3.24.2008

Aos pés e ao espelho
















(...) Ao fim e ao cabo, as mulheres é que escolhem o momento e os termos da ofensiva. Meditam tudo em casa e passado tempo acabam por confessar: "Naquele dia, sabes, eu tinha resolvido..."
Sim, Daniel estava prevenido e por isso arrumara o volume de Henry Miller algures numa gaveta do consultório. A frase de Napoleão era um aviso, pensou ele com certeza; e deve ter sorrido, como sorri agora diante de mim.
- Foi o que sentiste?- pergunto-lhe.- Uma espécie de aviso?
E ele:
- Talvez. Mas pareceu-me sobretudo uma mensagem. Um recado lançado ao mar dentro duma garrafa.
- E haverá nos tempos que correm quem ainda lance garrafas ao mar?
- Não faço ideia - responde o Meu Amigo.
- Talvez os indivíduos solitários. Talvez os que gostam de se distrair com a solidão. Há muita gente assim, podes crer. (...) págs. 38/39


(...) Recapitulando, no dicionário de Daniel, Mulher Que Se Olha Ao Espelho é toda aquela que está permanentemente diante de si mesma; o pavor do ridículo característico desta espécie origina, por via de regra, uma incapacidade de se entregar cujas consequências são por vezes dolorosas. A Mulher Que Se Olha Ao Espelho preza-se demasiado (ama-se, é o termo) para conseguir deixar de se estudar nas circunstâncias mais adversas e procura compensar as suas quebras de autoridade com uma crítica impiedosa das situações absurdas. Dixit. págs. 51/52

Lavagante, encontro desabitado, de José Cardoso Pires, Edições Nelson de Matos, 2008.

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