12.05.2011

Tudo bons rapazes


















Curioso como o melhor de Habemus Papam está concentrado na primeira metade do filme: a mais silenciosa, mais lenta também, que corresponde à manifestação da relutância do cardeal Melville em aceitar ser o novo Papa e à incursão, a partir de certa altura forçada, do psicanalista interpretado por Nani Moretti nos espaços "secretos" do Vaticano. Moretti filma este ambiente de clausura com enorme empatia e mostra os cardeais anteriormente reunidos no conclave como rapazes inseguros e atemorizados com a perspectiva de nova votação. Há um momento muito bonito quando o psicanalista percorre os quartos dos cardeais para lhes desejar as boas noites, e observamos como cada um se entretém antes de dormir. Rituais que todos temos enquanto adiamos o sono. Os rituais de sempre e das várias idades. São homens de 50, 60, 70 e mais anos filmados como se se tratasse de jovens acabados de chegar ao seminário. O retrato de Moretti humaniza a Igreja. Os rostos e as personalidades dos cardeais fazem o resto. Tudo isto embrulhado por corredores labirínticos e jardins perfeitamente mantidos e percorridos pela guarda papal cujo traje parece saído de Alice no País das Maravilhas. Até aqui Habemus Papam assemelha-se a um filme realista tocado pela fantasia que se instala pelo carácter dos espaços revelados de um Vaticano reconstituído, e pelo tempo da espera onde se manifesta a natureza dos cardeais do mundo inteiro. Todos trajando de igual mas com traços individuais de personalidade que acentuam aspectos cómicos da eterna juventude.
Quando a personagem do Papa renitente de Michel Piccoli se evade para redescobrir a vida, os motivos antigos e interiores da sua ansiedade, ir ao encontro das outras pessoas e da sua paixão oculta pelo teatro, estes momentos alternados com as actividades lúdicas que o psicanalista de Moretti organiza para distrair os cardeais da fuga de Melville que lhes será escondida até quase ao final, Habemus Papam passa para um registo de emotividade clara mas também redundante. Os gestos tornam-se mais expressivos, os diálogos adquirem outra urgência, tudo se deixa impregnar de uma histeria que não é estranha ao cinema de Moretti graças à personagem emblemática dos primeiros filmes, Michele Apicella. Habemus Papam nunca deixa de ser obra inteligente, com sentido de humor apurado ou noutras ocasiões demasiado carregado de simbolismo, a sua grandiloquência é constantemente sabotada por um registo de paródia que se encerra num tom de estranheza e secura incomodativas. Moretti não abdica do retrato humano do cardeal Melville até nos planos finais, e dir-se-ia que é a personagem que dá uma conclusão ao filme por oposição a uma lógica de cinema para onde concorre a vontade dos espectadores. Habemus Papam é filme de rapazes com final adulto. Não se fiem no título.

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