10.22.2008

"The Long Holiday" (doclisboa 2008)

Johan Van der Keuken é autor dos documentários que mais me impressionaram até hoje: este The Long Holiday e também Amsterdam Global Village (que dura uns tremendos 245 minutos). Recomendei Van der Keuken aos amigos e conhecidos, e ontem às 23h lá estava eu para oferecer "o peito às balas". Nada se alterou relativamente à memória que tinha do filme - uma sensação profunda feita mais de impressões que recordações de cenas, figuras ou locais. Johan Van der Keuken partiu para The Long Holiday após lhe ter sido diagnosticado cancro da próstata. Da constatação da morte por assim dizer comunicada, o documentarista holandês foi em busca da vida nas suas tão particulares incidências. Passou pelo Tibete, Butão, Burkina Faso (onde estão essas duas fabulosas sequências, uma com um número interminável de crianças que dizem o seu nome para a câmara, outra em que mulheres de trajes vistosos conduzem motorizadas pelas ruas de Ouagadougou, imponentes, depois de termos escutado um testemunho de indignação face à hoje clandestina prática da excisão) Brasil e Estados Unidos, e pelo meio foi regressando ao seu país para se inteirar da evolução do tumor.
O que é maravilhoso no trabalho de Van der Keuken passa pela disponibilidade do olhar, pela curiosidade face às manifestações do mundo (mundo esse que ele nos torna familiar até nas culturas mais remotas), pelo modo como usa a câmara para se aproximar das pessoas e das situações com uma postura gentil mas interrogativa. The Long Holiday será a obra mais serena que encontraremos tratando do tema da morte, que mesmo nos momentos de maior vitalismo não deixa de estar presente - até porque Van der Keuken deseja terminar o filme e confronta-se com as limitações físicas que surgem: havendo a tendência de ampliarmos os sinais que o corpo dá quando se sabe que se tem cancro; uma indicação nova poderá ser lida como se a morte estivesse mais iminente.
Van der Keuken elenca visões distintas sobre esta questão (da preparação para aceitarmos a morte), tão distintas quanto as que um monge tibetano ou um médico oncologista de Utrecht podem dar. A última cena (ou última ceia) de The Long Holiday mostra-nos o realizador reunido com familia e amigos durante um almoço, com a câmara a registar a boa disposição geral, certamente a imagem que Van der Keuken quis preservar daqueles que ama. Mas as derradeiras imagens são pontos de luz reflectidos pelo mar, que parecem remeter para o mistério da vida e para todas as partículas que a constituem. Um belíssimo apontamento pujante de força metafórica que é também das mais belas despedidas que o cinema nos deixou.

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