9.13.2008

O buraco negro


















A estrutura circular de Antes Que o Diabo Saiba Que Morreste permite ao filme escavar um buraco negro cada vez mais fundo que acabará por engolir os elementos da família Hanson. A obra evolui por um conjunto de flashbacks que um pouco à maneira dos últimos filmes de Gus Van Sant dão a observar a acção sob várias perspectivas, que correspondem ao acentuar das diferentes combustões psicológicas das personagens. Há mérito enorme no argumento do estreante Kelly Masterson, e há depois o (cito) "milagre" de observarmos o nervo de um cineasta de 84 anos de idade, o outro grande Sidney, Lumet: o de Dog Day Afternoon, Network, Serpico, Prince of the City, The Verdict, Running on Empty, ou Q&A.
Quando Antes Que o Diabo Saiba Que Morreste arranca parece que a morte já paira sobre ele. Tal como, por exemplo, em O Funeral, de Abel Ferrara (de que me lembrei frequentes vezes enquanto via este Lumet), há logo como que um prenúncio de tragédia desde as primeiras imagens - como se as cores tivessem algo de glacial e esquálido. E o puzzle proposto podia até ser a reconstituição da memória recente de qualquer um daqueles cadáveres por vir. A montagem marcando, pelo estilhaçar dos planos que introduzem os vários saltos temporais, por um lado a desagregração incontrolável daquele universo, e por outro um processo cognitivo que avança (ou retrocede) por fogachos. Mas é, podem crer, todo um virtuosismo sem pingo de arrogância. Aquilo é tristíssimo, pequeno, humano.
À parte de Ferrara, o filme de Lumet fez-me também pensar em Paul Schrader, sobretudo no Schrader de Amercan Gigolo, The Comfort of Strangers, ou Light Sleeper. O Schrader que filma a sofisticação frígida e a ruína moral como reversos uma da outra. Há uma cena das mais brilhantes de Antes Que o Diabo... que tem a ver com a deslocação de um dos protagonistas a uma luxuosa "sala de chuto", situada num arranha-céus espelhado de Manhattan. Até que saibamos o que ele foi lá fazer, há todo um conjunto de sinais que adensam o mistério daquele local e do seu proprietário. Em diversos momentos, Sidney Lumet cria apenas com apontamentos visuais uma relação fortíssima entre o espectador e a acção no ecrã. Outra sequência não menos brilhante é aquela que antecipa o colapso último da sanidade da personagem de Philip Seymour Hoffman, quando este já sozinho, em sua casa, desarruma uma série de objectos que levam a que em nós se crie a expectativa de um suicídio. No fundo a tragédia que é anterior e que está na origem da história da família Hanson.

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