6.04.2010

Não há orgasmos grátis
















Nos últimos três filmes de Jean-Claude Brisseau – Coisas Secretas (2002), Os Anjos Exterminadores (2006), À Aventura (2008) – é frequente a presença de mulheres muito belas muito nuas. No entanto é possível assistir a estes filmes sem experimentar algo que vá além da moderada excitação sexual, apesar do prazer de para eles olharmos poder ser grande: algo que é mais da ordem da escopofilia que do voyeurismo. Pode-se simplificar ao ponto de dizer que a obra recente do francês toma por assunto a exposição/exploração do prazer feminino (sob a insistente figuração do acto masturbatório), que pode ser fruído sem que sintamos o impulso de participar do prazer onanista. O tema pode até ser a tentativa de identificar o que desperta o prazer em cada mulher (e de como se manifesta no rosto e nos corpos), embora o deleite que essas mesmas obras proporcionam seja sobretudo de ordem estética (o que imediatamente demarca os filmes de Brisseau da pornografia, cuja formatação implica duração, repetição e ejaculação).
Jean-Claude Brisseau manipula o espectador na exacta medida em que os seus protagonistas são manipulados pelas mulheres de que se aproximam. Eles querem delas alguma coisa (essa coisa que é secreta), e vão ter de pagar por isso. Brisseau é ao fim e ao cabo um moralista que se aventura pelos caminhos da licenciosidade. Os seus filmes deixam a sensação de que as figuras femininas têm sempre a última palavra e de que ele se distrai com a ingenuidade dos homens que ousam pensar que controlam a situação. O cinema de Brisseau serve-se de vários registos que colocam obstáculos a quem os procura entender com clareza. Ele gosta do surrealismo, aprecia o fantástico, cultiva o erotismo, usa diálogos para nos trocar as voltas para aquilo que nos poderia elucidar e busca um sentido poético no seu trabalho. Nada garante o que Brisseau possa saber das mulheres. Ele idealiza-as, quer sob a forma de aparições, de anjos que empurram o homem para o precipício, ou então pelo facto de as escolher sempre jovens e esbeltas. Talvez seja o último farsante que nos arrasta para o jogo sabendo de antemão que irá perder.
Com Os Anjos Exterminadores, fascinante especulação liberta de todo o tipo de dogmas, Jean-Claude Brisseau mistifica ao mesmo tempo que desconstrói os fantasmas sexuais femininos, e apresenta uma versão ficcionada dos acontecimentos que o fizeram incorrer em problemas com a justiça, decorrentes do filme anterior (Coisas Secretas). Nada como um libertino para dar na justa medida o mundo fechado em que ainda vivemos. Suposto libertino no cinema e um moralista na vida, com tudo o que deste passa para aquele. Ao menos Brisseau sabe bem distinguir misturando as duas coisas. Também ele, seguindo Godard e emprestando-lhe um sentido que do poético faz matéria visual concreta, pode dizer que tenta representar pelo cinema um universo mais de acordo com o desejo. No caso o desejo de saber (a ilusão do poder).

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