1.19.2007
Pathos com laranja
O Odor do Sangue é objecto que se expõe e que nos expõe. O sexo é das coisas mais delicadas de pôr em cinema, mesmo que por palavras. Neste filme de Mario Martone quase não se fala de outra coisa – aqui o filme expõe-se. A quê? À caricatura, em último caso à possibilidade do ridículo. Mas pode acontecer que um homem, sobretudo um homem, uma vez que o ponto de vista que o filme privilegia é claramente masculino, se identifique com a fragilidade obsessiva do protagonista, Carlo, escritor, interpretado por Michele Placido, cuja cabeça toda branca parece sugerir um Derrida em versão romana – e aqui o filme poderá expor-nos: à inquietude (pela perda do vigor físico; estamos em território do macho latino: homem de cultura, mas muito macho e muito latino) e à insegurança que teimamos não ultrapassar com o passar dos anos, assim como a um sentido meio estúpido de competição pelo prazer, muito narcísico, que não significa outra coisa que a dependência que criamos relativamente a quem se liga a nós.
O homem concentra todo o pathos de O Odor do Sangue. O pathos que Mario Martone liberta através de cenas de ciúme vernacular, sexo e paixão serôdia. A presença luminosa de Fanny Ardant, Silvia, também ela intelectual, que parece preparar uma exposição com imagens de guerra que aparentemente nenhuma relação tem com o resto do filme, encontra-se fortemente condicionada pelo que representa: um enigma, semelhante àquilo a que Nicole Kidman dava forma no Kubrick final. Martone põe-lhe nos lábios as expressões mais gráficas; Ardant resiste com uma elevação que só pode vir da história do cinema. A Fanny Ardant releva-se tudo, se é que há alguma coisa a perdoar. Ela representa o que de melhor existe em O Odor do Sangue. Já ao realizador italiano pedia-se um pouco menos de ansiedade e de pose intelectual fora de prazo. Ele que nos deu Morte de um Matematico Napoletano e L’Amore Molesto, de grata memória, falha aqui o seu “identificação (do desejo) de uma mulher”. E os momentos que remetem para um hipotético Mónica e o Desejo, versão naturista, são naturalmente belos mas não colam com o resto. Assim, e sobre premissas idênticas, é favor regressar a Eyes Wide Shut. O cinema que faz história agradece.
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