10.30.2006
Double Streep
Meryl Streep integra o elenco de dois filmes estreados na passada quinta-feira, que por capricho acabei vendo no mesmo dia, ontem. O de Robert Altman é muito fraco. A Prairie Home Companion obedece à estrutura da derradeira emissão de um programa de rádio, gravado ao vivo, e tem actores a fazer de músicos, músicos a fazer deles próprios, um anfitrião algo monocórdico (Garrison Keillor, as himself), e tem também a aplicação do método de filmar de Altman que assenta fundamentalmente em fazer a câmara cheirar cada canto dos bastidores do Teatro Fitzgerald onde a acção tem lugar, em busca das histórias mínimas daquela gente toda. E tem finalmente Virginia Madsen entregue à figura de uma assombração benévola que não se percebe lá muito bem o que anda ali a fazer, a não ser falar da sua morte já ocorrida e prenunciar a morte de alguns outros personagens. Depois de Gosford Park, Robert Altman continua a marcar passo...
Já The Devil Wears Prada não é assim tão superior. Por muitas voltas que se lhe dê, é impossível ver nisto mais do que a história da Cinderela que quis voltar à condição de gata borralheira. Pense-se ainda em Pretty Woman (a fantasia de qualquer adolescente desfavorecida ou de qualquer jovem imberbe com hormonas aos saltos por Julia Roberts de botas de cano alto); pense-se em Oficial e Cavalheiro (a sobrevivência num meio hostil, com uma editora da proto-Vanity Fair na vez de um sargento dos marines) e aplique-se os dois modelos ao universo da moda à escala de um qualquer arranha-céus de luxo de Nova Iorque. O que fica então? Fica o conceito de fashion victim ilustrado no sentido mais literal e estereotipado, ao qual sobrevive apenas a composição de Meryl Streep, sofisticadíssima e com uma bela cabeleira branca. Ela é o diabo que dá nome ao filme do não sei quem, que talvez convença apenas a mais desesperada das donas de casa. Embora distrair seja faculdade que não lhe podemos negar. Como repetiria o outro ou eu mesmo, vê-se.
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