A questão da crença no confronto com as imagens em movimento é algo que nos deve interrogar desde os primórdios do cinema. Pode-se dizer que o estímulo óptico novo era mais preponderante nos primeiros espectadores sobressaltados com a "chegada do comboio" que parecia vir na direcção deles, mas mesmo que inconscientemente havia já ali uma forte impressão de realidade a contribuir para o sortilégio do espectáculo.
Quando Jean-Claude Brisseau filma no início da década de 90 a história de Céline, depois de Cocteau, de Dreyer, de Hitchcock, de Buñuel ou de Bresson, a questão ontológica da fé aplicada à imagem cinematográfica, à representação do milagre em sentido literal, só pode ser equacionada por via do descondicionamento do trabalho do espectador e pela disponibilidade intelectual para aceitar a representação do inefável.
Quando Jean-Claude Brisseau filma no início da década de 90 a história de Céline, depois de Cocteau, de Dreyer, de Hitchcock, de Buñuel ou de Bresson, a questão ontológica da fé aplicada à imagem cinematográfica, à representação do milagre em sentido literal, só pode ser equacionada por via do descondicionamento do trabalho do espectador e pela disponibilidade intelectual para aceitar a representação do inefável.
Brisseau filma a história de uma rapariga privilegiada que "nasce" de novo aos 22 anos, depois de ter considerado tudo haver perdido. A sua convalescência irá ser acompanhada por uma enfermeira de província que inicia a jovem na meditação, na prática do yôga e na entrega dos seus cuidados a outros (na compaixão). A desidentificação de Céline (Isabelle Pasco) com o seu ego será de tal ordem que chega a atingir estados de transe místico que mais tarde a levarão a optar por uma vida totalmente dedicada à espiritualidade.
Isto considerado, há que acrescentar que Céline não podia ser mais distinto do que usamos entender por hagiografia. Existe um grande desassombro (realista) no modo como Jean-Claude Brisseau regista os momentos em que as faculdades de Céline se manifestam, e num plano tangível o filme trata da relação entre duas mulheres (uma história de amor sem corpos/desejo) e da transmutação da força de uma na outra. Céline é ainda observado à distância pela figura da morte que sobre ele paira, sendo também um filme cercado de vida: a começar no cenário campestre onde Brisseau decidiu situar a acção, e na utilização ponderada da música do enorme Georges Delerue.
Isto considerado, há que acrescentar que Céline não podia ser mais distinto do que usamos entender por hagiografia. Existe um grande desassombro (realista) no modo como Jean-Claude Brisseau regista os momentos em que as faculdades de Céline se manifestam, e num plano tangível o filme trata da relação entre duas mulheres (uma história de amor sem corpos/desejo) e da transmutação da força de uma na outra. Céline é ainda observado à distância pela figura da morte que sobre ele paira, sendo também um filme cercado de vida: a começar no cenário campestre onde Brisseau decidiu situar a acção, e na utilização ponderada da música do enorme Georges Delerue.
Com Jean-Claude Brisseau o cinema torna-se uma arte livre e poética, bela e utópica. Para acreditarmos temos de olhar as coisas como ele as filma. De frente. E aceitar que aquilo que vemos possa ser o que vemos e algo que é também outra coisa. Porque o pensamos e porque o sentimos.