Façamos de conta que ao espreitarmos para dentro daquele olho enorme o rosto que vemos não é o de Scott Walker mas o de Richard Hawley. Tenhamos fé na minha memória que reporta ao ano passado quando por várias vezes, num curto período, vi o documentário Scott Walker: 30 Century Man. Richard Hawley foi um dos músicos convidados a pronunciar-se sobre Walker, e no espaço de tempo que lhe coube na montagem final refere o espanto que lhe causou o facto de Scott Walker abrir um dos seus discos, Scott 3 (o do olho reflector gigante), com um gongo. Penso que a canção que se escuta nesse momento é Big Louise, só que o disco começa com It's Raining Today: é apenas um detalhe, o que conta é a impressão gerada, e para que conste Scott 3 está cheio de gongos e de arranjos instrumentais que criam uma atmosfera de angustia e compaixão. Quando Richard Hawley partiu para o último disco, Truelove's Gutter, a intenção era realizar o seu álbum mais pessoal. O anterior Lady's Bridge é um belíssimo trabalho, apesar dos dois ou três temas orelhudos que não creio que tenham alargado o culto em torno de Hawley. Foi breve o namoro com a capacidade de ascender ao estatuto de estrela pop respeitável. A reacção não podia ser mais radical. Truelove's Gutter parece um apelo suspenso no quase vazio. É ouvirem a hierarquia construída entre voz e instrumentos, acentuando a carga dramática das letras de Hawley (aquela Open Up Your Door, porra... o gajo já fez tantas vezes isto e a gente cai sempre!): ele parece perdido, à deriva, a as mulheres a quem as músicas se dirigem não estarão melhor que ele. Neste sentido é o seu álbum que mais directamente reporta à fase popular, embora também crepuscular, de Scott Walker. Hawley arranca aqui um pathos do caraças (perdoem a expressão, mas é mesmo assim), daqueles que faz atarem-se nós dentro de nós: do estômago até ao pescoço. Truelove's Gutter é o grande disco deste ano para condenados e atrevidos. Considerem-se avisados.
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