12.30.2008

Identificação de um fado
























É corajoso da parte de Helder Moutinho, que ainda por cima é pessoa que está por dentro das áreas que dizem respeito à gestão de uma carreira artística, fazer lançar o seu disco discretamente e numa altura em que já não vai a tempo dos balanços de 2008, e poderá muito bem ficar esquecido na panorâmica de edições do próximo ano. Nada posso acrescentar relativamente às responsabilidades do risco corrido, apenas ir contra ele e dar eco das minhas primeiras impressões sobre o disco. Que fado é este que trago? é o degrau que se segue a Luz de Lisboa, um belo disco de fado, coeso, que se encontra no topo das minhas preferências do ano de 2004. Parece-me de novo que Helder Moutinho corre numa outra pista, embora concorra para o vigor que o fado recuperou de há alguns significativos anos a esta parte. Esse percurso paralelo, aparentemente liberto de pressões que ele por certo sentirá ao se ocupar da carreira de outros companheiros seus do fado, permite-lhe tomar as opções motivadas por cada novo disco, por exclusivos conta e arrojo. É isso que se sente ao escutar Que fado é este que trago?, uma interrogação a que ninguém, melhor do que o próprio Helder Moutinho, pode dar resposta. Ele que nasceu num berço de fado, que tem nos irmãos (Camané e Pedro Moutinho) duas das vozes mais distintas do género, que se mantém na vivência que acrescenta tarimba e genuinidade, que escreve e que passou a musicar também, numa polivalência gerida com a parcimónia que o respeito pela tradição lhe inspira. Helder Moutinho é intérprete sério de costela renovadora. Destaca-se nos fados tradicionais que são e serão sempre o chão mais sólido. Não se inibe de trazer para o fado instrumentos como o acordeão, o que poderá não ser inédito, mas que se saúda porque nunca é seguro que o corpo do fado não rejeite este tipo de experimentação; e de permitir o protagonismo de uma nova geração de músicos (como Ricardo Parreira) ou de letristas (como Diogo Clemente e Luiz Caracol) que dão boa conta da confiança neles depositada. O resto, que é muito, é só e exclusivamente de Helder Moutinho: muitas palavras, algumas melodias, e uma voz cada vez mais funda e verdadeira. Que fado é este que trago? Este fado é propriamente ele.

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