10.31.2012

110 anos este dia


MULHER ANDANDO NUA PELA CASA

Mulher andando nua pela casa
envolve a gente de tamanha paz.
Não é nudez datada, provocante.
É um andar vestida de nudez,
inocência de irmã e copo d'água.

O corpo nem sequer é percebido
pelo ritmo que o leva.
Transitam curvas em estados de pureza,
dando este nome à vida: castidade.

Pêlos que fascinavam não perturbam.
Seios, nádegas (tácito armistício)
repousam de guerra. Também eu repouso.



Não tenho pressa no repouso. Coisa natural. Comecei tarde.

10.30.2012

Há ternura em cultura


Foto: João Relvas/ Lusa.

10.29.2012

Plano de voo


Descolar de liberdade, voar com igualdade, e aterrar em fidelidade.

A arte sem valores

A irmã: Tu não tens valores. A tua vida é só niilismo, cinismo, sarcasmo, e orgasmo.

Ele: Em França eu seria eleito com esse slogan!


Há melhores filmes no vasto conjunto que é a obra de Woody Allen, mas nenhum outro com o valor testamentário de Deconstructing Harry, As Faces de Harry (1997). Ou as faces de Allen, bem entendido: a verdade e os boatos que serviram um "mito" que vive até hoje, embora com menos regulares picos de génio criativo.

10.26.2012

Vira o disco

Recursos naturais































A alegria.

Morte
































A morte começa com a morte do desejo.

Desejo

10.25.2012

Joan of Arc





















«Now the flames they followed Joan of Arc
as she came riding through the dark;
no moon to keep her armour bright,
no man to get her through this very smoky night.
She said, "I'm tired of the war,
I want the kind of work I had before,
a wedding dress or something white
to wear upon my swollen appetite."

Well, I'm glad to hear you talk this way,
you know I've watched you riding every day
and something in me yearns to win
such a cold and lonesome heroine.
"And who are you?" she sternly spoke
to the one beneath the smoke.
"Why, I'm fire," he replied,
"And I love your solitude, I love your pride."

"Then fire, make your body cold,
I'm going to give you mine to hold,"
saying this she climbed inside
to be his one, to be his only bride.
And deep into his fiery heart
he took the dust of Joan of Arc,
and high above the wedding guests
he hung the ashes of her wedding dress.

It was deep into his fiery heart
he took the dust of Joan of Arc,
and then she clearly understood
if he was fire, oh then she must be wood.
I saw her wince, I saw her cry,
I saw the glory in her eye.
Myself I long for love and light,
but must it come so cruel, and oh so bright?»

L.C.

10.23.2012

Downton Sheffield


















Ancorado em factos reais.

O que está a fazer aqui este casal, sobretudo esta mulher? Calma. Primeiro um pouco de história, história recente, de há quatro anos, tempos de uma “prosperidade” que parece hoje miragem. Em Fevereiro de 2008, desafiei os amigos chegados a virem comigo ao concerto de Richard Hawley no Festival para Gente Sentada, em Sta. Maria da Feira. Paguei a dormida da comitiva e dividimos o resto. Esteve comprometida depois a vinda do músico de Sheffield à capital, sucedendo-se os seus grandes discos a bom ritmo, onde, sem desprimor para aquela actuação na véspera do meu aniversário, ele devia ter começado.
Finalmente Lisboa. Ontem. Cheguei só para o prato principal. Faltavam cerca de dez minutos. Não éramos muitos, dava para ver muitas das caras, saudar amigos e conhecidos, notar uma “estrela” que a todos passou despercebida. Vinha acompanhada (pelo senhor na imagem) mas ousei cumprimentá-la: “Aren’t you Elizabeth McGovern? I think you’re a wonderful actress, ever since the movie by Sergio Leone to Downton Abbey. Very nice meeting you. Enjoy the show." Ao que a senhora (n. 61) respondeu com yeses e thank yous. E o homem da noite entrava na cena. Fabuloso concerto. O foco nos dois últimos álbuns. Tocados quase como nos discos porque com a perfeição não se inventa. Recados do músico para o governo, para “os governos de merda que vêm empobrecendo as pessoas”. Muitos agradecimentos pelo eventual sacrifício dos presentes, pouco acima das duas centenas, em pagar bilhete de concerto nas actuais circunstâncias. Público exemplar, que foi respeitador ou eufórico quando era apropriado. Uma plateia de conhecedores que ao fim de hora e meia foi mandada para casa com esta canção.


10.22.2012

Lucky Luke

Penso logo desisto


















Ele não é menos broken flower que elas.

O melhor Brasil de hoje para falar do Brasil de antes

























Veio a ser na música que o movimento Tropicália, ou Tropicalismo, teve expressão mais duradoura. Para falar verdade ele vive até hoje em artistas como Devendra Banhart ou Cidadão Instigado, para dar dois exemplos. O que este documento de Marcelo Machado também cumpre é de uma competência audiovisual e cinematográfica que por um lado recupera imagens raras (para nós, no exterior) da história social, política e cultural do país, organizando-as em modo "mixtape" com a música excelente do período (Caetano, Gil, Mutantes, Tom Zé), e a vivacidade dos depoimentos em "off" que mais tarde passarão para "on", e por outro tem a capacidade de através da montagem ir da euforia da expressão tropicalista nos vários domínios (música, teatro, cinema, artes plásticas) à depressão decorrente do regime marcial  imposto no Brasil no final da década de 60, com o consequente exílio, entre outros, das principais figuras de Caetano Veloso e Gilberto Gil. É precisamente no exílio que este Tropicália começa e quase termina (o regresso é marcado por uma espécie de epílogo de novo festivo). E começa em Lisboa. A sua lista de colaborações impressiona ainda por ser tão extensa e por deixar a impressão de que cada uma daquelas pessoas teve importância no resultado final. Que é cósmico.


Repete sábado 27 de Outubro (S. Jorge, 21h45), integrado na programação do Doclisboa'12. 

10.19.2012

Manuel António Pina 1943-2012


Vão-se os poetas deixando órfãos os gatos.

2 anos


Lia, minha irmã, lembrou ontem. Passam dois anos.

10.18.2012

Boas contradições




Com La Stanza del Figlio/ O Quarto do Filho, Nanni Moretti saiu de Cannes, em 2001, com o prémio principal, atribuído por um júri presidido pela actriz e realizadora Liv Ullman. É o filme mais sério de Moretti, e também aquele em que autor e personagem se levam mais a sério. Talvez por isso o menos morettiano dos seus filmes (como se o inesperado daquela morte impedisse o surgimento de quaisquer outros momentos inesperados, o que vem a ser desmentido pela muito bela sequência final da viagem de carro até à fronteira com a França), mas um dos seus melhores filmes também. Contradições, contradições, contradições. No fundo mantenho o que aqui escrevi.

10.17.2012

2012

 

Demasiado humano para ser papa




Humildade. De se colocar em causa. De aceitar que vivemos num mundo conturbado em que nada é garantido, e que devemos estar preparados para nos adaptarmos. Mesmo no universo particular da igreja, onde os rituais são fortes, o código rígido e as carreiras longas, a hipótese de algo poder ser perturbado na ordem expectável das coisas existe. Moretti por ele próprio (um psicanalista) faz entrar a vida na igreja, e pela personagem de Piccoli (o cardeal Melville) é a igreja que reentra na vida. Não se trata somente de um filme sobre a humildade mas também sobre a humanização do simbólico. De olhar o homem além do hábito, tão assustado como qualquer um de nós.
No fundo, Habemus Papam (2011) é um filme sobre dois homens que querem voltar a brincar. O plano mais comovente (para mim) é o de Moretti segurando a bola de vólei, constatando que o campeonato foi abortado antes das semi-finais. O papa relutante também queria brincar ao teatro (mesmo reconhecendo que talento dramático quem tinha era a sua irmã), e acabará cercado pela comitiva eclesiástica na noite de estreia da peça que ajudara a produzir. A sociedade força-nos a crescer e tolhe-nos a liberdade de sermos quem queremos ser. Filme estranho e estranhamente brilhante.

10.15.2012

Pela boca sai o mel
























A derreter para ela desde 20 de Julho de 2011.

Um bom Oliveira é necessariamente um filme de Manoel de Oliveira


















O Gebo e a Sombra dá o que tem para dar nos vinte minutos iniciais, meia-hora. Uma filosofia para existir (desejar que nada aconteça e a aceitação da vida possível); interpretações justíssimas (a "revelação" de Leonor Silveira; Trêpa um pouco aquém dos restantes sem comprometer); a notável fotografia de Renato Berta, em cima de uma direcção artística despojada ao essencial, coincidente com a plainificação de Oliveira que contribui para a forte coesão do todo. Depois é ver até onde vai o estoicismo do protagonista e, em menor medida, o do espectador também. Respeitosas três estrelinhas.

10.12.2012

Tivémos papa






















E voltaremos a ter, mas só na próxima semana.

10.10.2012

Moretti. Jarrett. Pasolini. Acção.




Avec le cinéma je parviens mieux a dire mes espoirs, mes colères, mes névroses. Si je participais à un débat public aprés Journal Intime [Caro Diário], quelqu'un se lèverait pour dire "Peux-tu nous expliquer pouquoi cet hommage à Pasolini dans le film?" Moi qui suis très satisfait de cette scène, je me mettrais à parler et me rendrais compte que je suis en train de la banaliser, de banaliser cette musique et ce sentiment que je voulais partager.

Les Inrockuptibles, Hors-Série Collector Interviews.

Por momentos é como se Moretti tivesse esquecido o disco a tocar e a câmara ligada. O que vai significar o mesmo que a recusa em explicar a cena para não empobrecer o sentimento que a percorre. Como se fosse possível filmar o insconsciente (ou com o inconsciente).

10/24


Fazer acontecer noite a qualquer hora do dia.

10.09.2012

1975. O fim do mundo.
































Se a música tivesse acabado depois deste disco não era o fim do mundo.

10.08.2012

Private Jack

























Fotos de Lia Ferreira no aniversário da Mariana.

O impasse do comunista no momento do penálti






















No começo de Palombella Rossa (1989), Michele Apicella (alter-ego que não voltou entretanto ao cinema de Nanni Moretti), destacado membro do Partido Comunista italiano, tem um acidente de automóvel que faz com que perca a memória. Pretexto para Moretti ir buscar os fundamentos políticos, sociais e culturais do comunismo, para questionar as possíveis razões do esvaziamento de uma proposta de “transformação da sociedade” que não se soube adequar aos tempos modernos. A grande originalidade de Palombella Rossa – é mesmo dos filmes mais originais das últimas décadas – é trazer o “comício” para (um)a piscina onde se disputa uma partida de pólo aquático.
Palombella Rossa é um objecto intencionalmente confinado em termos de espaço e de tema. Moretti tira grande partido das possibilidades figurativas e metafóricas que se lhe apresentam (mesmo que precise de descolar dos parâmetros realistas para que algo de fantástico aconteça), mas devo reconhecer que, ainda que ocorra algumas vezes a introdução do elemento emocional por via do Doutor Jivago (1965) filmado por David Lean, que está a passar no televisor do café da piscina, e as sucessivas remissões para a infância de Apicella, garoto em permanente estado de conflitualidade, Palombella Rossa me parece dominado por apenas uma ideia. Muito válida por certo, que o filme motivou discussão elevada, sobretudo pelo lado da política feita cinema. Em mim suscita admiração algo distanciada. Política nunca foi o meu forte.

Nota: De saudar com grande entusiasmo a qualidade dos Extras presentes na edição portuguesa, pela Midas, deste filme. Em particular os designados por A Música, conversa com piano por perto sobre as composições musicais de Palombella Rossa, tida por Nicola Piovani com o realizador; ainda À Volta do Filme, um registo em rodagem de autor, logo mais pessoal do que produtos semelhantes que habitualmente constam dos DVD's; e muito em particular O Último Campeonato, curta metragem (15') onde Moretti se filma durante algumas partidas da sua derradeira temporada de jogador de pólo aquático na série B italiana, junto do carismático treinador da equipa que serviu de modelo à personagem de Silvio Orlnado em Palombella Rossa, terminando com a última partida que Moretti disputou (o realizador começou a jogar muito novo, tendo apenas interrompido quando a actividade política o exigiu), em mar aberto, onde Moretti fez dois golos com a sua técnica pessoal da "palombella", vulgo chapéu sobre o guarda-redes.  

10.04.2012

Lisandro Alonso na Cinemateca


















Foto: Javier Castillo


La Libertad (2001, 73')
08.10.12 - 21h30 sala grande
09.10 - 22h sala pequena

Los Muertos (2004, 73') + Fantasma (2006, 63')
09.10 - 19h sala grd.
10.10 - 22h sala peq.

Liverpool (2008, 85')
10.10 - 19h sala grd.
11.10 - 22h sala peq.

Mario Balotelli o homem que come provocações ao pequeno-almoço



Todos falaram da atitude de Balotelli após ter empatado o jogo. Não ouvi comentários à provocação do guarda-redes do Dortmund ao avançado do City.

10.02.2012

Um italiano puxa logo outro

Pequenas cretinices entre amigos




A pergunta que se impõe é: faz-se um filme duma colecção de vinhetas da juventude, melancólicas ou absurdas, em torno da problemática eterna dos relacionamentos, familiares, sentimentais e de amizade? O mais certo é acabar com uma bela colecção de cromos, o que pode dar no mesmo que um filme de formação, focado no que nos é mais próximo, filmado de modo pessoal. Tratando-se de Nanni Moretti, colheita de 1978, está garantido o registo pessoalíssimo. E como Moretti era já “uma figura”, com a sua trunfa de pajem revolucionário e o bigodinho indiciador de complexos muito particulares! Como o próprio afirma, num diálogo com Mirko (outra fisionomia particular, que podia ter saído do “evangelho” de Pasolini), no decorrer de uma das várias sessões de “autoconhecimento” de que iremos privar, “sou triste, tristíssimo mas sou teatral, vital”. E o cartaz de Buster Keaton no quarto de Michele Apicella (Moretti) não lá está por acaso. Nada surge por acaso para quem tem fama de filmar dezenas de takes de cada plano. É preciso minúcia para subverter de forma inesperada o imaginário romântico que ligamos à juventude (tanto sofrimento em vão), e ainda nos deixar com um sorriso timidamente esboçado. Como não se encontra justificação para os factos da vida, o título devolve-nos um enigma: Ecce Bombo.Filme sobre a dificuldade de mostrar emoções e lidar com os sentimentos. Seria um cliché não fosse original e pungente.

10.01.2012

Uma questão de Co(erência)




















Quatro senhores que, na minha opinião, assegurariam melhor desempenho do que aquele que nos tem deslumbrado em anos recentes. E o Madaíl verde-rubro vai para: 1º - Co Adriaanse... 19.06.08

Eu que nos últimos anos, sempre que abre vaga no comando técnico da minha equipa, anseio por Co Adriaanse... 21.03.11

Precisamos de alguém de fora, um estrangeiro, experiente, holandês (tipo Co Adriaanse), para apertar com eles de facto. 17.09.12 (FB)

Saco de ideias




Não me consigo lembrar de outro filme onde se grite tanto como em Sogni d’Oro/ Sonhos de Ouro (1981). Moretti é quem contribui mais para a gritaria generalizada, como se desse conta de uma espécie de “dor de parto”. Tal como Stardust Memories de Woody Allen, realizado um ano antes, ou 8 ½ (1963) de Federico Fellini, Sonhos de Ouro trata, embora de modo bastante subversivo, ao contrário dos dois outros exemplos, das atribulações do processo criativo e do insconsciente. Há pelo menos três histórias que se conflituam no seu interior, como num “saco de gatos”: a do neurótico realizador Michele Apicella que faz filmes de autor “intelectuais e masturbatórios” (dizem), num período em que o público começa a deslocar-se do cinema para a televisão, onde lhe servem variedades grotescas e badalhocas sob a égide de Sílvio Berlusconi (que Moretti confrontaria mais directamente n’O Caimão). Há também o filme dentro do filme, que Apicella dirige com grande histeria e contrariedade, que dá conta da relação de Freud com a mãe castradora que constantemente o infantiliza. E ainda um terceiro plano narrativo, que anuncia Bianca (que Moretti fará três anos depois), que mostra o amor-louco de um professor de literatura (de novo Moretti) por uma das alunas: interpretada já por Laura Morante. É como se todo o Nanni Moretti por vir estivesse desarrumado e em bruto neste Sonhos de Ouro. O filme surpreende e irrita em iguais medidas, porque parece ter como único propósito a provocação. Mas até na sua bestialidade não deixa nunca de ser bem curioso. Mesmo corajoso.

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