Uma daquelas frases que matam com a lucidez, atribuída ao jornalista e dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, diz isto: "dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro". Genericamente, e se as vazarmos do cinismo, são palavras que vestem que nem luva o último filme de Brillante Mendoza. De que outra coisa Lola trata que não do engenho humano, centrado aqui em duas avós que tal como milheres de outras pessoas sobrevivem como podem, junto das famílias, nas ruas de Manila, cenário de total miséria acossada permanentemente por valentes chuvas que deixam parte da cidade quase submersa. As idosas são respectivamente a avó do assassino e a da sua vítima, e irão estabelecer um acordo monetário só delas que permite salvar da condenação o neto da primeira. O pragmatismo não chega a ser chocante, já que Mendoza prepara o terreno com vagar. Lola tem o ritmo das octagenárias senhoras. Chega a aborrecer de tão coerente que é. Aprendemos com elas que naquela sociedade, tratando-se de gente tão pobre, não faz sentido pedir outra noção de justiça. O dinheiro é prioritário sobretudo para que tem falta dele. A dívida gerada com a morte do neto de uma das "lolas" (que na língua local, repleta de estrangeirismos, significa"avó" ou "avózinha"), dívida que se prende com o amor roubado com o roubo da vida, será esquecida mediante a entrega do bem precioso: um arranjinho de gente sábia.
Debruçando-me agora sobre elementos específicos da linguagem cinematográfica, devo dizer que Brillante Mendoza tira o maior partido do realismo extremo dos locais onde filma, com a mobilidade que lhe reconhecemos de títulos anteriores e a mesma propensão para a coreografia, o que não impede que fiquem por resolver variadas elipses que parecem sempre atabalhoadas, assim como o sublinhado pela música dos instantes significativos de Lola ganharia em ser menos denunciado. Resumindo, para concluir: um bom filme com o qual nunca me cheguei verdadeiramente a envolver.
Envolvi-me, isso sim, com A History of Mutual Respect, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, a curta-metragem que abre para Lola. Abrantes é um discípulo algo camaleónico do cinema experimental da década de 70 e seus sucedâneos, que parece citar Werner Herzog num instante, depois muda-se para o carácter abstracto de algum Gus Van Sant, para logo em seguida meter-se por trilhos percorridos pelo tailandês Apichatpong Weerasethakul. Os aspectos mais fortes de A History of Mutual Respect decorrem da sua pansexualidade dirigida aos elementos quer naturais quer humanos. O magnetismo animal do próprio Gabriel Abrantes (actor, argumentista, realizador), resulta da convergência da androginia com ingenuidade poseur e predação lúbrica. Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt experimentam e seduzem. Primeiro hipnotizam com a torrencialidade "extática" das Cataratas do Iguaçu, antes de se aventurarem por demais liberdades poéticas. A History of Mutual Respect é um objecto que se abre, aliás, para originais e surpreendentes figurações do desejo.
10.06.2010
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