cinema, ora às artes, em zona de fronteira que interessava à entidade que comissariou a proposta. Falemos dos resultados. A dominante masculina talvez tenha decidido a orientação literalmente masturbatória da maioria das curtas. O sexo é gráfico e explícito, embora com aquela décalage formal que supostamente o ilibará de se tornar mero exercício gratuito. Gostei dos filmes de Barney e de Larry Clark: o primeiro, Hoist, apresentando uma instalação parte homem parte máquina, onde tanto se lubrificam o pénis quanto a avantajada turbina, proposta coerente com os objectos da série Cremaster, embora com a vantagem da sua mais curta duração; o segundo, Impaled (na imagem), resultando do registo do casting onde Clark propõe a um conjunto de rapazes que fale das suas fantasias sexuais para que depois um apenas seja escolhido e convidado a realizá-las com uma actriz porno. Clark foi o único dos participantes a filmar as coisas como elas são: a pornografia em toda a sua crueza e proeza - o rapaz escolhido não deixa ficar mal o realizador e as actrizes são uma simpatia. De resto, só metáforas pesadas, humor involuntário e formalismo enjoativo (como na curta de Noé, ainda sob o efeito strob de Irreversível). Destricted mostra como a figuração da genitália e dos actos sexuais é das coisas verdadeiramente delicadas de transformar em arte. Quando a coisa funciona a gente excita-se e quando a gente não se excita é porque a coisa não funciona. Dou por ejaculado! Repete sábado, dia 28, às 22h15, no mesmo Fórum Lisboa. (2 estrelas)

4.20.2007

INDIELISBOA (dia primeiro)

















Disse-me um amigo que já leu Lacrimae Rerum, que o documentário The Pervert’s Guide to Cinema, conduzido em colaboração com a realizadora Sophie Fiennes, pelo mesmo Slavoj Žižek – filósofo, psicanalista e cinéfilo (não necessariamente por esta ordem) –, anda à volta dos mesmos cineastas e conceitos. Os exemplos vêm de Chaplin (The Great Dictator, City Lights), Bergman (Persona), Hitchcock (muito The Birds, muito Vertigo bendito seja!) Lynch (Blue Velvet, Wild at Heart, Lost Highway, Mulholland Drive), Kieslowski (Trois Couleurs: Bleu), The Matrix, Alien(s), Star Wars, entre outros, ao longo de inebriante montanha-russa (ou, para ser mais correcto, montanha-eslovena) conceptual que dura cerca de 160 minutos, distribuídos por três partes, que arrisco resumir através de uma das frases felizes que Godard roubou ao próximo – e apesar deste ser nome omisso na reflexão de Žižek. Dizia então Jean-Luc, pela boca de André Bazin, que “le cinéma substitue à notre regard un monde qui s’accorde à nos désirs.” Qualquer coisa como, o cinema apresenta-nos um mundo alternativo que corresponde aos nossos desejos. Uma “zona”, agora já por sugestão zizekiana (e influência tarkovskiana), que na vida quotidiana nunca atravessamos a não ser na direcção do ecrã bigger than life da sala de cinema. O cinema como amante para a vida inteira, da qual não ocultamos as mais profundas fantasias do nosso inconsciente (o Id ou a libido a que Slavoj Žižek tanto se refere). Entenda-se que a frase de Bazin/ Godard, se sintetiza o programa de The Pervert’s Guide to Cinema, nem por sombras o diminui. Valoriza ambos. Valoriza também o IndieLisboa que dificilmente poderia ter arrancado de modo mais auspicioso. Repete terça-feira 24, no Londres, às 15h45. (4 estrelas)

4.19.2007

O INDIE começa hoje



















Aqui entre nós, é o melhor festival de cinema organizado em Portugal. Da edição deste ano destaco para já apenas o que "conheço": o cinema do rapaz aqui na foto, Shinji Aoyama (Japão). Conheço dois filmes, procurarei ver do resto tudo o que puder. Assim como tentarei ver o maior número de filmes possível, na medida do possível. Darei conta das minhas investidas pelo Indie, assinalando o dia e deixando notas altamente subjectivas sobre os objectos descobertos. O IndieLisboa é sobretudo um festival para se ir à descoberta. Apareçam por lá; e por cá também.

4.18.2007

Eno: origens, concentração, sono

















The long rhythmic cycles and leisurely development within performances of Indonesian music allowed listeners to vary their concentration; intense focus, even a literal entrancement, could be alternated with peripheral listening, eating, drinking or, ultimately, sleep. The ambient music of Brian Eno has some origins in these ideas, since he was influenced by the music and ideas of the American minimalists. In their turn, they were influenced by the musical events of India, Bali, Java, Morocco and many other parts of the world, events wich might run all night and allow for a less sharply focused style of listening.

[David Toop, Ocean of Sound, págs. 15 e 16]

Another green world


Casos há em que original masters quer dizer também e "à letra", mestres originais: mestres da originalidade. Este é um deles.

Nota técnica: original masters indica que a cópia foi feita a partir da fita magnética onde ficou registada a gravação original.

4.17.2007

Crushed

LINKouS

Da constelação de referências - Mercury Rev, Flaming Lips, Eels, Will Oldham (para não mencionar os antiguinhos e, de facto, seminais, "fab four") - que invariavelmente paira sobre a música dos Sparklehorse de Mark Linkous, nenhuma sobressai com a intensidade dos Grandaddy, no ainda recente Dreamt For Light Years in the Belly of a Mountain. Facto que seria mais significativo caso não fossem notórias as afinidades sonoras entre os diferentes nomes. Conclusão: o disco dos Sparklehorse é bom mas menos wonderful que o anterior (já outros o disseram). A escuta continua...

4.14.2007

Vozes maiores



Juro por Deus! Há alturas em que me julgo a pessoa com melhor gosto musical do mundo. Ou isso, ou então o tipo mais afortunado no momento de entrar numa loja de discos. É que não acredito que alguém, neste dia, em lado algum, tenha trazido para casa meia dúzia de CD's tão fantásticos quanto os que eu trouxe. E os meus vieram parcialmente por troca, uma vez que tinha levado para a Carbono coisas que não interessavam mais. Foi assim que depois de meia-hora curvado a vasculhar de A a Z, expositor após expositor, pedi para ouvir os discos que, quase todos, vieram a aterrar no saco. Não escutei um deles - ó epifania das epifanias! - por tratar-se do CD novo de June Tabor, Apples, que não sabia sequer que existia: a leitura do Ípsilon fica normalmente reservada para o lazer de domingo. Tabor é a maior de todos e de todas. Sempre foi e continua a sê-lo com aquela cada vez mais rara evidência. Sobre Apples (e o cabelo dela, todo branco, documentado nas fotografias do livrete) nem vou dizer mais nada porque as palavras são pobres de sentido quando se trata de June: Dame June, para mim. Tenho todos os seus discos. Todos assinados. Todos menos este, agora.
Depois, já instalado em casa escutei outro CD que é do firmamento dos Clássicos instantâneos. E tanto que os Incognito, de Jean-Paul "Bluey", tiveram que gravar para finalmente tocarem o infinito! Munindo-se de standards da soul e de canções que vêm de anteriores registos do projecto, Bees + Things + Flowers é o mais bem sucedido exercício de reciclagem que ouvi este ano. Arranjos no ponto (equilibrio, depuração, feeling, essas coisas fundamentais) e vozes convidadas (as de Maysa, Carleen Anderson, Imani, Jocelyn Brown e outras) e atingirem interpretações definitivas, uma a seguir à outra. O melhor disco de soul de 2007, so far, é feito de canções de diferentes épocas. A eternidade na qual se projectará há-de encarregar-se de as fazer contemporâneas entre si. Obra de referência? Parece-me também que sim. O que falta mencionar de tão inspirada colheita passa por Mogwai (Come On Die Young, acumulação de electricidade que vai adiando o momento libertador que chega pujante rompendo com a toada pausada e concentrada que domina o disco, ou seja, Mogwai vintage), pelos Sparklehorse (Dreamt For Light Years In the Belly of a Mountain, a aguardar escuta atenta que tenho a certeza confirmará o conhecido e o expectável: estranho lirismo, belo lirismo), por Isolée (Western Store, house quente e no osso que convoca ambos os prazeres, o sensual e o cerebral), e por um Young Gods (Music For Artificial Clouds, os TYG em registo "ambiental" que sempre desejei conhecer).
Diz-me, então, espelho meu, há alguém no mundo com melhor gosto musical que o meu? (Silêncio...) Bem que desconfiava...

4.13.2007

A minha geração




















Na série com princípio e vários finais felizes pelo meio.

4.12.2007

À nous amours





























Inês, no tempo áureo dos matraquilhos do chinês. Ela de olho na minha baliza; eu de olho na blusa dela.

Do quase nada














"Ambient Music is intended to induce calm and a space to think", he [Brian Eno] concluded. "Ambient Music must be able to accomodate many levels of listening attention without enforcing one in particular: it must be as ignorable as it is interesting."




















Ad Reinhardt, 1954-1958

Reinhardt's outline of the new aesthetic "... no texture, no drawing, no light, no space, no movement, no object, no subject, no symbol, no form... no pleasure, no pain"

[Ocean of Sound, David Toop, págs. 9 e 12]

4.11.2007

Solilóquio
























I shall find a quiet pool in the forest and I shall be alone there often. I shall gaze into the deep, still water and that stillness will be in me. I shall sleep by my pool and dream, and I shall leave you messages in oracles and poems. Or you may dream with me, (for you are as much myself as I am you and your dreams are also my dreams) you may join me and wait through the night till the animals come to drink. Then I will show you the shape changing and we will become the animals. My magick can heal, for it comes from the place where there is no separation and we are all one, where the water of the pool merges again and is lost in the ocean.

4.10.2007

La stessa acqua




O lado bom do aborrecimento




















Much of the music I discuss could be characterised as drifting or simply existing in stasis rather than developing in any dramatic fashion. Structure emerges slowly, minimally or apparently not at all, encouraging states of reverie and receptivity in the listener that suggest (on the good side of boredom) a very positive rootlessness.

[prologue: fragments and mantras]

4.09.2007

Drones e grilos




















O disco chama-se Silent Night e faz parte da obra do músico norte-americano William Basinski. Foi o meu primeiro contacto com Basinski e fiquei siderado. Silent Night resulta da sobreposição de uma frequência electrónica semelhante ao "canto" produzido pelos grilos, num drone que apenas sofre ligeiras modulações melódicas até se dissipar ao fim de 45 minutos, deixando para o som dos "grilos" o remanescente da peça - cerca de 15 minutos. Isto assim objectivamente descrito, é normal que deixe atónito quem lê. Mas se o leitor gosta de Fennesz, Tim Hecker, Carsten Nicolai ou de outras luminárias da electrónica de tendência estacionária, terá nas composições de William Basinski, a avaliar pela amostra, fiel e essencial companhia. No fundo mais fundo onde não sobram aparências, esta é a música que nunca se esgota e que permanentemente se renova. É a minha cada vez mais forte convicção.

Clicar sobre as ligações para biografia e discografia oficiais de William Basinski, e para a explicação mais completa do que se entende por drone. Stock Basinski, aqui.

A dupla vida de Nikki Grace















Três horas, vários corredores na penumbra e tantas outras portas depois, não posso dizer que tenha encontrado passagem, por muito especulativa que fosse, para uma leitura minimamente satisfatória face a INLAND EMPIRE, talvez o mais incompreensível Lynch de sempre. Entrei na sala tão virgem quanto o realizador gostaria que o fizesse: deixei para depois qualquer leitura acerca do que sobre o filme foi escrito (deixo agora link para texto do Rosenbaum, que ao que parece terá adorado INLAND EMPIRE). Sobre o mesmo, salta à vista que Lynch descobriu o vídeo digital (DV) – talvez por curiosidade, talvez por necessidade – e que isso terá permitido dar total liberdade à manifestação de um universo por demais consolidado. INLAND EMPIRE tem no interior os principais temas e metáforas do cinema do norte-americano, apenas que no seu hermetismo e aparente arbitrariedade este parece ser objecto do domínio de uma prática artística no sentido tão amplo e tão abstracto quanto se possa conceber, tal como algumas obras de "cinema-instalação" segundo o inenarrável Matthew Barney (que me perdoem os convertidos!). INLAND EMPIRE não me convenceu de todo ou sequer em parte. Não encontrei suficiente beleza na sua crueza. Não descortinei motivos de interesse no seu deboche narrativo. No entanto, paguei o preço do bilhete e não saí de cabeça vazia. Há pelo menos um tema que me parece sobressair e que já era dominante em Estrada Perdida: falo da traição da mulher que de novo surge representada pelos extremos da puta e do anjo. Verificamos também a existência de um filme dentro do filme, parecendo-me seguro afirmar que os universos da protagonista (Laura Dern/ Nikki Grace, em perplexa e corajosa exposição) colidem quando David Lynch revela que esta ter-se-á envolvido com o actor com quem estava a trabalhar (interpretado por Justin Theroux, que assim transita do anterior Mulholland Drive).
Se o filme já era completa e assumidamente desconexo até aqui, desdobrando-se em universos paralelos que parecem organizados de modo a traduzir o efeito do zapping fora-de-horas por canais que competem na sua bizarria, o que vem depois pode melhor ser descrito recorrendo à metáfora do pesadelo kafkiano figurado por uma espécie de limbo, filmado entre Los Angeles e Lodz, habitado por um grupo de figuras femininas de um bestiário de promiscuidade, que Lynch coreografa ao longo de sucessivos momentos que vão do absurdo ao patético. A personagem de Laura Dern atravessará todo este labirinto sem que fiquemos seguros que dele tenha escapado. Acaba olhando na nossa direcção com expressão catatónica, enquadrada no cenário do que arriscamos ser uma imponente mansão sulista. Mas antes ainda será estrela, no filme dentro do filme, de uma das sequências mais confrangedoras que não imaginávamos que Lynch pudesse vir a filmar: a morte de Nikki, que tem lugar no Passeio da Fama – trocada a fama pela subversiva miséria existencial; a distância do mito pela proximidade da alucinação –, seguida da habitual epifania com musiquinha semelhante à que Julee Cruise cantava em Twin Peaks e do regresso a casa do marido (de alguém!) e do filho em variação do happy end de Veludo Azul. INLAND EMPIRE convenceu grande parte dos indefectíveis de Lynch. As excepções talvez só mais tarde se dêem a ler? Distante do fascínio suscitado por títulos que constituem uma das mais pessoais e estimulantes obras que o cinema deu a conhecer em décadas recentes, só me ocorre dizer que além de enorme “borrada” (Lynch desfigurado e low-tech), este filme é um ainda maior bocejo. Fim de festa.

4.08.2007

Itália é harmonia















Em matéria de lirismo ninguém tem nada a ensinar ao presente quinteto de Enrico Rava. Novo disco tão perfeito quanto pelo menos estes outros dois. O caso mais que justifica que se conclua escrevendo "bravo!".

Quixote na resistência da pura expressividade cinematográfica















Proposta do catalão Albert Serra: recomeçar a fazer a história do cinema quase do zero (afinal temos cor e temos som). Dois homens, um cavalo, um burro. O resto é como bem descreveu no Público LMO, o mais antigo efeito especial - a luz natural. Honra de Cavalaria é prova que recompensa quem lhe souber resistir. Aquilo que ele, pela sua (p)arte, não se cansa de fazer.

4.04.2007

Páscoa feliz (ode e nota)













Deixai vir até mim essas amêndoas da Amazónia! Os homens e os copos. Os corpos e os filmes. Conhecidos, íntimos ou os de que apenas ouvi falar. Homens cansados, esmurrados, embriagados. Porque nós, homens, começamos por querer ver filmes para olhar as mulheres. Já mais tarde, o que nos vale são os homens dos filmes feitos por homens. Vergados, batidos, muito bebidos. Sirvam mais. Sirvam-me!

Páscoa feliz remete também para aqui.

O original












Magnífica capa para a edição "não-censurada" do filme de Michael Winner que fez escola.

4.03.2007

Cinturão negro










"Hajime!"

Oceano pacífico















Existe um terceiro elemento - além dos autores Foxx e Budd - que muito possivelmente estará na origem da afinidade encontrada por estes dois músicos. John Foxx (ex-Ultravox) foi das primeiras pessoas a recorrer aos préstimos de produtor de Brian Eno e foi com o mesmo Eno que Harold Budd gravou álbuns seminais como The Pearl e The Plateux of Mirrors. Pode imaginar-se que John Foxx e Harold Budd acompanhavam o trabalho um do outro à distância. Em 1996 surgiu a possibilidade de gravarem juntos e o resultado saiu para o mundo em 2003. Translucence/ Drift Music, dois CD's, um único disco em duas partes que a Providência colocou na minha frente quando olhava distraído para os saldos da Ananana. Foxx e Budd foram generosos com os que perseguem estas coisas: 27 composições, no total. Piano e electrónica. Fluxo sonoro que dá a sensação de poder eternizar-se: a função repeat é no caso mais que a mera sugestão. A música ambiental apresenta-se aqui no limite da evolução. Dos anos 80 para cá só a técnica se desenvolveu, a linguagem tinha já alcançado um apuro formal até hoje inultrapassado. E quando quase não se dá pela forma (concretizando, pela melodia), é quando podemos entrar nela a qualquer momento e sair quando bem entendermos. Drones remain drones.

4.02.2007

Tradiçon










Agora é com ele.

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