11.02.2009

Não vamos ver este filme (o que perdemos?)













André Téchiné realizou Les Témoins em 2006. Tanto tempo depois não é plausível que venha a ter estreia comercial entre nós. Téchiné acrescentou entretanto um novo título à sua obra: La Fille du RER. O que ficámos a perder? Há o princípio sempre de lamentar que passa por ver um cineasta com que nos habituámos a privar que não encontra espaço na programação das salas portuguesas que acumulam produtos indigentes a cada nova semana. Les Témoins é um filme arriscado (pelos motivos mais académicos, quem diria?) e é ao mesmo tempo um dos títulos mais acessíveis do realizador francês. A SIDA tornou-se uma doença esquecida a não ser por aqueles que com ela privam nas suas vidas. Os doentes sobrevivem muito mais tempo, e alguns revelam-se mesmo casos surpreendentes de resilência. Só que Les Témoins, à semelhança dos teledramáticos surgidos na época, reporta aos tempos da eclosão do flagelo e das primeiras diligências efectuadas no seu combate, para tratar verdadeiramente da convivência de um grupo de amigos que estará intimamente ligado a esse momento em que a SIDA se manifestou na sua implacabilidade perante o nosso desconhecimento. Olhado com os olhos do presente, isto representa o lado menos interessante (o já visto). O que nos agarra, o que traduz a sensação de pertencermos àquela história tem que ver com qualidades que se mantêm inalteradas no cinema de André Téchiné. A sua paleta humana é vasta, surpreendente nas contradições, e Téchiné é exímio a dirigir o grupo de actores que inclui incondicionais (Émmanuelle Béart), outros consagrados (Michel Blanc), e descobertas (Johan Libéreau). E também o facto do filme funcionar muitas vezes como variação sobre personagens canónicas do universo Téchiné, de novo baralhadas na sua função. Não poderei ser tão assertivo ao ponto de dizer que Téchiné faz sempre o mesmo filme. O que se passa é que os temas que lhe interessam atravessam toda a sua filmografia, e isso permite reencontrar personagens e situações que introduzem ligeiras variações sobre exemplos do passado. Para quem viu J'Embrasse Pas, um título do começo dos anos 90, Les Témoins pode bem levar à assaz estimulante comparação. Deixo para o fim a nota particular para o modo como Téchiné faz eclodir sentimentos que ligam de diferentes maneiras, e com intensidades diversas, as personagens. Mantendo-se sensível a um tipo de figura masculina jovem, viril, com um charme que tem qualquer coisa de selvagem (também pelo modo como exprime uma sensualidade liberta de constrangimentos), Téchiné é alguém que dá conta da individualidade do desejo, porque ninguém tem a mesma forma de gostar e cada um procura entregar-se à sua maneira.

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