
Eastern Promises foi escrito por Steven Knight, argumentista do Dirty Pretty Things dirigido em 2004 por Stephen Frears, com resultados bem mais interessantes do que este novo Cronenberg. A história, diga-se em abono da verdade, também era de qualidade superior (nota-se nos diálogos, em particular, que em Eastern Promises estão cheios de frases inúteis). O cinema de Frears nada tem a ver com o de Cronenberg, pelo que é injusto confrontar os resultados de um e de outro. Podemos comparar sim Eastern Promises à restante filmografia do canadiano e verificar que existem claras marcas de autoria - a tensão homoerótica entre Kirill e Nikolai (mais brutal do que em M. Butterfly), a erotização do corpo de Viggo Mortensen (tatuado como os personagens de Crash) e os habituais apontamentos gore nas cenas de violência - mas que os resultados gerais mostram aquilo que podíamos resumir a um projecto "de encomenda", aquém da visceralidade e da radicalidade psicológica da anterior obra cronenbergiana. São pontos fracos do filme aquilo que diz respeito à personagem asséptica da enfermeira protagonizada por Naomi Watts e à familia desta; o investimento melodramático no bebé e o seu aproveitamento final; o plano da prostituta ucraniana após ter sido violentada por Nikolai a mando de Kirill, cantando baixinho em posição fetal num intento de esteticização que naquele contexto me parece despropositado; a previsibilidade no modo como irrompe a violência; alguma superficialidade na caracterização das principais figuras; por último o recurso à voz off da rapariga morta no início que se sobrepõe à leitura do seu diário efectuada pelas várias personagens. Mas existem coisas boas como a demorada luta na sauna marcada pelo instinto de sobrevivência de um corpo nu, cada vez mais ensanguentado, cada vez mais animal; e basicamente o que diz respeito à composição de Mortensen a que só modificaria o visual por vezes um pouco "matrix" de mais. Para parâmetros industriais é um filme razoavelmente interessante. Para parâmetros estabelecidos pela obra de um dos mais importantes cineastas das últimas décadas é um objecto menor. Não trazendo à colação aqueles que porventura se recordem do Funeral de Ferrara ou do Little Odessa de James Gray - que implicaria comparar um Cronenberg algo descaracterizado com exemplos de superior pujança. Quanto à questão colocada por mim num post anterior (corpo do mal ou corpo do bem?), a resposta diria mais sobre a intriga de Eastern Promises do que o que penso poder revelar a quem ainda não o viu. Fica para a próxima.