1.04.2010

Baseado em factos de bom cinema


















É verdade que vi o meu filme de prisão, e isso ter-me-ia bastado. Mas o protagonista desta obra de Jacques Audiard, Um Profeta, tem mais vidas que o "pianista" do Polanski. Em paralelo com o tom realista, no osso, que se estende até final, há em Um Profeta um trajecto exemplar que precisa de ser contado. O realizador francês deslumbra-se nalguns momentos com o seu próprio virtuosismo, e ora faz como os americanos Scorsese ou Tarantino (freezes, ralentis, legendas), ora imprime a determinadas cenas uma marca de realismo místico ou mágico, como queiramos, porventura ancorada em qualquer tradição narrativa ancestral árabe.
Malik deixa de ser o indivíduo comum e sem história, o homem que para todos os efeitos nasce ao nosso olhar quando entra na prisão, para se tornar no "escolhido" – dos presidiários corsos, do cigano que o introduz no tráfico, dos outros árabes de quem se tornará líder, do camarada que uma vez morto lhe deixará ao cuidado a mulher e o filho –, no "protegido" por alguma coisa que se nos afigura como intervenção divina. Reconheço que o defeito possa ser meu na dificuldade em fazer coabitar estas duas dimensões: o realismo extremo e as liberdades poéticas. Ou então o filme não se chamaria Um Profeta. E Malik não seria uma personagem de cinema.

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