9.29.2010
Olhos de serpente
Não chega para dizer, com palavras de Graham Greene, que "isto é (um diário) feito de ódio". Será, em alternativa, o álbum do ressentimento. Amoroso. Camané não baixa a fasquia e não nos facilita a vida. Não facilita a vida dele próprio, equilibrando-se sobre palavras mais vulgares que antes. Vocábulos comuns e correntes que se agarram aos cacos. É talvez o seu disco mais cerebral, e a coisa lá terá que ver com o conceito: Do Amor e dos Dias. É preciso descascá-lo; irei descascá-lo pacientemente para encontrar novas emoções que traga presas no fundo. A voz, séria, suspensa, serpente, desenrosca-se para nos fazer descer: lá onde é mais quente e onde dói mais.
bebi entre os teus flancos a loucura
nesta dor em que me vejo/ de nos ver quase no fim
sofrer bem sei/ mas prender-me nunca mais
de nada, nada se tira/ a nada, nada se dá
ao peito levo a rosa que trazias/ tingida pelo sangue dos teus dedos
amo-te à minha maneira/ não sei se é crime ou castigo
teus olhos sensuais/ libidinosa Marta
podes amar quem quiseres/ que em cada beijo que deres/ hás-de lembrar-te de mim
és passado sem presente
eu tenho mais que fazer/ não vou na tua cantiga
e agora quando me deito/ tu és o sonho desfeito
torcias/ contra a nossa selecção
e num bar fora de horas/ se eu chorar perdoa
lá no fundo dos copos encontramos/ e por vezes sorrimos ou choramos
a meu favor/ tenho o verde secreto dos teus olhos
o amor é o amor – e depois?!
[composição livre feita com letras de todos os fados de Do Amor e dos Dias. Palavras de: David Mourão-Ferreira, Sérgio Godinho, Frederico de Brito, Manuela de Freitas, Luís Viana, Miguel Novo, Cesário Verde, Maria Margarida Castro, Fausto Bordalo Dias e Alexandre O'Neil]
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