12.19.2011

Viver e morrer pela imagem














Os fracassos de Drive e Melancholia talvez se possam melhor explicar pela sua relação equivocada com a música. É certo que Nicolas Winding Refn e Lar von Trier parecem misturar cinema com um alinhamento de imagens vistosas e carregadas de uma simbologia de papelão. Esteticamente muito diferentes entre si, tanto Drive como Melancholia podem ser confundidos com cinema "wallpaper", arte visual que se esgota na sua proposta gráfica. Mas então e a música? Ou reformulando, as músicas? A avaliar pelos resultados, Nicolas Winding Refn terá confundido a espessura do seu filme com a de uma canção pop (electrónica) dos anos 80. Drive é poroso e açucarado como uma embalagem de Maltesers (eu gosto de Maltesers). É justo invocar a influência de To Live and Die in L.A. de William Friedkin (ou o cinema de Friedkin em termos gerais) mais até que a dos filmes recentes de Michael Mann, só que estes dois nomes trazem ambiguidade onde Winding Refn não consegue ser outra coisa que ingénuo. O filme é tão berrantemente anacrónico que podemos pensar na ironia da proposta, só que nada ali vai além dos mínimos requisitos de densidade, dramatúrgica ou psicológica, e apesar da competência com que é filmado (as cenas com automóveis são muito boas), não se acredita em nada daquela fantasia. E Ryan Gosling, que parece a versão metrossexual da Barbie, a fazer de durão inexpressivo com ar angelical, não convencia ninguém nem mesmo na década de 80.















Melancholia tem o tipo de prólogo diegético a que von Trier nos habituou, com movimentos ao "ralenti", aos quais é sobreposta a música de Wagner que torna solene qualquer disparate. O filme de von Trier está muito distante do disparate que representou para mim o anterior Anticristo, obra de um sensacionalismo gritado e oco. Aliás Melancholia é bastante sóbrio tendo em conta a proposta do filme sobre o fim da humanidade vitimada pela colisão de outro planeta com a Terra. Encontra-se dividido em duas parte que receberam o nome das irmãs protagonistas: Justine e Claire. A primeira metade ocupa-se da personalidade deprimida e caprichosa de Justine, que se casa e descasa no decorrer de uma noite de festa marcada pelo cinismo e pelos sinais de desagregação familiar e social entre os convidados. Se o filme terminasse aqui a experiência teria sido interessante sem nada que a individualizasse, mas também não é de boa fé dizer que von Trier se limitou a copiar o filme do compatriota Thomas Vinterberg (Festen, 1998). A parte complementar, com o número de personagens reduzido às duas irmãs e ao marido e o filho de uma delas (Claire), é que afunda o projecto no aborrecimento. O planeta vem, vai e volta de novo, as manas passeiam a cavalo, os homens distraem-se em práticas de ciência, uma das irmãs padece da influência do Melancholia, a outra angustia-se com a possibilidade real do fim do mundo. E a música de Wagner regressa por várias vezes para tentar trazer o sentido trágico, operático e transcendente a tudo isto. Só que música e imagens são em Melancholia naturezas distintas que nunca se acrescentam uma à outra. Quando o mundo acaba somos invadidos por um sentimento de alívio. Aposto que não era esta a intenção de von Trier, mas também há quem leve Melancholia (um filme sério) muito a sério.

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