9.28.2007
Talvez seja um filme-canção
Não deixei ainda de pensar em O Capacete Dourado, filme de Jorge Cramez que vi no princípio da semana com vontade de gostar... muito. Conheço pessoas ligadas às diferentes fases do projecto e a corrente de afectos nunca foi bom transmissor de apreciações isentas de objectos artísticos. O filme de Cramez é generoso, nota-se a filiação num cinema português bem determinado (Pedro Costa, Teresa Villaverde, Manuel Mozos, Miguel Gomes) e deixa a impressão de fazer uma apropriação muito pessoal do que foram primeiramente factos, depois tornados ficção, finalmente concretizados em cinema. A incompletude de O Capacete Dourado (a falta do lado B) parece-me assumida - a opção por uma espécie de suspenso contínuo - mas acho que falta qualquer coisa que lhe dê maior unidade e que permita fazer sentir a existência palpável de cada momento. Algo que permita emancipar O Capacete Dourado de tudo aquilo que nele remete para a cinefilia e para a tal corrente de afectos comuns que partilhamos com o filme e com o seu realizador. Acho em última análise que Jorge Cramez quis de tal modo plasmar-se nesse universo de memórias e por outro lado no desejo de viver dos seus personagens, que o filme resulta mais como visão juvenil, intuitiva e algo ingénua da história que (partimos do princípio que) havia para contar, do que de um olhar amadurecido, mais sério e produto de maior reflexão que explorasse a fundo o trabalho sobre os sentimentos que o filme convoca e sobre a construção e relação das diferentes circunstâncias. Este era o filme que eu queria ver (o da recuperação do espantoso Ocean Rain em fundo realista e em perda), mas isso já não seria o filme de Jorge Cramez, decididamente utópico e ancorado naquele "presente" e nas tintas para tudo o que não se prenda com a sensorialidade da coreografia vertiginosa das motos, com o abismo representado pelo espaço natural e com a figuração da paixão (e em certa medida também da amizade) enquanto único reduto de pureza. Querendo mais de O Capacete Dourado, talvez que eu quisesse que ele fosse menos generoso. E isto não é a apreciação isenta de um objecto artístico (se é que isso existe...).
9.26.2007
Prioridades (to be heartbroken)
Longuíssimo prelúdio amanhã à noite - a começar por volta das 20h30/ 21h - às Are you ready to be heartbroken sessions, no bar Agito, em torno da discografia (com voz) de David Sylvian: revisitação pessoal de Brilliant Trees até Blemish e alinhamento predefinido com rigor. O melhor a que a música que se ouvirá depois pode aspirar é uma igualmente respeitosa aproximação ao cânone que, no que me diz respeito, é estabelecido pela discografia (também instrumental) de Sylvian. Ainda no mesmo dia, ou talvez na sexta (dependendo dos caprichos da distribuição), nova Atlântico nas bancas que incluirá perfil de David Sylvian, referência às duas noites mais especiais de Outubro - dia 21 no CCB; dia 23 no Teatro Circo - e nota de apreciação ao mais recente lançamento da Samadhisound, When loud weather buffeted Naoshima.
Imagem: David Sylvian fotografado por Chris em 2002
9.25.2007
9.20.2007
Are you ready
Regresso ao Agito, Rua da Rosa, Bairro Alto, no próximo dia 27 (recomeçando como comecei, a uma quinta-feira) para as primeiras Are you ready to be heartbroken sessions dos últimos sete meses. Passou tanto tempo desde a vez anterior que quase me desabituei da ideia de voltar. Finjo modéstia. Eu nunca deixei de estar pronto.
9.19.2007
Mais sexo (por menos)
Foto: Gainsbourg por Jeanloup Sieff (1970)
A minha mais recente obsessão musical é o tema de Serge Gainsbourg intitulado Sex Shop. A versão que conheço melhor consta do primeiro disco de homenagem de Mick Harvey a Gainsbourg, que é também o mais conseguido: Intoxicated Man, com Anita Lane nos duetos e Bertrand Burgalat nos arranjos. A canção foi composta para o filme de Claude Miller com o mesmo nome, que beneficiou da colaboração de Gainsbourg também nos instrumentais. A versão com a voz de Gainsbourg tem um fundo musical diferente da versão de Mick Harvey, pelo que desconfio que Burgalat terá fundido a canção original com outra melodia orquestral que faz igualmente parte da música do filme. Existe uma caixa com três CD's de nome Le Cinéma de Serge Gainsbourg onde figuram vários temas compostos pelo "mestre da decadência" para Sex Shop. Não tenho a caixa. Aliás, fui aconselhado a não comprar tal objecto pela pessoa que conheço que mais sabe sobre a obra de Gainsbourg. Ele tem a caixa, mas ele tem TUDO - supostamente há ali material para fazer um bom CD e o resto é, por assim dizer, pouco relevante. Fico deste modo entregue à minha obsessão (até à chegada da próxima), na dúvida daquilo que constitui as diferentes naturezas dos arranjos de Sex Shop, na ignorância do filme de Miller e dos méritos do resto da banda-sonora.
9.18.2007
Outubro ExperiMEntal
Festival que apresente nomes como Marsen Jules (cujo som confesso ter descoberto, com estupefacção, apenas na semana passada), Tim Hecker e Biosphere, é o festival onde quero estar do princípio ao fim. O que irá acontecer, espero, no início de Outubro, em Palmela, para a 7ª Edição dos Encontros de Música Experimental (EME).
9.17.2007
O flanqueador implacável
Finau Maka é o homem de vermelho, impressionante jogador de Tonga que marcou o primeiro ensaio do Mundial. Vi-o em acção apenas contra Samoa e registei além da estampa física, o impecável afro que impõe respeito. Tonga não irá muito longe - apesar das duas primeiras vitórias -, embora esteja quase garantida a sua passagem à fase seguinte. Até lá continuarei a admirar Maka um pouco à margem de mais este colectivo do Pacífico. E absolutamente seguro de que caso não se encontrem antes da Final, esse jogo por certo oporá as selecções da África do Sul e da Nova Zelândia: as que melhor aliam poderio físico, técnica e velocidade com o génio só ao alcance dos históricos. Espectáculo.
Livre relação de ideias e de afectos
Charles Linehan dirige em Londres a sua própria companhia de dança contemporânea desde 1994. De entre as várias coreografias até hoje apresentadas encontra-se Disintegration Loops que usa música de William Basinski. Basinski, já aqui algumas vezes notado, é um compositor norte-americano da área da música experimental cujo trabalho de maior fôlego - apresentado em quatro CD's comercializados em separado - intitula-se precisamente The Disintegration Loops: música que parte da recuperação de loops bucólicos e serenos registados em fita magnética nos anos 80, que Basinski veio a tratar digitalmente décadas depois, para assistir ao progressivo "desaparecimento" dos sons ali à sua frente. O fenómeno surgiu então como conceito que presidiria ao próprio trabalho, mas a história não termina aí. Uma vez os loops tratados e ordenados de acordo com a sequência que a edição em CD documenta, Basinski apresentaria esta música a um grupo de amigos no seu terraço de Nova Iorque, na manhã de 11 de Setembro de 2001. Foi então que os presentes, estupefactos, acabaram confrontando-se com o registo da desintegração dos sons acompanhada do surpreendente desmoronamento da paisagem nova-iorquina (documentado nas fotos de capa dos discos) tal como o mundo a conhecia e onde grande parte de nós se reconhecia. Era disto que tratava o post da passada semana, que usava imagem da coreografia de Linehan. Fica explicitada a relação para os eventuais curiosos.
9.14.2007
Dos homens e dos vícios
A reabilitação impossível de Christopher Hitchens, em várias partes, para ler na Vanity Fair. Um dia, se ele quiser, conto-lhe o meu segredo para equilibrar - com a devida instabilidade - whisky e yôga. Em troca do prefácio glorificador ao meu incrível método, é claro. Vamos falando, Chris (entretanto, essa perna de apoio bem esticada, rótulas firmes, etc...).
9.13.2007
Sasu Ripatti
De entre os seus heterónimos o que sigo com maior atenção chama-se Vladislav Delay. Quando muitos perseguem o nobre propósito de fazer música, Delay ocupa-se da criação de obras de arte. Sons de betão, rugosidade nas pistas, camadas compactas mutiladas a seu bel-prazer. O resultado é quase sempre estranho: pressentimos uma máquina a organizar todo este bloco de pulsações e ruídos; sentimos igualmente o apelo sensual destes borrões de matéria sonora abstracta permanentemente reconfigurada. Não dá para concretizar muito mais em relação ao trabalho de VD. É um universo claramente à parte. Ficam impressões, superfícies que interpelam fisicamente o ouvinte, uma tensão em crescendo (pela repetição) que fascina. Faltam palavras.
Shidua
Sou visita regular deste blogue. O carácter explícito e o detalhe das imagens atrai-me numa espécie de volúpia pelo choque: ligeiro, sequencial. Fixo-me apenas nelas, quase nunca olho os textos que me deixam indiferente (generalizo). A redundância gráfica do desfilar dos sexos tem por vezes fotos que acho belas. Que convidam a que para elas olhemos mais tempo. Como esta que uso aqui sem licença.
Realismos
Sit down dear we gotta talk
your acting like a kid
we don't wanna hear about
the things you never did
you coulda been a legend
but you became a father
that's what you are today
that's what you are today
spending all your time
somewhere inside your head
haunted by the important
life you coulda lead
but your kisses aren't enough
to keep your kids in line
so you better straighten out yourself
and give your baby time
and give your baby time
cause if you don't give her what she needs
she'll get it where she can
she's lonely man
Don't leave yourself alone for too many days
Sooner than you know your gonna start slipping
you'll end up talking to the ghost
of your wife as if you knew her
your eyes will put her everywhere
and spending all your time
somewhere inside your head
haunted by the important
life you coulda lead
you'll fuck yourself to clear your head
you'll close your door and go to bed
you'll try to sleep without a dream
that's where she finds you
that's where she finds you
Don't leave yourself alone for too many days
Sooner than you know your gonna start slipping
Dear we better get a drink in you
before you start to bore us
Dear we better get a drink in you
before you start to bore us
Dear we better get a drink in you
before you start to bore us
Slipping Husband (The National)
Nas canções pop o pior cenário é sempre o mais realista. De um modo peculiar (em mim não tão infrequente quanto isso), a descoberta desta canção fez-se pensar que terei de rever e reapreciar este filme. Em breve, em breve.
9.12.2007
Tubaralhos
.org
As imagens dos tubarões que são caçados para lhes tirarem a barbatana e os deitarem de novo ao mar, moribundos, são de uma crueldade sem nome. Como aliás também o é a pesca da baleia e as circunstâncias em que se abatem indiscriminadamente (infligindo grande sofrimento) ou se criam para abate industrial em condições deploráveis tantos outros animais. Não há sopa de tubarão que justifique a massificação desta sharkificina. E a ética é para ser aplicada a todas as espécies, ou não passa de uma treta como outra qualquer. Capava-os a todos, ah pois capava.
9.11.2007
A vida muda quando (8)
Vocês não descobririam nunca a relação que pode ser estabelecida entre esta imagem e aquilo que há seis anos atrás mudou a vida de todos nós. Também não é importante. É mais um capricho.
Respostas para: rcgross@hotmail.com
9.07.2007
A vida muda quando (6)
Aceitamos que um belo disco seja "o mais belo" disco do mundo.
A capa vermelha (a original é verde) diz respeito à edição especial - de que a Flur importou uma dezena de unidades - que traz um DVD com o making-of de Lady's Bridge e o videoclip do primeiro single, Tonight the Streets Are Ours. Hawley confessa no documentário de trinta e poucos minutos que a ponte funciona para ele como algo que ao atravessarmos leva a que se deixe para trás aquilo que nos impedia de seguir em frente. E isto, parecendo que não, já é dizer muita coisa.
9.06.2007
9.05.2007
Aforismos no gatilho
(bang) A beleza nunca é subjectiva quando se é objectivo.
(bang bang) Ao apaixonarmo-nos por alguém pagamos sempre pelos homens ou pelas mulheres que vieram antes.
(bang bang bang) As pessoas esquecem a linguagem que é a finalidade de todas as outras. A do erotismo.
(bang bang) Ao apaixonarmo-nos por alguém pagamos sempre pelos homens ou pelas mulheres que vieram antes.
(bang bang bang) As pessoas esquecem a linguagem que é a finalidade de todas as outras. A do erotismo.
A vida muda quando (4)
Atracção pelo lodo
Nada sei de Eastern Promises, o novo Cronenberg, a não ser que a acção se passa em Londres, envolve elementos da máfia russa e que foi escrito pelo argumentista de Dirty Pretty Things, filme de Stephen Frears de que gosto bastante. Pouco sei, como se vê, de Eastern Promises, mas ao olhar para esta imagem não posso deixar de ver, actualizados, o Brando e a Eva Marie Saint de On the Waterfront, aqui representados por Viggo Mortensen e Naomi Watts. Aquilo que sei, com uma convicção que vem do profundo e lodoso da alma, é que este será um dos "filmes do ano" em que estrear. Lá fora é já na próxima semana.
A vida muda quando (3)
A ideia da família a que desejamos pertencer se nos apresenta com a mais irrefutável evidência.
Carta de Naoshima
Escrita a cinco distintas caligrafias (Clive Bell, Christian Fennesz, Arve Henriksen, Akira Rabelais e David Sylvian) e reescrita pela mão do Mestre. Field recordings, experimentalismo sonoro, música concreta. Para escutar por aquilo que é e por aquilo que constituiu a sua função original. Eu gosto.
9.04.2007
9.03.2007
Discos do fim da semana II
Passaram-se quatro anos desde que escutei pela primeira vez o disco inaugural da editora de David Sylvian, a Samadhi Sound. Desde essa altura, e com a delicadeza mais discreta do mundo, nunca me tinha aventurado por grandes elucubrações em torno de Blemish - reconhecia-lhe méritos (a voz sempre era afinal "a" voz de Sylvian; a espectralidade da electrónica de Fennesz recebo-"a" sempre numa espécie de contido êxtase), mas o corte com a discografia anterior era por demais radical. Veio depois o CD de remisturas, The Good Son Vs The Only Daughter, feito de competentíssimas molduras sonoras mais texturadas e os "lamentos" de Blemish adquiriram maior familiaridade. A incapacidade era minha, agora confesso. Não sei se condicionado pelo facto de ter lido recentemente que Blemish fora gravado por alturas da separação de David Sylvian e Ingrid Chavez, o CD mostrou-se finalmente com tal incandescência que o escutei vezes repetidas num estado de comoção atordoada. A música iluminou-se, iluminaram-se as letras e experimentei a incredulidade (mas também a euforia) do acesso ao coração desta obra ao mesmo tempo meditabunda e visceral. É como se David Sylvian, cujo capital de sedução estende-se da voz quente e xamânica aos arranjos de um exotismo topo-de-gama que pontuam grande parte dos seus discos do passado e da actualidade (a dos Nine Horses), resolvesse com Blemish despir a sua vivência - camada após camada - e apresentar uma confissão nua até ao osso, descarnada embora púdica. Blemish é o olhar mais fundo de Sylvian sobre ele próprio. Depois de um percurso à volta do mundo; de uma aprendizagem junto de várias culturas e diferentes religiões; depois do conhecimento do amor e da harmonia trazia por uma vida familiar estável e por uma cada vez maior autonomia artística, foi a vez da queda e do confronto com as dúvidas mais angustiantes, que são as que vêm daquilo que dávamos por garantido - e para sempre. Em Blemish (de marca, de mancha) faz Sylvian a catarse da mais irresolúvel das perplexidades: escutarmos da boca de alguém que nos amou o desejo de que saiamos da sua vida "no dia seguinte". Pode até nem ser o mais belo disco de Sylvian (e existe beleza naquela crueza, naquela escuridão), mas Blemish é até à data o seu testemunho mais essencial.
Moving Pictures (1993), de Holger Czukay, estrutura-se numa experimentação sonora impressionista que todo este tempo depois se escuta ainda com gosto enorme. A razão tem a ver com a sugestão de ambientes, que se esfumam no minuto seguinte, levada a cabo pelo ex-Can Czukay imbuído de propósitos exploratórios semelhantes aos que certo e histórico dia juntaram David Byrne e Brian Eno para o desenho definitivo dos contornos da música desse utópico "4º Mundo", em My Life in the Bush of Ghosts. O projecto de Czukay neste Moving Pictures é menos ambicioso e deixa perceber um sentido de humor musical que a capa do CD traz bem escarrapachado. Moving Pictures é uma irresistível sequência de ilusionismo sonoro que desafia à identificação dos ambientes que cria, antes de os devolver de novo à sua original abstracção.
O segundo álbum dos Czars, The Ugly People Vs. The Beautiful People (2001), é por outro lado um caso sério. Nunca por cá foi dada grande relevância (nem grande nem pequena) à discografia destes norte-americanos, cuja sonoridade se mantém num território indecidido entre a dream pop e o country alternativo. Os Czars gravavam até há pouco anos para a editora Bella Union dos ex-Cocteau Twins Robin Guthrie e Simon Raymonde (co-produtor dos seus discos). São autores de canções de evidente sofisticação harmónica, os arranjos abrindo-se para cornucópias sonoras próximas da concepção do pós-rock progressivo como é entendida pelos Grandaddy (simultaneamente cósmico e tenso), e as letras - que não destoam da natureza intrinsecamente rétro da banda - tratam de amor e ressentimento, passe o pleonasmo. É provável que as primeiras audições sejam insuficientes para chegarmos a definir uma opinião sobre The Ugly People Vs. The Beautiful People. Há um lado Moody Blues no som dos Czars - e na voz impecavelmente colocada do seu líder, John Grant - que obriga a sucessivos avanços e recuos face ao poder de fascínio que o disco revela possuir. Façamos pois o teste de o escutar o número de vezes neecssárias até o esgotarmos ou até sermos por ele definitivamente conquistados.
Também neste final de semana:
Dos Mogwai, Young Team (INTERESSANTE). De William Basinski, The Disintegrations Loops IV (MONUMENTAL).
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