4.30.2012

Um post sobre o jazz

Porque hoje é o primeiro Dia Internacional do Jazz (obrigado cariño pela lembrança), e porque o jazz é a música onde tudo comunica com tudo e improvisar é ser livre e ser único, resolvi ligar isto com isto e fazer um pouco de jazz aqui no blogue, dentro do mesmo post. O jazz é afirmação de vida, apesar das circunstâncias próprias ou alheias.



4.29.2012

'Rafa', de João Salaviza (IndieLx 2012)


















Rafa é um objecto alinhado com o que de mais relevante aconteceu no cinema português da segunda metade do século XX, sobretudo com os autores que despontaram e se afirmaram nos anos 90. Existe nele a poesia nocturna dos primeiros filmes de Pedro Costa, em particular de O Sangue e de Ossos. Há também a expressividade pelo corpo em permanente movimento como n'Os Mutantes, de Teresa Villaverde. Existe também a atracção pelo real tangente à marginalidade como no cinema de João Canijo. Mas este real, relativamente ao cinema português, obriga-nos a recuar até ao Cinema Novo e aos filmes de Paulo Rocha e de Fernando Lopes, para dar só dois exemplos. Se isto não fosse suficiente, encontramos também aqui o tema da aliança estabelecida por dois irmãos que ao mesmo tempo são jovens obrigados a crescer depressa, substituindo-se pela entreajuda aos pais, ausentes ou negligentes. Assunto recorrente num certo cinema português da responsabilidade de jovens realizadores: dos já referidos e de outros ainda.
Este foi o primeiro filme que vi de João Salaviza e corresponde à sua mais recente curta-metragem. Encontrei um realizador na preciosa acepção da palavra. Na escolha dos enquadramentos, na capacidade de montar no interior do próprio plano (é assim o começo de Rafa), na intencionalidade da montagem (os seus diferentes usos e recursos, como na cena do interrogatório na esquadra de polícia com o negro que dá conta do tempo que passa), no trabalho com o fora de campo (a câmara está quase sempre com Rafa e é solidária com a vontade do protagonista, e o som várias vezes faz o resto), nas durações de cada plano e na forma como isso nos faz interpretar as intenções do filme. Rafa regista um processo de crescimento em acelerado. O rapaz que quer trazer a mãe de volta a casa, e que para isso se dirige da margem sul para Lisboa onde ela se encontra detida, acaba com um bebé nos braços, como que para sinalizar por último a ambiguidade do seu estatuto. Rafa é ainda um jovem que as circunstâncias obrigam a que seja adulto. A juventude roubada a Rafa é o tema principal deste filme de João Salaviza.

4.27.2012

HoF













































Pelo disco que fizeram merecem uma imagem deste tamanho.

Amar o fracasso

























«E, todavia, mantivemos o nosso ritual até muito tarde, eu e o meu pai – até depois, inclusive, de eu já viver em Lisboa –, de assistir aos jogos ao vivo e, aliás, trazer no bolso um cartão de sócio do Sporting, que a dado momento passara a guardar no primeiro separador da carteira, onde os heróis usam o distintivo e os mortais, à falta de melhor, enfiam o passe social. Todos os sábados à noite, vivendo eu na ilha ou estando lá de férias, já adulto, nos púnhamos ambos em frente ao televisor, na cozinha fria de São Bartolomeu, os dois com um cachecol verde e branco ao pescoço, os dois engolindo malgas de pipocas com a avidez de quem rói as unhas, os dois correndo para a enorme bandeira leonina pendurada a um canto quando, por absurdo, um dos nossos marcava golo. E, quando nos abraçávamos, era como se realmente estivéssemos em Lisboa, em pleno Campo Grande, nas próprias bancadas do Estádio José de Alvalade, fundidos naquela multidão que celebrava, também ela, o tímido raio de sol que a iludia.
Habituados a perder, restou-nos amar o fracasso, o que tinha o seu mistério.»

4.26.2012

Agora é que vai ser!
















Somos o Sporting e não tememos ninguém!

Agora é que foi


















Pegar no Jobim em dose quintupla.

Agora é que é...

























Os High on Fire estão de regresso e a primeira coisa que reparo é que o trabalho gráfico em De Vermis Mysteriis não pertence mais a Arik Roper. O novo artista chama-se Tim Lehi (é vê-lo em baixo a tatuar). Que interessa issso, dirão alguns? A mim o bastante para ter "um Arik Roper" tatuado no abdómen (olhar de novo a imagem inferior). Toda a gente desata agora a dizer que o disco anterior da banda da Matt Pike, Snakes for the Divine, era falhado, e que este é que marca o regresso à boa forma dos fidedignos High on Fire. Snakes foi o álbum que me permitiu descobri-los e se o seu acabamento tinha bastante mais verniz que os anteriores, o que para um adepto do metal puro e bruto (bem me esforcei...) pode ser motivo de desapontamento, não voltei a gostar de outro High on Fire como daquele. Daí que parto para De Vermis Mysteriis com a expectativa do compromisso: o melhor de dois mundos sombrios. Uma banda mais rodada e mais focada musicalmente, que redescobre a energia primordial que a produção de Kurt Ballou (Converge) fará aqui questão de conservar em sangue. Tal como uma tatuagem por cicatrizar, mais coisa menos coisa.

Portas largas


















Foto: Bruno Simões Castanheira

A presença de Miguel Portas transcendia a imagem comum do homem de esquerda. Havia nele uma elegância blasé, uma doçura até, que matizava as suas intervenções de carácter político. Parte do que existia além do homem do Bloco, Portas encarregou-se de nos fazer conhecer em projectos jornalísticos e de televisão. Era uma figura cosmopolita, curioso e disponível para a cultura e para as pessoas. Devia ser bom estar na sua companhia. O facto de ter vindo a falecer na cidade portuária de Antuérpia é significativo, ainda que circunstancial. Estamos todos de passagem, mas são os viajantes, os cidadãos do mundo, que nos recordam permanentemente essa evidência.

4.24.2012

Queremos muito ver isto



In the pilot, you have Hannah reference her tattoos and explain their origins. Why did you feel the need to include that scene, and are Hannah's reasons your reasons -- that it was a body control thing she did in high school after a weight gain?

That was something Judd [Apatow] suggested. He was like, "Why don't you point them out? This is a character who's a little socially awkward. She's not a super hipster girl, yet she's covered in tattoos. Which is what you are." I sort of tend to equate tattoos with prisoners, punks or people with a high level of self-confidence. I don't necessarily have a covered-in-tattoos personality. So, Judd sort of was like, "Just say something honest about why." So, I wrote that scene and it is pretty close. I don't think I would have phrased it that way to myself at the time. At the time, it was like, "My friend Marina has tattoos, and I'm gonna get one." I sometimes want to make a book of every tattoo I wanted to get before I actually got a tattoo, because there were so many awful ideas and concepts. But once I did it, it got totally addictive. I'd say I had a very active tattooing period from 17 to 21, and since then, I've gotten a few tiny things, but I haven't been tattooed in a while.

(...)

What did you think of Lee Aronsohn's comments that television has reached "labia saturation"?

I was talking to Judd about that, and Judd was like, "I feel bad for him because he's just the guy who makes a million jokes." It's such an assholic thing to say. It's so dickish ... I think Sarah Silverman had a quote where she was like, "Sometimes with an old guy with misogyny you're just like, 'You cute old guy. You misogynist.'" I almost feel like that man is holding on desperately to a world that no longer exists ... I felt especially bad for him because it's not even a funny joke. If you had a good quip, I'd be like, "Well, you're a dick, but at least you're a good comedy writer." But with that, I was like, "Come on, dude. 'Labia saturation point'?" It's also so dumb. There's three shows on TV about women, so I guess we really reached our limit. It's not like three-quarters of the world is comprised of women, you idiot.

IMDB



Ela vai entender. Os restantes ficam de fora desta dança.

Picar o ponto

























Voltei a pedir acreditação para o IndieLisboa e pretendo escrever sobre os filmes que for vendo. Parafraseando José Pacheco Pereira, do que eu não vir não falo. Ou no caso, não escrevo. Opinião que vale o que vale.

4.23.2012

Sunil teve a sua Virginia Woolf














Cada personagem tem direito a sete episódios dos quais vi apenas quatro até ao momento, mas Sunil (fabuloso Irrfan Khan) pareceu-me logo a figura mais fascinante desta temporada, a terceira, de In Treatment. Um viúvo que se muda de Calcutá para casa do filho, em Nova Iorque, e desenvolve uma fixação pela nora. Quando chega na presença de ambos ao consultório de Paul Weston (Gabriel Byrne), as queixas da família relacionam-se com a sua apatia, desmazelo com a higiene, e isolamento. Sunil, que vivera trinta anos dentro de um casamento arranjado, mostra-se perplexo com os costumes ocidentais, a começar pelos que observa dentro da nova casa. Mas o seu pudor, a desconfiança que sente em relação à nora (infidelidade), uma mulher normal que não esconde a sua sensualidade, nem a dedicação à carreira de agente literária, acabam por destapar uma história antiga, uma história de amor entre Sunil e uma colega universitária que para os padrões da Índia (de então?) era uma mulher demasiado livre. Tão livre que quando se viu rejeitada por Sunil (ou pela família deste) se lançou a um rio para morrer. Não sei até onde acompanharemos as histórias passada e presente de Sunil, o que não me impede de dizer que estou de novo rendido a esta série excelente e rara.

Para o Miguel Gomes



















A Descoberta

Estavam os dois caçadores bem no centro da África (1) quando, por trás de uma colina, de dentro de uma gruta, da escuridão de uma mata, do seio de uma grota (2), surgiu um tigre de dentes de sabre (3). Disse um dos caçadores: «Um animal pré-histórico! O mais terrível e o mais precioso dos animais pré-históricos! Que vamos fazer?» «Vamos fazer o seguinte – sugeriu o outro caçador, preparando-se para correr. – Você fica aqui e aguenta o bicho, que eu vou espalhar a notícia pela África inteira!».

Moral: Divulgar certas notícias também requer muita coragem.

(1) Não sei se o leitor concorda comigo em que a África, hoje, já esta meio desmoralizada como centro de aventuras. Particularmente, eu preferiria colocar a história na Amazónia. Mas à Amazónia faltam-lhe tigres, muito embora, misteriosa como é, ninguém possa dizer ao certo. O facto é que, para muita gente a África continua sendo misteriosa e dormente quando, na verdade, lá se levantam as maiores questões do futuro do mundo, forjam-se nações e relações sociais novas, enquanto aqui continuamos a afirmar o nosso desenvolvimento.
(2) Esta «localização indeterminada» ou «múltipla» de uma acção tende ao impressionismo literário, colocando na mente do espectador um local descaracterizado geograficamente, mas profundamente misterioso do ponto de vista medonho. Morou?
(3) Dentes de sabre postiços. A esta altura, depois de tantas e tantas gerações, esses dentes devem ser de náilon, como nas dentaduras que os jornais vêm anunciando insistentemente. Aos mais esclarecidos politicamente sugiro que aceitem mesmo o tigre de minha história e seus notáveis dentes de sabre pré-históricos, como um símbolo de reminiscências imperialistas, reaccionárias, de eras mortas, que vez por outra teimam em reaparecer. Como vê o jovem e esclarecido leitorzinho, qualquer história hoje, por mais simples e inocente, surge logo, às mentes mais abertas, vestida de mil intenções e brilhante de mil refracções. É sempre bom meditar muito. Ou não meditar nada.

Millôr Fernandes

Um amor de juventude



Não serão todos?

4.20.2012

Momentaneamente

























Encerrado para balanço. Volto com o IndieLisboa (ou antes). Grato pela preferência.

4.19.2012

Mathilde Roussel






















Da série Lifes of Grass, fotografada por Matthieu Raffard.

A outra metade


















Da discografia completa dos Foo Fighters nenhum álbum me parece tão bom quanto a outra metade de In Your Honor, que a banda designou de "not so loud". Um segundo CD tendencialmente acústico onde participam Norah Jones, Josh Homme e John Paul Jones (era lançado o embrião para os Them Crooked Vultures). E nenhuma sequência de músicas tem a perfeição da que junta o tema que encerra o disco, Razor, e a faixa que o abre, Still. Como se ao inescapável fim se seguisse o discreto recomeço.





Nota: a opção por um clip estático de Razor tem a ver com o facto de ser Josh Homme o guitarrista da versão de estúdio, o que para mim faz toda a diferença.

4.18.2012

Do excêntrico mundo do yôga




































































O sequência de posturas que aqui se observa foi integrada na aula de hoje. Mais extraordinário é que exista entre os praticantes uma adepta do Athletic Bilbao.

PTSD


















'For me Jibby is very therapeutic. ... Sometimes I feel like a burden when I unload my emotions on friends, but Jibby's always there, regardless of what mood I'm in.'

A árdua rehumanização de um ex-combatente norte-americano no Iraque, documentada em imagens impressionantes do repórter fotográfico Craig F. Walker. O Pulitzer dar-lhes-á a universalidade que justificam. Ver o resto aqui. Obrigatório ler as legendas às fotografias.

Orfandade













Toda a gente beneficiaria se todos tivéssemos tido um pai como Atticus Finch. Toda a gente beneficiaria se o cinema tivesse continuado a olhar para as crianças com olhos adultos sem deixar de as ver como crianças que são. Assim, To Kill a Mockingbird (1962) encerra esta dupla utopia. Porque poucos homens se poderão equivaler a Atticus e o cinema, sendo feito pelos homens, também desbaratou o seu carácter exemplar. Mal-vindos à idade da orfandade.

4.17.2012

Raízes















































Pintadas com mais ou com menos luz.

Ortografia

























© Dusdin Condren

4.16.2012

Aperta com eles, Sá Pinto!















Proposta a incluir no programa de treinos do Sporting Clube de Portugal.

Been listening!

Como falar com os mortos
















O filme é até bastante normalizado. Não se lhe encontram tantos focos particulares de interesse assim. No entanto compensa a atitude disponível porque eles estão lá e preenchem o tema fundamental que percorre todo o filme. Falo de Comprámos um Zoo!, de Cameron Crowe, e esse tema é o luto da principal personagem, Benjamin Mee (Matt Damon), e dos seus dois filhos, pela morte da mãe e mulher.
Em Tabu, de Miguel Gomes, existe um explorador que reencarna no crocodilo (melancólico) que o havia devorado e que deste modo se reúne com o fantasma da mulher falecida antes dele. Em O Tio Boonmee que se Lembra das suas Vidas Anteriores, de Apichatpong Weerasethakul, é a figura do filho há muito desaparecido que regressa serenamente uma noite para junto da família, assumindo a fantasmática representação de um macaco peludo (episódio aliás que poderá ter inspirado um sonho em particular da Aurora idosa no filme de Gomes). Agora em Comprámos um Zoo! a metáfora é menos directa. A metáfora da representação daquilo que pode continuar a existir dos que partiram já. Um tigre envelhecido de 17 anos precisa de ser abatido, pois está a sofrer. A decisão cabe ao proprietário do Zoo, Benjamin. Quando este se despede do animal é como se finalmente aceitasse a morte da mulher, e só uma vez aceite o facto é possível a segunda e mais importante aceitação: a de que ela possa continuar a existir do lado da família. Nas suas imagens, naquilo que lhe pertenceu (como a camisola que Benjamin veste a dada altura), e nos lugares que fazem parte de memórias que em se actualizando regressam à vida.
E assim um filme bastante normalizado transforma-se por momentos em mais qualquer coisa. Alguém aprende a falar com os mortos, aquilo em que verdadeiramente consiste o processo do luto. Falarmos com os nossos mortos para nos ouvirmos a nós próprios.

4.13.2012

Para colocar de forma simples





O que de mais importante acontece na vida de qualquer pessoa tem lugar entre estas duas canções. O que faz alguém sentir-se vivo está ora de um lado ou no outro. E Paddy McAloon colocou-as seguidas no alinhamento de Andromeda Heights, outro dos álbuns dos Prefab Sprout que não procura ver nas estrelas aquilo a que só o coração pode dar resposta. Bom fim-de-semana.

Os grandes gestos servem de pouco












Um plano de Wes Anderson não se parece com nenhum outro.

Poucas cenas são elucidativas da mundivisão de Wes Anderson como o flashback em The Darjeeling Limited (2007), quando os três irmãos resolvem parar na garagem onde o pai tinha deixado a reparar o Porsche "vintage" tempo antes de falecer. Movidos por uma intenção sentimental qualquer, desenquadrada das obrigações do momento, uma vez que se deslocam para o funeral do progenitor, os três tentam à força pôr a carcaça museológica em movimento, até compreenderem que o esforço será em vão. É assim o modo operativo do cinema de Wes Anderson. Fixar a vanidade das motivações dos seus protagonistas, porque invariavelmente levam a nada. Em The Darjeeling Limited fica uma viagem espiritual por cumprir: os obstáculos mundanos são demasiado insistentes, assim como as particularidades do carácter dos manos. É um cinema que aborta as conquistas de forma celebratória. Não se pode afirmar que sejam os objectivos que contam. O que importa afinal é o fracasso. Um fracasso em grande estilo. Magnífico Mr. Anderson.

4.12.2012

As vozes

Os diálogos



Voices Of Old People (2:07)
(Art Garfunkel recorded old people in various locations in New York and Los Angeles over a period of several months. These voices were taken from those tapes.)

Man 1: I got little in this world. I give honesty without regret. One hundred dollars for that picture. I remember taking a picture with...

Woman 1: Ooh! Let me show you. Let me show you our picture. This was me and my husband when we were first married.

Woman 2: I always slept on one side, left room for my husband.

Woman 1: And that's me when we were sixteen.

Woman 2: But this, this, this, this is not the case. I still do it. I still lay on the half of the bed. (pause) We used to sneak in...

Man 2: Still haven't seen the doctor I was seein'; there's been blood for the last, eh, forty-eight hours, and I can't get up the mucus for the last, eh, two, three months... oh yes, and I maintain, I maintain strongly, to this minute, I don't think it's an ordinary cold.

Woman 3: God forgive me, but an old person without money is pathetic.

Woman 4: Children, and mothers, that's the way we have it. A mother-- they are [mumbling I can't make out].

Woman 5: 'Cause mothers do too much.

Woman 4: That is mother's life, to live for your child. (pause) Yes, my dear.

Man 3: I couldn't get younger. I have to be an old man. That's all. Well...

Woman 6: Are you happy here, honey? Are you happy living with us?

Man 3: So anytime I walk with Lou and... that's all.

Woman 6: Mr. Singer? Are you happy living with us here?

Woman 7: But we don't do that, dear.

Woman 6: But are you happy?

Woman 7: If you mean, if, if you could say, yes, and I thought, and I was so happy, and everybody, "What is this? What is it?"

Woman 8: It just is, beautiful. Like, just a room. Your own room, in your own home.


Negritos meus.

As cores









































Paul Simon e Art Garfunkel fotografados por Guy Webster.

4.11.2012

Cobras e lagartos
















Pierre (Pascal Greggory) chega à casa de férias onde Marion (Arielle Dombasle) se encontra de empréstimo com a prima mais nova Pauline (Amanda Langlet), e comenta que evita a companhia dela quando Henri (Féodor Atkine) está presente porque é alguém cujo carácter dissimulado lhe recorda uma serpente. Marion responde que ela sim se julga parecida com uma serpente, dado o seu muito elogiado corpo curvilíneo. Pauline à la Plage, filme de Eric Rohmer de 1983, passa-se no final do Verão início do Outono, mas é ainda da figuração de um possível paraíso terrestre que se trata. Da busca ou da espera do amor nesse cenário propício, onde a apetência para o lazer e a pouca roupa estimulam os sentidos. Rohmer parece destapar as pedras onde as serpentes se escondem, com a inteligência das imagens e dos diálogos. Os caminhos do amor estão abertos a todos. Os puros de coração devem ter atenção aos répteis que se lhes atravessam pela frente, sobretudo aqueles a coberto de uma aparência sedutora (como Henri ou Marion). Neste filme todos os adultos são cobras: nómadas do desejo, indecisos ou caprichosos. Apenas os jovens manifestam moral digna de aceder ao amor correspondido. Talvez por isso o adiem: na tentativa de se auto-preservarem. O amor é um sentimento que Rohmer coloca ao nível da natureza, das hortênsias de que Pauline cuida e que surgem em fundo e mais belas somente nos planos em que vemos a rapariga. É como se o paraíso lhe pertencesse em exclusivo, e ainda, e os répteis que por ali circulam de lá tivessem sido expulsos. Por Rohmer, evidentemente, que neste mundo de cinema quem manda é o "metteur en scène".

Fábulas fabulosas

























Foto: Ricardo Chaves

A AVENTURA

Parco de Alcântara nunca teve uma aventura amorosa. O que era natural. Nasceu baixo e nasceu feio. Cresceu feio e baixo. À proporção que os anos passavam tornava-se mais baixo e mais feio. O complexo dominava-o, a voz fugia-lhe. Tentou um ou outro caso sentimental, sempre, naturalmente, escolhendo também mulheres baixas e feias, mas nada conseguia. Era demasiado baixo e e feio. Com o tempo ficou, além de feio, calvo. Além de calvo, míope, teve que usar óculos, grossos, feios. E sobreveio-lhe uma anemia que lhe amarelava a pele, tornando-o, se possível, ainda mais feio.
Eis porém que, uma noite, já horas tardas, andava ele lentamente por um dos bairros residenciais grã-finos da cidade, quando, de uma janela num segundo andar, uma mulher, que lhe pareceu jovem e linda, chamou-o. Parco de Alcântara duvidou que fosse com ele. Olhou para trás, vendo se havia alguém na rua, embora soubesse antecipadamente que não havia ninguém, pois a essa altura seu complexo já era tão grande que ele só andava em ruas em que não havia ninguém. Fixou a vista, fez o gesto de quem pergunta: «Eu?» A mulher, esvoaçadamente no seu penhoar transparente, respondeu sussurrando, da janela: «O senhor sim, vem aqui, por favor.» Parco, o sangue subindo-lhe às faces, sentiu uma tremedeira, mas não hesitou. Subiu pelas escadas do edifício, sem sequer esperar pelo elevador. Ia pensando em notícias de jornais que falam de casos estranhos, moças grã-finas que... senhoras ricas que... essa gente rica é tão estranha no seu comportamento... tão cansada de tudo que... quando chegou ao segundo andar estava quase morto. De emoção e da pressa com que subira a escada.
À porta do apartamento a mulher já o esperava e era realmente linda. Não devia ter mais de vinte e dois anos. Fez um sinal para ele, pedindo silêncio, disse baixinho: «O senhor é um anjo». Pegou-lhe na mão, conduzindo-o através de alguns aposentos mobilados com o mais fino gosto, levando-o directamente ao quarto de dormir. Deitada na cama estava uma menina de uns dois ou três anos, com os olhos vermelhos de chorar. Encolheu-se de terror ao ver Parco de Alcântara e ainda mais quando a linda senhora disse: «Está vendo? Mamãe não lhe disse?! Se você não parar de chorar imediatamente, o Papão vai comê-la».

Moral da história: Quem ama o feio tem objectivo sinistro.

Millôr Fernandes, Pif-Paf (O Independente), antologia organizada por João Pereira Coutinho.

Deleite matinal

4.10.2012

Ela vai gostar

Bijuterias



Quem estiver a pensar ver os Black Keys no Pavilhão Atlântico não se deve arrepender. Mas achar que vai ser assim é impensável. Antes de se tornar o fenómeno universal que é hoje, o som da banda foi sendo progressivamente delapidado. É ainda muito bom, a mesma coisa é que já não é.

Filho de Lee Marvin

























Chris Marvin (n. 1952), o único filho homem de Lee Marvin.

«One actor I’m a big fan of is Lee Marvin. My favorites of his are The Wild One (Laslo Benedek), The Big Heat (Fritz Lang), The Man Who hot Liberty Valance (John Ford), The Killers (Don Siegel), the Aldrich films Attack and The Dirty Dozen. My favorite of all is Point Blank (John Boorman) from the book by Donald Westlake writing under the name Richard Stark - one of the Parker books, all of which I’d read before I saw Point Blank. Just the idea of Marvin’s characters being outsiders and very violent appeals to me. Some seem to have a very strong code - even if it’s a psychotic one - that he follows rigidly. Like in Prime Cut: There are some amazing things in that, especially the scene where they drive this Cadillac Fleetwood into a thresher and it grinds up the car. These guys are selling drugged-up naked girls in stalls the way you would sell cattle, and Marvin goes there as a hired hitman outsider and rescues Sissy Spacek, who’s one of these naked girls in this barn. That’s a wild film.
A secret organization exists called The Sons of Lee Marvin - it includes myself, Tom Waits, John Lurie, and Richard Bose. We’re initiating Nick Cave into it too. There are many honorary members too. I have a good story about it. Six months ago Tom Waits was in a bar in somewhere like Sonoma County in Northern California, and the bartender said, ”You’re Tom Waits, right? A guy over there wants to talk to you.” Tom went over to this dark corner booth and the guy sitting there said, ”Sit down, I want to talk to you.” So Tom started getting a little aggressive: ”What the fuck do you want to talk to me about? I don’t know you.” And the guy said, ”What is this bullshit about the Sons of Lee Marvin?” Tom said, ”Well, it’s a secret organization and I’m not supposed to talk about it.” The guy said, ”I don’t like it.” Tom said, ”What’s it to you?” The guy said, ”I’m Lee Marvin’s son” - and he really was. He thought it was insulting, but it’s not, it’s completely out of respect for Lee Marvin.»

Jim Jarmusch à Film Comment de Junho de 1992.

Pouco faltou para sair afónico de Alvalade



















Obrigado Sá Pinto. Obrigado equipa.

Fotos: jornal Record

4.09.2012

Onde menos se espera

























«– Porque não arranjas um amante enquanto estás em Bali, Liz?
Devo dizer em seu favor que ele não estava a pensar nele, embora acredite que estivesse disposto a assumir o cargo. Assegurou-me que o Ian, aquele galês bem parecido, era um bom par para mim, mas que também havia outros candidatos. Há um chefe de cozinha nova-iorquino, um tipo simpático, grande, musculado e confiante de quem ele pensa que eu iria gostar. Aliás, ele disse que há todo o tipo de homens em Ubud, expatriados de toda a parte, que se escondem naquela comunidade dos sem lar e sem bens do planeta, muitos dos quais ficariam felizes em assegurar-me um Verão maravilhoso.
– Não creio que esteja pronta para isso – disse-lhe. Não me apetece passar outra vez por todo o esforço que o romance envolve, sabes? Não me apetece ter de rapar as pernas todos os dias ou ter de mostrar o corpo a um novo amante. E não quero ter de andar sempre a repetir a minha história ou de me preocupar com medidas contraceptivas. Seja como for, já nem sequer tenho a certeza se ainda saberei fazê-lo. Sinto que estava mais confiante em relação ao sexo e ao romance quando tinha dezasseis anos do que agora.
– É claro que estavas – disse o Filipe. – Nessa altura, eras jovem e estúpida. Só os jovens e estúpidos se sentem confiantes em relação ao sexo e ao romance. Pensas que algum de nós sabe o que está a fazer? Pensas que há alguma maneira de os humanos se amarem uns aos outros sem complicações? Devias ver o que acontece no Bali, querida. Todos estes homens ocidentais chegam aqui depois de terem virado a vida do avesso, decidem que já chega de mulheres ocidentais e acabam por casar com uma adolescente balinesa, doce e obediente. Eu sei o que eles pensam, pensam que aquela rapariguinha os fará felizes e lhes tornará a vida mais fácil. Mas sempre que isso acontece, tenho vontade de dizer a mesma coisa. Boa sorte. Porque a verdade é que continuam a ter uma mulher diante deles. E continuam a ser homens. Continuam a ser dois seres humanos a tentar viver juntos, por isso as coisas acabarão por complicar-se. E o amor é sempre complicado. Mas ainda assim os humanos devem tentar amar-se uns aos outros, querida. É inevitável ficar por vezes com o coração despedaçado. Significa que lutámos por alguma coisa.»


Recomendo surpreendido este livro porque a escrita é pessoal, lúcida e viva (e divertida, porque não?), e a experiência nele descrita mais íntima ainda. Uma obra de não-ficção de alguém que se questiona a cada linha. É possível ter a ilusão de que interagimos com a autora quando no fundo é através do acto de ler que reflectimos sobre coisas que nos aconteceram e a interacção dá-se com o que nos interessa e que representa uma espécie de destino universal: procurarmo-nos em nós e nos outros. Encontrarmo-nos e perdermo-nos pelo caminho. E assim repetidamente.

4.06.2012

Um leão à solta

Quem resiste em Manchester, diante do City, também resiste aqui.


João Rosado, comentador SIC.

4.05.2012

De Mahler a pior

















Em Greenberg (2010) também existe um bicho melancólico, o segundo esta semana – depois do crocodilo de Tabu –, um pastor alemão de nome Mahler (que era austríaco). A vida ali não parece melhor do que em qualquer outro lugar, mas há um detalhe que diz que o filme não é daqui nem de hoje. Roger Greenberg (Ben Stiller) paga a conta do veterinário, cerca de 3 mil dólares, com cartão de crédito. O crédito acabou-se e o resto continua igual. Fomos. Nem pensar. Viver é estar à altura do que nos acontece. Greenberg fala disso mesmo.

O moicano que ri por último















Nunca se deve assobiar um jogador de futebol, muito menos de equipas adversárias.

4.04.2012

Tabu XXL



















Capturado no rio Cunene, que faz fronteira entre Angola e a Namíbia.

Enviado e baptizado pelo "intrépido explorador" Navarro (Nem precisas de pôr o crédito, bota lá q este bicho merece um devaneio final!).

Como se desenha uma casa

Ela disse

Não se trata de um filme com nostalgia dos tempos do colonialismo mas, antes, de um filme sobre a nostalgia daquilo que a vida não permite que aconteça (a meu ver, e nunca mais que isso). Um potencial amoroso que ficou por explorar, um caminho que não se seguiu, uma opção que não se tomou ou circunstâncias que ditaram destinos.

E partiu. Mas volta!

Grande cinema “aos quadradinhos”



















Onde começa e termina Tabu, isto é, em termos cronológicos que tempo é o deste filme, medido em dias, no presente, e em meses, digamos que no passado? Tabu está em rigor montado cronologicamente, com um prólogo, que põe a claro as intenções do filme, e uma segunda metade que é do domínio do tempo infinito: porque não podemos dar medida às memórias, que sempre se acrescentam e ramificam até ao nunca mais acabar.
O filme de Miguel Gomes começa com as encantatórias Variações sobre o tema Insensatez, de Joana Sá, ao piano, e uma história (primeira de muitas), narrada pela voz do próprio realizador, que fala de um amor maior que a morte. Nunca foi outro o propósito mais fundo do cinema: o registo de imagens que sobrevivam às pessoas que nelas se vêem. Principalmente para outros que se revêem nelas. Depois avançamos para Aurora (a idosa, interpretada por Laura Soveral, antes da jovem, vivida por Ana Moreira, cada qual magnífica à sua maneira), a amiga Pilar e a criada Santa, três figuras solidárias e solitárias, de temperamento, que habitam a Lisboa actual, filmada num preto e branco carregado de melancolia, com recurso a uma planificação tão mas tão depurada que retirando-se-lhe os diálogos pareceria cinema mudo “verdadeiro”. Ora isto é o que vem a ser proposto de forma não purista na segunda parte do filme. Temos os sons ambiente genéricos e os particulares (naturais) de África, a narração da personagem que viveu um amor trágico desenrolado algures no sopé do monte Tabu, sons guturais autóctones e nada de diálogos falados ou intertítulos. Algumas imagens deste período passado e complementar têm relação directa com o que é narrado. Outras já parecem apontar um registo documental, ainda que farsante, que inscreve Tabu num período e mundo indefinidos, num tempo mitológico ou quase mitológico.



















Para melhor compreender de que forma a aventura humana que vem depois, em África, se liga com o sofisticado expressionismo realista que estava antes, o momento chave parece-me encontrar-se quando Santa lê as aventuras de Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. As palavras da criada negra de Aurora em Lisboa, sugerem imagens que o filme nega naquele instante mas a que mais tarde se entrega com vasto esplendor. Miguel Gomes, e isto num gesto de grande modernidade de um objecto de aparências antigas, filmado para se parecer com o antigo, liga cinema, literatura (o prazer do texto em Tabu é todo um programa de entre a totalidade dos materiais de que é composto) e aventuras “aos quadradinhos” (vulgo banda-desenhada), e de maneira imaginativa e profunda. O próprio ritmo de Tabu propicia a fruição do modo como cada imagem se inscreve no nosso olhar, nos nossos corações, ao mesmo tempo que se liberta e atravessa as várias linguagens.



















Esteticamente notável (a fotografia de Rui Poças é extasiante) e de invulgar profundidade humana (em minha opinião mais sensível no tempo presente do filme), Tabu é o mais feminino dos filmes. Tudo nele é fecundo. Toda a ficção tem no centro uma mulher ou para ela se encaminha. A mesma mulher (Aurora), e as outras mulheres. Se na primeira parte (Paraíso Perdido) é da interioridade em desagregação de Aurora e sobretudo da bondade obstinada da vizinha e amiga Pilar (espantosa Teresa Madruga) que as imagens tratam, na metade posterior, ou anterior (Paraíso), é a imaginação que dita as leis de Tabu e o fim da aventura não é dado adquirido, pois que uma história sempre se liga com outra história e assim e sempre sucessivamente. Grande cinema que usa o formato quadrado de outra era (preto e branco, 1:1:37, diz a folha da Cinemateca), mas que dificilmente poderia ser de um tempo que não hoje. Os recursos de Miguel Gomes e da sua equipa são tudo o que veio antes e exactamente antes de Tabu ter arrancado. Há também a aventura específica de se arriscar um filme como este, para onde tanta coisa confluiu e de uma tremenda originalidade.

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