2.14.2011

LeRoy Grannis (1917-2011)





















Surfar com teleobjectiva

LeRoy Grannis completou nove décadas de vida no passado mês de Agosto e só nos últimos anos arrumou a prancha em definitivo. Quando decidi preencher algumas linhas a pretexto da esplêndida edição que a Taschen organizou em torno do hobby de Grannis – o mais importante fotógrafo de surf das décadas de 60 e 70, que estenderam a todo o mundo a mitologia relacionada com este modo de vida –, a tentação primeira foi procurar uma relação entre as imagens de Grannis captadas nos melhores spots da Califórnia (San Onofre, Huntington Beach, Palos Verdes Cove) ou do Havai (Sunset Beach, Waimea Bay, Pipeline) e o filme de John Milius de 1978, Big Wednesday, com Jan-Michael Vincent, William Katt e Gary Busey. Passo a explicar: essa obra de Milius está para a arte cinematográfica (imagens de um movimento que emocionalmente tende para a suspensão, entre o nostálgico e o elegíaco) assim como as inúmeras fotos de LeRoy Grannis (imagens extáticas que produzem forte movimento interior assente no seu poder evocativo, uma vez mais entre a elegia e a nostalgia) – iniciadas em finais da década de 50 por indicação do médico que recomendou que Grannis arranjasse uma actividade relaxante nos tempos deixados livres pelo seu trabalho numa empresa de telecomunicações, para atenuar o desconforto causado por uma úlcera gástrica – estão para a documentação de uma época em que o culto do surf, do carácter individualista mas também de socialização que lhes estão associados, da relação do homem com o mar (as ondas) todo poderoso, da recordação que nos traz o cenário da praia, da ausência de responsabilidades, da eterna promessa de sol, grandes ondas para surfar, jovens bronzeadas(os) apetecíveis para namorar, da aventura de todos os dias que parecia não acabar nunca.
Nenhuma informação garante que John Milius conhecesse o trabalho de Grannis, embora isso seja provável já que este começou a ter as suas imagens publicadas em revistas de surf da época (a Reef e a Surfing, que funda em 1964) e era dentro e fora de água presença notada e camarada da generalidade dos surfistas (como John Milius) distribuídos ao longo da Pacific Coast Highway. Coincidência ou talvez não é também o facto de Grannis – que começou a cavalgar ondas com 14 anos de idade – fazer-se acompanhar nos seus programas de surf e mais tarde também de fotografia de outros dois amigos, Lewis Swarts e John Ball, este último influência determinante pelo facto de fotografar desde cedo com caixas estanques que permitiam entrar no mar com as câmaras fotográficas, procedimento que Grannis usou mais tarde e mais comodamente com o recurso à máquina fotográfica anfíbia Calypso, criada por Jacques Cousteau, antes de progressivamente se deslocar para o uso de teleobjectivas que iam até 650mm e que permitiam “apanhar” os vagalhões de 6 metros de Waimea Bay e os heróis que neles se metiam (como Greg Noll e Gerry Lopez) com toda a segurança. O filme de John Milius dá igualmente conta da história de amizade entre três companheiros de ondas (o seu título em português é justamente Os Três Amigos), sendo que um deles se chamava LeRoy, não Grannis, mas “o masoquista” Smith. São pontos de contacto que poderão não querer dizer nada, pelo menos nada poderão significar de tão relevante como aquilo que aproxima filme e portefólio na capacidade de captar o espírito de um tempo de duas décadas e os vários elementos que integram a cultura do surf, como foi definida na primeira metade dos anos 60: a sua linguagem, a música que lhe servia de enquadramento (Beach Boys, Dick Dale, etc.), a arte, imprensa e moda da época.

[texto publicado originalmente na revista Atlântico, pelo qual não devo ter sido pago...]

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