4.23.2012

Para o Miguel Gomes



















A Descoberta

Estavam os dois caçadores bem no centro da África (1) quando, por trás de uma colina, de dentro de uma gruta, da escuridão de uma mata, do seio de uma grota (2), surgiu um tigre de dentes de sabre (3). Disse um dos caçadores: «Um animal pré-histórico! O mais terrível e o mais precioso dos animais pré-históricos! Que vamos fazer?» «Vamos fazer o seguinte – sugeriu o outro caçador, preparando-se para correr. – Você fica aqui e aguenta o bicho, que eu vou espalhar a notícia pela África inteira!».

Moral: Divulgar certas notícias também requer muita coragem.

(1) Não sei se o leitor concorda comigo em que a África, hoje, já esta meio desmoralizada como centro de aventuras. Particularmente, eu preferiria colocar a história na Amazónia. Mas à Amazónia faltam-lhe tigres, muito embora, misteriosa como é, ninguém possa dizer ao certo. O facto é que, para muita gente a África continua sendo misteriosa e dormente quando, na verdade, lá se levantam as maiores questões do futuro do mundo, forjam-se nações e relações sociais novas, enquanto aqui continuamos a afirmar o nosso desenvolvimento.
(2) Esta «localização indeterminada» ou «múltipla» de uma acção tende ao impressionismo literário, colocando na mente do espectador um local descaracterizado geograficamente, mas profundamente misterioso do ponto de vista medonho. Morou?
(3) Dentes de sabre postiços. A esta altura, depois de tantas e tantas gerações, esses dentes devem ser de náilon, como nas dentaduras que os jornais vêm anunciando insistentemente. Aos mais esclarecidos politicamente sugiro que aceitem mesmo o tigre de minha história e seus notáveis dentes de sabre pré-históricos, como um símbolo de reminiscências imperialistas, reaccionárias, de eras mortas, que vez por outra teimam em reaparecer. Como vê o jovem e esclarecido leitorzinho, qualquer história hoje, por mais simples e inocente, surge logo, às mentes mais abertas, vestida de mil intenções e brilhante de mil refracções. É sempre bom meditar muito. Ou não meditar nada.

Millôr Fernandes

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