2.23.2011

Academia do western














A primeira adaptação de True Grit tem mais de 40 anos, foi realizada por Henry Hathaway e tinha como figura preponderante John Wayne. Aqui a primeira diferença significativa criada pelo filme dos Coen, que vinca mais claramente que esta é a história de Mattie Ross, defendida pela óptima Heilee Steinfeld, que provará (outra vez) de que fibra é feita ao longo de toda a aventura. Como vi a versão de Hathaway há poucas semanas, tenho bem presentes os resultados de uma e de outra e a superioridade do True Grit dos Coen, mesmo descontando o tempo que as separa.
Sabemos que o western é território de homens e de poucas mulheres. Terra de pioneiros, daí o seu carácter mitológico. Como em todos os géneros, sofreu pequenos desvios à norma e abordagens pós-modernistas também. O True Grit original, de 1969, reforça o lado melodramático na presença da rapariga e pelo seu obstinado desejo de vingança. Shane, de George Stevens, de 1953, também confrontava o olhar de um rapazito com o mundo dos cowboys e por consequência com a presença da morte. Havia também ali uma certa perda de inocência. Logo, optando os irmãos Coen por revisitar o livro de Charles Portis anteriormente passado ao cinema – justo este western e não outro –, parece fazer crer que eles não pretendiam a matriz pura e dura, mas a declinação melodramática desta. Ainda assim um western, o mais americano de todos os géneros clássicos do cinema, algo com que muitos realizadores quiseram ombrear como que para provar que conseguiam completar a tarefa e com isso ascender à categoria de clássicos eles próprios.
Outros filmes de Joel e Ethan Coen tinham elementos do western, da sua obra inaugural, Blood Simple (1984), até ao relativamente recente No Country for Old Men (2007). Ensaios há muito continuados para fazer agora um True Grit como deve ser. E até com deliciosas violentações características do universo dos Coen, como o episódio do encontro com o enforcado que culmina num outro encontro com o estranhíssimo médico a cavalo vestido com a pele e a cabeça de um urso (existe aqui um ambiente que sugere os Coen a derraparem para o Dead Man de Jarmusch). O facto de eles não seguirem o filme de Henry Hathaway talvez explique que tenham deixado fugir a melhor ideia visual desse filme, logo no início quando o realizador mostra as crianças que brincam no baloiço para em seguida dar a imagem do enforcamento de três homens. De resto, os manos fizeram muito bem em lidar com as suas ideias. O novo True Grit tem melhores carantonhas, o cuidado particular com os diálogos falados frequentemente de modo cerrado quase incompreensível, e nas três principais figuras está deveras bem servido pela menina já referida, e pelos de novo excelentes Jeff Bridges e Matt Damon: nota-se a cada instante o gozo que lhes deu dar vida a estas personagens.
O western foi morto e a sepultar em 1992 pelo insuperável Unforgiven de Clint Eastwood. Filmes como True Grit, quando conseguidos, permitem aceder à Academia do western e não se lhes nega o mérito, mas para ficar junto dos maiores de sempre é preciso transcender o western, algo que True Grit não possibilita porque tem na sua génese vários outros elementos além do lado crespuscular e da meditação sobre a violência, no que remete para obras-primas de género (ex. O Homem que Matou Liberty Valance, Ford, 1962). True Grit é um compêndio do western que leva à distribuição de esforços e equilibrio de méritos. Bom cinema popular, combinando os aspectos mais negros com alguma galhofa para a coisa não se tornar demasiado séria, mas os Coen serão antes recordados por outros filmes seus.

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