10.31.2011

Baseado em factos sempre reais


















Elegia a um tucano morto

O sacrifício da asa corta o voo
no verdor da floresta.
Citadino
serás e mutilado,
caricatura de tucano
para a curiosidade de crianças
e a indiferença de adultos.
Sofrerás a agressão de aves vulgares
e morto quedarás
no chão de formigas e de trapos.

Eu te celebro em vão

como à festa colorida mas truncada
projeto da natureza interrompido
ao azar de peripécias e viagens
do Amazonas ao asfalto
da feira de animais.
Eu te registro, simplesmente,
no caderno de frustrações deste mundo
pois para isto vieste:
para a inutilidade de nascer.


Este foi o último poema de Carlos Drummond de Andrade, entregue pelo poeta ao dono do tucano morto. Uma lição de vida, talvez. Hoje foi o dia dele.

Dormir com tubarões e acordar para mostrar o resto




















O peixe lua parece um relógio esculpido na rocha.






















O animal mais aborrecido do Oceanário, a garoupa.






















Lontra que é lontra habita a felicidade perpétua.






















O peixe balão dá ares de brinquedo, mas mata.






















Ao pó regressamos, homens e sapos e todos.


Fotografias: Lia Ferreira

Parte 1

Dad







































STREETFSN, um blog de HB Nam.

10.28.2011

Cody o cão de três patas



Diz-me o que deixas dentro ou fora de campo e dir-te-ei que cineasta és. O correctivo aplicado ao cão e apenas escutado, tem piada integrado na lógica da cena e do próprio filme. Se o gesto fosse visível seria de uma crueldade desnecessária. Mesmo sendo aquilo que muitos de nós fazemos aos nossos cães sem gostar deles menos por isso. O cinema amplia todos os gestos e torna-os como que exemplares. Por isso, independentemente do tipo de filme, há regras do dentro e fora de campo que se aplicam sempre. Sobretudo as regras morais.

O filme em análise dispensa apresentações.

O meu God Newman















Também tenho o meu Paul Newman! A escolha é difícil. É preciso escolher? É irresistível fazê-lo. O meu Paul Newman corresponde ao meu filme preferido protagonizado por ele. Nesse filme, O Veredicto, Paul Newman é um advogado desacreditado que tem a vida num caos. Ninguém o respeita a começar por ele próprio. Um farrapo. Alcoólico curvado dentro de um sobretudo sujo. Mas aqueles olhos azuis aguentam tudo com a dignidade dos... belos. O advogado vai pegar num processo de negligência médita que devia superar as suas capacidades. Vai dar trabalho à defesa constituída por uma firma antiga e muito prestigiada da advocacia nova-iorquina. Vai enfrentar James Mason. Vai apaixonar-se por Charlotte Rampling para mais tarde vir a descobrir que ela está feita com o adversário. Vai aguentar as ressacas com a receita de sempre: um ovo cru deitado para o interior de uma caneca de cerveja. E no fim vai triunfar. Recupera a dignidade que nunca havia perdido por completo. Afinal trata-se do Paul Newman, ó messa.

para a minha Goddess na terra.

Never let me go



Keith Jarrett (piano), Gary Peacock (contrabaixo), Jack DeJohnette (bateria).

A capacidade de se ser humano


























Nassim Nicholas Taleb numa ilustração para a New Yorker (2002)

Os aforismos, as máximas, os provérbios, os pequenos ditos e, até certo ponto, os epigramas são a mais antiga forma literária – frequentemente integrados no que agora chamamos poesia. Encerram a compacidade cognitiva do chavão (embora sejam quer mais poderosos quer mais elegantes do que a versão inferior atual), com alguma mostra de bravata na capacidade de o autor comprimir ideias poderosas em meia dúzia de palavras – particularmente num formato oral. Com efeito, tinha de ser bravata, porque a palavra árabe para um dito improvisado é «ato de masculinidade», embora tal noção de «masculinidade» seja sexualmente menos carregada do que parece e também possa ser traduzida por «as capacidades de se ser humano» (virtude tem a mesma raíz em latim, vir, «homem»). Como se aqueles que conseguem produzir pensamentos com esse poder fossem investidos de poderes talismânicos. (...) Nunca se tem de explicar um aforismo – como a poesia, é algo que o leitor necessita de enfrentar sozinho.
[p. 107/108]


Alguns aforismos retirados das partes que li de A Cama de Procusto, de Nassim Nicholas Taleb:

A pessoa que mais receamos contradizer somos nós próprios.

Se a sua raiva diminui com o tempo, praticou uma injustiça; se aumenta, sofreu uma injustiça.

A procrastinação é a alma a revoltar-se contra o aprisionamento.

É mais difícil dizer não quando realmente queremos dizer não do que quando não queremos.

Normalmente, chamamos de «bom ouvinte» a alguém com uma indiferença habilmente refinada.

A maioria das pessoas receia perder o estímulo audiovisual por ser demasiado repetitiva quando pensa e imagina coisas por si própria.

É difícil travar o impulso de revelar segredos em conversa, como se a informação manifestasse o desejo de viver e o poder de se multiplicar.

Amor sem sacrifício é como roubo.

10.27.2011

Eu também




















Celebro o regresso do Francisco Mendes da Silva à blogosfera a título individual.

Eles estão a caminho



O novo disco chega a 6 de Dezembro.

A título de bónus deixo o trailer de Howlin' For You, filme que aposto nunca chegará às salas de cinema.

10.26.2011

John Carpenter para piegas












Um ser de outra galáxia desce à Terra, assume a forma humana, junta-se a uma mulher e passa uns dias no nosso planeta que resumem a experiência da vida, mas sobretudo o conjunto das emoções que nos definem enquanto espécie. É capaz de ser uma boa forma de encerrar o dia.

Chapéus-de-chuva



Foi um professor da Escola de Cinema de cujas aulas eu mais gostei e de quem me tornei amigo, que explicou para a turma que o filme de Jacques Demy é sobre o tempo dos sentimentos. Sobre o que certos sentimentos, no caso o amor, representam quando os sentimos, e de como uma vez perdidos se tornam irrecuperáveis sob a forma inicial. Já aqui se tratava de um final não feliz como as nossas vidas se encarregam de repetir. Um filme tão estilizado e tão próximo da vida, o Demy. Claro que os românticos verão sempre no amor a eternidade e perante finais não felizes (final feliz é um paradoxo, n'est-ce pas?) sentem mais fundo. O cinema acena-lhes com a vida para apaziguar a dor. Quem nunca sofreu por amor que feche o guarda-chuva e saia por aquela porta.

Chove sobre o nosso amor





















Há muitos anos atrás, não sei precisar se na década de 80 ou 90 (do século passado como agora se diz), a RTP exibiu uma retrospectiva de Ingmar Bergman constituída por cerca de três dezenas de filmes. O primeiro que gravei e também o primeiro a ser mostrado foi a obra inaugural de Bergman, Chove sobre o Nosso Amor/ Det regnar på vår kärlek (1946). Nesse tempo eu sabia bem o que era chuva.

Lar doce lar


























Com a devida autorização da dona da casa.

10.25.2011

Dançando com tubarões



Resposta de Marido Exemplar (letra de Pedro Rodrigues) pelos Tubarões de Ildo Lobo. Nunca fiz disto modo de vida (é preciso ter alguém ao lado que fale crioulo e traduza esta história do tipo que deixa a mulher em casa para ir curtir a noite com amigos e outras damas) mas foi muito meu modo de dança. O desaparecimento de Ildo Lobo deixou um espaço que nunca será preenchido.

Masculino e feminino


























Patrick Petitjean fotografado por Anthony Maule e outro sujeito que é provavelmente aquele. Tudo está contido em tudo.
(descobertos aqui)

Todos mostraram serviço. Bravo.


















É nosso o jogador mais empolgante do campeonato.

foto: Rafael Marchante (Reuters)

10.24.2011

A dança pura de Akram Khan





'Submarino' fica-lhe bem

















O que é um casal? Porque é que um homem e uma mulher se mantêm juntos? Submarino tem sensibilidade para não arriscar respostas definitivas para questões eternas que existem em qualquer história por mais pequena que seja. Podemos encontrar nele uma narrativa banal que passa pela manifestação da consciência moral do protagonista adolescente (um óptimo Craig Roberts), a par das dores de crescimento que em tantas alturas tomamos por definitivas: alguém, penso que o pai (extraordinário Noah Taylor), repete ao filho, Oliver, que aquilo que lhe causa sofrimento não terá qualquer importância quando este tiver 38 anos (porquê 38 anos? :). O pai, deprimido, resignado ou assim, que é das presenças mais fortes do filme de Richard Ayoade, um corpo e uma fisionomia que parecem prolongar a melancolia deste objecto para lá daquilo que se vê e do seu tempo de duração.
O que impede que Submarino seja um filme melhor conseguido passa pelo seu carácter justamente fragmentário. Tarantino ou Wes Anderson souberam trabalhar recentemente esta questão no cinema atribuindo-lhe densidades plástica e psicológica. Ayoade deixa os malabarismos visuais suspensos, tipo efeito para fazer cool enquanto se distrai os impacientes, sem que se sinta que Submarino não pudesse ser contado de modo mais simples e escorreito. Pouco dito, o filme consegue manter-se à tona das suas algumas redundâncias.

O sol enganador

Os tons de um domingo escuro vêem-se bem quando é dia. Podemos adiar a chegada do tempo outonal evitando janelas, fechando-nos com as portas que se abrem sempre da mesma maneira. Despedi-me de ti hoje por entre as cores verdadeiras de todos os anos. Demasiada realidade para um amor tão jovem, mas não troco o luz do sol pelo movimento dos teus braços.

10.23.2011

Naturalmente um grande filme político













Diz-me quanto dinheiro fazes, dir-te-ei quanto vales. Tony Montana (Scarface, 1983 ) é morto pelo capitalismo que o tornou preguiçoso, paranóico e desleixado. Pode parecer contraditório mas é mesmo assim. A certa altura para quem tem tudo só a morte pode acrescentar algo mais. A morte como possibilidade de nos regatar para a condição em que nos tornamos todos iguais. Tony foi grande enquanto teve de sobreviver para se afirmar, ele que nunca deixou de ser olhado com preconceito por aqueles com os quais desejava ser comparado. Este é um grande filme de Brian De Palma, embora continue a preferir Carlito's Way feito com o mesmo Pacino dez anos depois. Será sempre mais pungente a morte do homem que perde a única coisa que quer, que a daquele que pela morte se pode livrar finalmente do quanto ilusoriamente acumulou. A diferença entre Tony Montana e Carlito Brigante é a do homem que gastou tempo a reflectir e se tornou sábio em relação à maioria. O homem que gastou tempo a aprender a amar.

All human
















Temos tendência para olhar para a equipa dos All Blacks como se fosse constituída por super-homens para quem o jogo é uma extensão natural da vida e da sua superioridade também. Os franceses, derrotados na final por 8-7, tiveram o mérito de fazer os All Blacks parecer normais a maior parte do tempo. Foi com a humildade e a capacidade de sacrifício dos homens que a equipa liderada por Richie McCaw obteve o tão desejado triunfo.

10.21.2011

Agora fiquei preocupado

Alguns títulos de posts colocados por mim este mês:

Gota a gota;
Montagem de atracções;
Para apreciar em grande sff;
Dá-me gozo;
Os sátiros é que a levavam direita;
Sempre a subir;
Precisão;
Marcha dos cones;
O corpo é que é lindo;
Um pénis em todos os filmes;
Exangue;
Entrar pelo buraco e voltar daqui a uns dias;

Lido assim de rajada assusta. Pois assusta.

Literatura erótica da boa


















«When placed in a cage with a female the male porcupine toured the whole area rubbing everything with his nose. He carefully smelled all items, paying closest attention to objects that had been in contact with the female and the places where she had urinated. He often walked about the cage on three legs, clutching at his genitals with his free left front paw. Like the females, the male rubbed his genitals on objects in the cage, and it appeared that the larger the object the more attractive as a rubbing place. The authors describe having to remove a one and a half inch spike from the frame of one cage as they feared that the animal’s vigorous rubbing would result in injury. Males also indulged in "stick riding" as described for females. Males would often "sing" during this period and became more aggressive with other males. When the male encountered the female porcupine he smelled her all over, then reared up on his hind legs, his penis fully erect. If the female was not ready she ran away. If she was prepared for mating she also reared up and faced the male, belly-to-belly. In this position most males then sprayed the female with a strong stream of urine, soaking her from head to foot. She would either 1) object vocally, 2) strike with her front paws, as though boxing, 3) threaten or try to bite, or 4) shake off the urine and run away. If ready for mating the female did not object strongly to this shower. This courtship routine occurred several times in the days or weeks leading up to copulation.» (How Do Porcupines Make Love, Wendy Cooper, Australian National University Canberra, ACT, Australia)

Pikasso



(2005)


























(1913)

Gota a gota
















































A equipa transpira confiança.
(fotos: jornal Record)

10.20.2011

24 pausas num segundo









































































































































Jean-Luc Godard, Une Femme Mariée (1964)

Cool jazz




















Pausa.

O rapto



Se hoje viesse alguém, me raptasse, e levasse a Sintra para ver o John Grant, eu ia. O disco é maravilhoso e como se observa a sua tradução mais simples justifica o emprego do mesmo adjectivo. Eu hoje só raptado, mas raptado eu ia.

Mais John Grant "Strongroom Sessions" aqui, aqui, aqui, e aqui.

Montagem de atracções




De outra coisa não trata este espaço.

* os peixinhos encontrei aqui.

10.19.2011

Para apreciar em grande sff


























É preciso clicar na imagem para apreciá-la no tamanho escolhido pelo fotógrafo. Jun Cha reside na América onde é um tatuador caro (para os bolsos de cá) mas muito solicitado. De vez em quando desloca-se à Europa num misto de trabalho e lazer, e tem uma predileção pelas cidades italianas que o seu trabalho não esconde. Apesar de jovem gosta de medir forças com os Mestres clássicos, fazendo descobrir formas em cima de formas pré-existentes: músculos, tendões, ossos e pele. É um artista tremendo cuja arte começa na arte de saber olhar e documentar o que vê. Mesmo para quem não apreciar tatuagens, o domínio de Jun Cha encerra um banho de cultura.

Sou fã






















© Pedro Lourenço

E vocês também vão ficar ao clicarem aqui.

'Moulin Rouge' em 4 minutos e 32 segundos

10.18.2011

Sou mais que vosso tio







© 1970

Tatuar porque sim



O que muitas bandas rock prometeram foi confirmado com os Lamb of God, que protagonizam um daqueles documentários na estrada que vale mesmo a pena ver. Se está hoje aqui foi porque me lembrei da cena em que o guitarrista Willie Adler tatua no estômago, e no interior do autocarro da digressão, uma refeição-tipo do KFC que passou a ser conhecida por "3 piece Willlie". O episódio, a uma mente fria e tacanha, deve parecer o maior disparate à face da terra, mas na intenção de tatuar porque sim existe a liberdade de expressão que é própria da liberdade do rock e muitíssimo legitima pois não interfere com a liberdade de mais ninguém. Tenho saudades de rever Kiladelphia e vou tratar do assunto em breve.

O Silêncio de Lorna (2008)
















Coloque-se as coisas nestes termos. É como se a psicologia de Lorna, em particular a forma como a personagem se cala para levar a dela avante, conduzisse o filme desde o início, e a partir de dado momento (a assunção da gravidez inexistente) os irmãos Dardenne lhe cedessem as rédeas da realização. É nessa altura que os deixo de acompanhar e assisto à evasão poética de Lorna com indiferença.

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