12.06.2007

Partilhar a cama é uma simpática e sensata tradição de família















Descobri Em Paris o meu filme de Natal deste ano. Costumava procurá-los, pela quadra, nas salas de cinema. Este veio ter comigo a casa, local perfeito porque em absoluta sintonia com o espírito do filme. Que começa com três homens deprimidos fechados num apartamento: os três deprimidos, sim, ridículos, também, uma vez que o comportamento eufórico do filho mais novo (Jonathan/ Louis Garrel) outra coisa não faz do que mascarar a dor que se abateu sobre os três com a saída da mãe lá de casa (que reaparece brevemente trazida pela actriz de Truffaut, Marie-France Pisier), anos antes, por aquela altura, e com o suicídio da única irmã. As mulheres estão de facto à parte do universo de Em Paris. Os homens por isso sozinhos, abandonados, podem viver de qualquer maneira. A casa vira um quartel de índios (não se sabe muito bem quem é pai de quem, quem é o filho de quem ou o irmão de quem), uma fraternidade portanto razoavelmente anárquica. Que Christophe Honoré filma com um sentido de empatia que comove: a câmara faz corpo com aquele "bordel". E ocorre de certo modo também a recuperação (possível) da infância. O selar do luto com o qual o filme encerra o seu flashback (a acção começa no dia seguinte). O irmão mais novo - de regresso a casa após a "promenade" que lhe valeu partilhar a cama com três raparigas, sucessivamente - pede ao mais velho (Paul/ Romain Duris) que lhe leia a história do coelho Tom e do lobo Loulou, terna parábola sobre a perda do medo e sobre a identificação com a dor do outro. Em Paris é filme que recorre a uma série de malabarismos formais e palhaçadas teatrais para disfarçar toda a ternura que tem dentro. Percebe-se a intenção ("c'est cool" como nos clássicos da Nova Vaga) e o cinismo do espectador irá igualmente cedendo de modo quase imperceptível, como convém. Segunda e ultima citação: "a tristeza toca-nos a todos, como a cor dos olhos." Este só podia ser o meu filme de Natal neste ano. Na verdade, uma redescoberta (outra; acontece-me com relativa frequência...). Está aqui para ser partilhado (como de resto tudo o que aqui está).

Arquivo do blogue