1.04.2011

Deus está inocente (é apenas uma ficção)



















Studio 60 on the Sunset Strip é uma série dramática criada pela dupla papa-Emmys, Aaron Sorkin e Thomas Schlamme, que proporciona para cima de 800 minutos de entertenimento rápido e inteligente (um consumo tão vertiginoso quanto o divertimento obriga a que a série seja vista no prazo máximo de uma semana). Muito acelerado mesmo, mas que de acordo com a minha teoria tinha a continuidade comprometida por volta do episódio 14 da primeira temporada. Não houve segunda época para o Studio 60. Em que se baseia a suspeita? No conteúdo da série após o episódio-duplo em que um dos protagonistas, Harriet Hayes (interpretada pela dulcíssima Sarah Paulson), se encontra prestes a receber um prémio da organização Católicos na Comunicação Social. Harriet tem longa história de amor/desamor com um dos produtores executivos do Studio 60 (Matt Albie), e a frustração de ambos perante a incapacidade de ficarem juntos transborda numa conversa minutos antes de Matt ser suposto apresentar a homenageada da noite. Harriet e Matt desmascaram-se nas fraquezas motivadas por um narcisismo que é comum a muitas personagens do Studio 60, e com o qual o espectador não absolutamente hipócrita tenderá a identificar-se. Gente que faz da sua profissão a busca de reconhecimento alargado, a cada semana e a todo o instante. Me, me, me.
A partir daqui e até que se esgotem os 22 episódios que constituem a existência televisiva de Studio 60, os criadores da série optaram por enchê-la com algo que nunca havia passado dos sketches do programa para a acção "principal". Matters of life and death. A grande história. Além dos eventuais momentos estrambólicos que resultam numa espécie de meta-Studio 60. E aí vem a Guerra do Afeganistão (em comunicação com o 11 de Setembro de anos antes) que remete para o irmão de outro dos protagonistas, Tom Jeter (o comediante com má consciência de não ser suficientemente patriota), vítima de sequestro junto com o grupo de militares da sua companhia, ou a entrada forçada de Jordan McDeere (directora de conteúdos do canal, que tem o rosto e o resto de Amanda Peet) no hospital, para um parto provocado que motivará algumas lágrimas. Pode parecer que estou investido do acto de contrição da dupla Sorkin & Schlamme, românticos empedernidos e liberais assumidos, que terão cedido ao caudal das causas e valores quando o futuro de Studio 60 estava perdido. Envoltos no ritmo faíscante dos bastidores de um programa cómico filmado na presença do público, é o romance que verdadeiramente (me) interessa. Porque os seus efeitos permanecem. Porque é antiquado, utópico, confuso, e fruto de inspiração divina que baixou sobre o guionista. Um deus que havia trocado frequentes vezes a agenda de sentimentos liberais pelas emoções atávicas.

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