10.20.2008

Leiam e comovam-se

«O rapaz que era bom

O que será feito daquele rapaz de quem ela dizia «e se ele era bom na cama»? Ainda será bom na cama? Não faço ideia quem seja, mas é quase meu amigo, uma espécie de passado nada remoto e poético que ela não tinha esquecido, aquele «e se ele» quase em português antigo, não fosse o tema português moderno. Foi um rapaz que a fez feliz, merece por isso a minha gratidão. Que será feito dele? Ainda será bom na cama? Será que ela ainda pensa nele ou tornou-se com os anos num artifício retórico? É um padrão? É uma desculpa? Quando ela diz «e se ele era bom na cama», significa que foi isso tudo o que dele ficou? E se foi tudo, não é muito já? Que será feito desse rapaz, será que ela ficou «boa na cama» nas recordações dele? Eu simpatizo com ele, mais títere de conversa que gente concreta, mas gente concreta para ela, que dizia o «bom na cama» como uma felicidade objectiva, mesmo se não gostava dele. Que é feito dele? Ainda entra nas fantasias dela? Ainda se encontram na noite e têm relâmpagos de coreografias? Quando ela toca num homem agora, pensa alguma vez nos músculos da barriga ou nas omoplatas do rapaz que era bom na cama? E quando é tocada por um homem, será que ela fecha os olhos e deixa que as imagens se confundam? Nunca? Sempre? Às vezes? Alguma vez fala dele, «e se ele era bom na cama», desvalorizando o que valoriza, dizendo, como gosta, uma coisa e o seu oposto? E o rapaz? Ainda será um rapaz ou já um homem, já não tão bom na cama, ou bom mas cansado, ou triste com coisas da vida? Ou estão perfeitamente todos, ela e os homens dela, saudáveis e seguros, capazes de prodígios, como no poema fazendo nascer lilases da terra morta, misturando memória e desejo, reavivando raizes gastas com a chuva da primavera?»

Pedro Mexia

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