12.18.2006
Pausa (extraordinária) no intervalo
Para dar conta de que o novo Eastwood, Flags of Our Fathers, desiludiu-me. Quem me conhece sabe que não digo isto como quem escreve uma outra coisa qualquer. Reconheço que Flags of Our Fathers pode até ser um objecto necessário, hoje, e na América em particular, país onde alguns sectores tendem a promover a necessidade da guerra sem que saibamos se o que acaba pesando mais são as circunstâncias geopolíticas que não contemplam alternativas, se os propósitos lucrativos da indústria do armamento. Flags of Our Fathers propõe-se desmistificar a guerra, o que não é novo, mas sobretudo a política que lhe está associada e que dela se aproveita, aliada à promoção de um heroísmo totalmente alheio à realidade do combate armado, o que também não é original. Lamento alguns aspectos nos resultados deste filme de Clint Eastwood que, no entanto, se encontram além desses pressupostos. Flags of Our Fathers revela-se demonstrativo (virtuosismo demasiado consciente no "gesto", na exposição pelas imagens e nos contínuos recuos e avanços temporais) e mastigado, como algum cinema de Steven Spielberg quando este se propõe tratar os "grandes temas". Spielberg é o produtor de Flags..., que Eastwood realizou. Talvez tenha sido (mera especulação minha) a visão do produtor que acabou impondo-se à do realizador: facto que vai além do mimetismo no modo de filmar as sequências de combate como em O Resgate do Soldado Ryan, de Spielberg. Até para promover a toda a linha a desmistificação de qualquer coisa, convém não perder de vista os limites da acumulação de sinais que se tornam redundantes. Sublinhar o sublinhado do sublinhado é algo que não relacionamos com o cinema de Clint Eastwood. Pensem em Imperdoável, obra maior onde nada estava a mais e que igualmente operava contra a máxima denunciada noutro grande filme, O Homem Que Matou Liberty Valance, de John Ford, onde alguém dizia "quando um facto se torna uma lenda, imprima-se a lenda". Se ocorrer, como se antevê, nova consagração do cinema de Clint Eastwood nos Óscares entregues a 25 de Fevereiro do próximo ano, que seja pelo segundo filme do díptico, Letters From Iwo Jima. Qualquer eastwoodeano merecedor dessa responsabilidade sente já uma vontade enorme de acreditar que esse título superará em muito os méritos de Flags of Our Fathers, filme de guerra semelhante a vários outros, longe do que esperaríamos dele. Que fosse um objecto marcante: lúcido, desencantado, sentimentalmente enxuto, emocionalmente contido, eficaz (less is more), não se deixando tornar arrastado. Que escapasse à ostentação do seu estatuto de cinema "de qualidade". Ou seja, de cinema com "mensagem".
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