9.01.2010
Reality hunger
O realismo, a fome de realismo (da impressão de realidade e do impacto emocional e cognitivo que causa e que deixamos escapar "por entre os dedos" nas nossas vidas), é algo que o filme de Christophe Honoré, Não Minha Filha, Tu Não Vais Dançar, compensa em substância.
A disfuncionalidade familiar, tema que tem preenchido a obra do realizador francês, uma vez mais regressa colocando em contraponto os cenários rural e urbano para idêntica manifestação de desarmonia. A nota dissonante principal que tudo contagia, corresponde à figura de uma das irmãs, Léna, interpretada pela aqui magnífica-extraordinária Chiara Mastroianni, em permanente movimento de fuga, a cada instante pondo a descoberto o caos interior que se repercute à sua volta e de novo sobre ela. O retrato desta "mulher sob influência" permanecerá connosco bastante depois de o filme ter terminado.
É o melhor Honoré desde Em Paris (2006), aliás obra para a qual se encaminha à medida que a acção se desloca do cenário de província (filmado à Téchiné), para a capital francesa (cada vez mais reconhecível nos traços de Christophe Honoré). A tal desejada impressão de realidade consubstancia-se na qualidade da escrita, na ambiguidade que denotam as personagens dominantes, na capacidade de organizar um todo convulso que ora se desagrega ou reagrupa. É assinalável o modo como Christophe Honoré transmite esta dinâmica familiar que ao mesmo tempo que conforta e protege, também infantiliza quem protege com a sua condescendência. Esta ambivalência é uma tensão central no percurso do cine-filho Honoré, embora nunca antes tivesse encontrado tão pujante representação como na personagem de Chiara Mastroianni.
Um filme perfeito (seja o que isso for)? Muito bom filme mas não perfeito. Em cima do final, Honoré belisca a qualidade homogénea desta sua obra ao sobrepor uma canção de Antony & the Johnsons a nova e previsível tomada de decisão da protagonista. Por demais diegética, aquela música (Another World) diz rigorosamente o mesmo que as imagens, sendo de lamentar este momento de fra(n)queza da parte de Honoré, que ao longo do filme ganhara em praticamente todos os outros gestos de artificialismo. Ainda assim, Não Minha Filha, Tu Não Vais Dançar mantém-se demasiado próximo da realidade caótica das vidas comuns (que são todas).
ESTREIA AMANHÃ.
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