4.01.2010

Canções de amor e saudade
















Sempre confundi o nome da última curta-metragem de João Nicolau com "Canção de Amor e Saudade". Mesmo sem ter visto o filme a sequência de palavras impunha-se. Uma vez o filme visto, não faz sentido que tal continue a acontecer, a não ser que o confunda hoje na minha cabeça com a outra curta programada para a sessão da última terça-feira na Cinemateca: Tony, de Bruno Lourenço. O filme de Nicolau chama-se sim Canção de Amor e Saúde, porque tem uma estrutura musical (a canção dura o tempo de um longa-duração), abstracta, e porque o amor, manda dizer a nota do realizador, dá saúde. Isto agora é simples de explicar.
Não é uma obra inteiramente conseguida. Tem, no entanto, mais cinema nos seus primeiros 5/10 minutos do que grande parte daquilo que a frequência das salas comerciais nos dá a provar. Cinema, entendamo-nos. Poesia em movimento, riqueza de sentidos. Um prazer intelectual quase físico e o seu inverso. Enquanto não se perde pelos jardins de Serralves em jogos lacónicos de linguagem, com e sem bola, a fazer lembrar Rivette, César Monteiro e o Blow Up de Antonioni, Canção de Amor e Saúde é um objecto desconcertantemente cool, estranho e inventido, terno e surrealizante. E abençoado por Deus (João de Deus). Quem escolhe Norberto Lobo, aquele corpo e aquela barba, aquele olhar de carneiro mal morto, é como se de novo reconhecesse a filiação há muito assumida.

Tony é bastante diferente, apesar da parte de sobrinho de César: encerra com um plano fluvial que se aproxima de Lisboa e que reproduz os momentos inaugurais de Recordações da Casa Amarela, de João César Monteiro. A ligação que estabelecera antes com o herói, Tony de Matos, não é biográfica mas sim nostálgica. Há duas canções que se escutam na íntegra (uma delas esse monumental Vendaval) a acompanhar movimentos de câmara que percorrem coisas que perduram na memória afectiva. Gestos de apego, primeiro a objectos do passado (quartos de pensão, retratos de charme, toda uma galeria kitsch investida sentimentalmente), depois na já referida abordagem ao cais das colinas que preenche o imaginário fadista, nascido do facto de habitarmos uma cidade portuária que guarda as nossas mágoas: as reais e as que são fruto da autocomplacência. O filme de Bruno Lourenço encontra um registo melancólico que se situa entre ambas. As suas figuras caricatas são máscaras de máscaras do passado. Reproduzem tiques e conversas estereotipadas que saltam para o primeiro plano de um fio narrativo que quase não se dá por ele. Tony é menos bom neste teatrinho, episódico e descosido, do que nas cenas que dizem apenas respeito ao seu melancómico protagonista, Jorge de Matos (Tiago Fagulha). Há ali qualquer coisa da experiência da vida como acto falhado que comove, e essa empatia podemo-la sentir não tanto pela coisa mental, mas como coisa bem real.

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