2.26.2010
Uma ideia de paraíso
Recebi uma garrafa de Maker's Mark que abri ontem. Acreditem que só de olhar estas imagens parece que lhe sinto o aroma agarrado aos dedos. Nunca tinha provado um bourbon assim (e posso repetir!). É tudo perfeito: o lacre que se solta facilmente; o gargalo sem doseador; a forma original da botelha; o rótulo artesanal; o gosto amadeirado tão original quanto a cor que entra no copo. Bless the maker and bless the marked.
Lost
Precisei de esperar pelos derradeiros segundos dos créditos finais para encontrar o que Shutter Island tem de realmente impressionante: a banda-sonora escolhida por Scorsese em colaboração com Robbie Robertson. Antes disso ficou um borrão (e a música em parte despercebida). O filme nunca me ganhou. Não que tivesse de o fazer. Sou dos que acreditam que quando um filme não nos interessa somos sempre nós quem fica a perder. E fazendo uso da frase promocional deste – Someone is missing. –, devo admitir por último que quem se perdeu fui também eu.
2.24.2010
2.22.2010
Que mais se aproxima
Experimentem escutá-lo como ensaio para o disco anterior. Não faz sentido? Faz todo o sentido. In Utero é ainda o melhor disco depois de Nevermind. O que mais se aproxima. Orfão de descendência porque a música dos Nirvana é algo que entra em combustão até restarem apenas cinzas. De um ventre de cinza não sai nada.
A nossa noite "com" Brian Eno
NOGO.kino 2010
projecto comissariado por Ricardo Gross
Fevereiro/February 23/02/2010 :: 22 horas*
77 MILLION PAINTINGS, de Brian Eno
Em 2006 Brian Eno lançou um produto que reúne ao DVD a aplicação intitulada '77 Million Paintings'. O nome traduz as combinações de vídeo e música geradas por um programa destinado aos sistemas operativos Windows e Macintosh. O software consiste em 296 imagens originais (JPEG ou PNG) que se sobrepõem em camadas de uma até quatro, destinadas a ser vistas num ecrã de computador ao mesmo tempo que a banda-sonora ambiental composta por Eno para a aplicação evolui numa progressão semelhante. Na vídeo-entrevista de cerca de meia-hora que iremos mostrar, Brian Eno explica o conceito e suas aplicações, deixando-nos a olhar suspensos e fascinados para um aquário tecnológico.
* sessão apresentada por João Lisboa, crítico de música do Expresso, responsável pelo blogue Provas de Contacto. No final a música de Brian Eno manter-se-á presente pela selecção compilada para o efeito. Bebidas, como sempre, por conta da casa.
2.18.2010
Casca dura
Os australianos Wolfmother, apesar da reconfiguração que atingiu dois terços da banda, continuam a ser óptima tradução sintética para os tempos actuais do som Black Sabbath mais expansivo, com Led Zeppelin do período pós-John Bonham em cuja preponderância de John Paul Jones se acentuou. Têm disco novo desde finais do ano passado que olha para todo o 2010 para ser bem digerido. Cosmic Egg não gera o impacto do seu antecessor (história do rock e estreias bombásticas é quase redundância), mas compensa nos efeitos secundários. Os Wolfmother alargaram a corrente de 'fuzz'/distorção, o que para apreciadores das melhores malhas revivalistas é simplesmente irresistível.
2.17.2010
Comic strip
[...] Surf Music, Jovem Guarda, a primeira fase dos Beatles, trilhas dos filmes de faroeste, o twist, Rita Pavone, programas de auditório e todo um repertório da cultura pop que se traduz em canções contagiantes e de apelo direto. A ESTAS referências dadas por Arnaldo Antunes para enquadrar o som do disco Iê Iê Iê, temos de juntar a produção de Serge Gainsbourg dos anos 60, que reúne invenção e intencionalidade com as palavras ao carácter orelhudo das canções.
A experiência não foi propositada. Aconteceu-me ter escutado uma só vez o disco e quando voltei a ele dias depois reconheci cada tema como se tivessem permanecido comigo durante esse tempo. Há casos assim. Raros. Iê Iê Iê é um caso também feliz, consequência de feliz encontro. Fernando Catatau, da banda Cidadão Instigado, retribui a participação de Arnaldo Antunes no último disco deles, Uhuuu!, tomando a seu cargo a produção e emprestando os sons das guitarras a algumas faixas. Catatau é o caso raro dentro do caso raro. Tem como poucos aquele sentido deslocado de música de baile que é simultaneamente genuína no apelo popular e sofisticada na capacidade de espantar com a conjugação de orgãos e guitarras falsamente manhosos.
Em Portugal temos em produções do género a dupla composta por Nuno Rafael e Hélder Gonçalves, ou Armando Teixeira dos projectos Balla e Bullet. Mas caso Fernando Catatau pusesse os dedos num próximo disco de Rui Reininho (puro exemplo), vocês iam notar diferença. Nota-se aqui e de que maneira.
2.13.2010
ECM, 40 anos
A ECM completou 40 anos de edições discograficas – com alguns DVD's e livros muito esporádicos – no final de 2009. Temos quase a mesma idade e a minha vida tornou-se inseparável dos discos produzidos por Manfred Eicher. Como será viver sem a música da ECM? Não sei, nunca experimentei. E embora me tenha afastado do contacto regular com as edições e audições de música jazz, eu quero sempre saber e ouvir aquilo que a ECM edita. Temos forte empatia estética, eu e ela. As suas capas traduzem logo este universo sonoro: nocturno, poético, introspectivo. Os discos da ECM são os que mais gosto de ter por companhia quando faço quase tudo, e até quando nada faço a não ser escutá-los (facto raro). O "som" ECM diz-se a coisa mais bela depois do silêncio. Os seus discos podem bem ser a melhor companhia depois da solidão. É para isso que existem. Para nos permitirmos estar a sós com eles. Ultimamente, com estes:
Em Dark Eyes, Tomasz Stańko surge em companhia totalmente renovada para que tudo se mantenha na mesma. Não mais o trio do pianista Marcin Wasilewski que com Tomasz Stańko formava o quarteto polaco, os músicos são agora de predominância nórdica. Mas o som, amplo e lírico, é duzentos por cento Stańko.
Quando descobri A Year From Easter (2004), do Christian Wallumrød Ensemble, tive um dos surpreendentes encontros proporcionados pela ECM. Havia ali uma estranheza que tinha bastante a ver com o perfil musical da editora, mas também com coisas que vinham de outros lados. Nunca escutei os discos que Wallumrød gravou para trás na ECM. Daí para a frente é que nada me escapou, e a sensação de estranheza mantém-se neste Fabula Suite Lugano: obsessão tímbrica e atracção pela possibilidade de fazer música estática.
Guardei para o fim a jóia mais facetada do lote. Homenagem de François Couturier - que já havia dedicado todo um CD, Nostalghia - Song for Tarkovsky, à obra do cineasta russo – a um conjunto de seus heróis das artes: Bach, Rimbaud, Debussy, Schubert, Miró, e de novo Andrei (e o pai deste, Arseni) Tarkovski. Un Jour Si Blanc é constituído por vinhetas impressionistas expontâneas, peças em diversos movimentos, e explorações estruturadas. Mas é sobretudo um disco que denota grande liberdade de criação e de agregação do repertório, uma liberdade dirigida para as pulsões mais interiores do pianista, não absolutamente solo, porque invocando os seus melhores espíritos.
Em Dark Eyes, Tomasz Stańko surge em companhia totalmente renovada para que tudo se mantenha na mesma. Não mais o trio do pianista Marcin Wasilewski que com Tomasz Stańko formava o quarteto polaco, os músicos são agora de predominância nórdica. Mas o som, amplo e lírico, é duzentos por cento Stańko.
Quando descobri A Year From Easter (2004), do Christian Wallumrød Ensemble, tive um dos surpreendentes encontros proporcionados pela ECM. Havia ali uma estranheza que tinha bastante a ver com o perfil musical da editora, mas também com coisas que vinham de outros lados. Nunca escutei os discos que Wallumrød gravou para trás na ECM. Daí para a frente é que nada me escapou, e a sensação de estranheza mantém-se neste Fabula Suite Lugano: obsessão tímbrica e atracção pela possibilidade de fazer música estática.
Guardei para o fim a jóia mais facetada do lote. Homenagem de François Couturier - que já havia dedicado todo um CD, Nostalghia - Song for Tarkovsky, à obra do cineasta russo – a um conjunto de seus heróis das artes: Bach, Rimbaud, Debussy, Schubert, Miró, e de novo Andrei (e o pai deste, Arseni) Tarkovski. Un Jour Si Blanc é constituído por vinhetas impressionistas expontâneas, peças em diversos movimentos, e explorações estruturadas. Mas é sobretudo um disco que denota grande liberdade de criação e de agregação do repertório, uma liberdade dirigida para as pulsões mais interiores do pianista, não absolutamente solo, porque invocando os seus melhores espíritos.
2.12.2010
2.11.2010
Happy meal
Vão ver este filme. Não tenham pressa mas vão ver o filme. Em afortunada hora o velho Woody foi ao baú buscar material adiado que é clássico Woody Allen. O seu filme mais divertido desde Bullets Over Broadway (1994). Diversão pura, sem vislumbre de amargura a pairar sobre ela. Talvez seja reflexo das saudades de filmar em Nova Iorque? Whatever Works sacaneia o politicamente correcto a cada página – a escolha de Larry David para protagonista foi outra grande inspiração –, filmando a cidade que parece ter o condão de revelar a nossa verdadeira natureza (é do cinema!). Onde a ideia de felicidade se traduz no motto "express yourself". Podia ser peça de teatro, de tal forma se nota a estrutura de três actos – em escolha reduzida de décors –, introduzidos pela chegada de novo personagem: primeiro Melodie (Evan Rachel Wood, a fazer lembrar Shirley MacLaine em Some Came Running mais um pouco de Marilyn), depois a sua mãe, e por último o pai. Um filme que se vê com sorriso que não larga, e pela trela: sempre que Rachel Wood está no plano, o olhar é conduzido pelos seus movimentos tal como os cães que ela passeia. Salivamos, pois, e ainda soltamos a saudável gargalhada.
2.10.2010
Pop em papel bardo
Porque penso ter condições de opinar sobre o novo Magnetic Fields, que há algum tempo escutei a acompanhar um jantar, e só hoje ouvi em pormenor, uma única vez, nuns auriculares baratuchos dos que se arranjam em qualquer lado? É que sendo pop e não pop, Realism larga a barreira sonora de distorção do álbum anterior ao mesmo tempo que recupera para a estrutura das canções aquilo que relacionamos com o trabalho recente de Stephin Merritt: em nome próprio, Showtunes (2006), ou nos Gothic Archies, The Tragic Treasury: Songs from A Series of Unfortunate Events (2006). Podem ser sobras, alguns dirão. O disco defenderá o seu conceito com base na recusa dos sintetizadores que podiam soar aberrantes a acompanhar estas proto-valsas e outras canções que na base parecem parentes distantes das danças barrocas, ou então fragmentos de empatizar com os males de amor enquanto esperamos que nos sirvam "just the one". Produção ultra-cristalina, percussões exótico-cantabille, vozes angelicais que sobem a custo para melhor tombar em falso, ou que começam languidamente por baixo e de lá não arredam (Merritt tornou-se um ícone do aborrecimento). Realism é wallpaper sonoro para escutar melhor em fundo. Prende menos a atenção do que perfuma os sentidos. Tem charme de caixinha de música encantada, e é juntamente com I aquilo que os Magnetic Fields produziram de mais próximo da experiência que é vê-los ao vivo. Realism talvez seja isso mesmo. Os Magnetic Fields sem truques de estúdio. Como talvez sempre tenham querido ser apreciados, com o seus anacronismos de câmara e toda uma pose blasé.
Uma jangada de pedras para Alvalade
Não se aflijam que ontem fiquei em casa. Olhei com atenção durante 70 minutos do jogo. Aconteceu o que qualquer adepto com juízo anteciparia. O Sporting é um colectivo à deriva, presa fácil até para um Benfica A+B que se limitou a gerir a ruína do adversário. Agora, directo ao assunto. Acuso os dirigentes do meu clube de não encararem a estabilidade e o êxito do futebol profissional do Sporting como responsabilidade prioritária nas suas vidas. Na altamente improvável situação de me ver por eles desmentido, então ficará em causa a competência para a gestão desportiva dessas mesmas pessoas, das quais o maior responsável é sempre o presidente José Eduardo Bettencourt. Ou apresentam resultados reveladores de uma outra exigência, ou então é trabalharem de imediato na sua sucessão. Temo pelo dia em que José Eduardo Bettencourt apresente Miguel Salema Garção (team manager e director interino para o futebol) como o terceiro treinador que o Sporting conhecerá esta época. Já faltou mais.
2.09.2010
Taça da Liga
[...] Regarding my recent listening habits, there's a group called the Wooden Shjips from San Francisco. We got to play with them when we played there. They're psych and drony and great. There's another guy from Portugal called The Legendary Tiger Man, a one-man rockabilly band, with a bass drum, snare drum and guitar. He uses three mics, one normal one, one with a kazoo, and one under his neck. You can't imagine that all that noise is coming from one person. The first time I heard him in a Paris record shop I thought it was an Alan Vega record I hadn't heard before.
Having watched you in Sheffield play with a group of friends, including Richard Hawley, your sister Saskia and some of the Fat Truckers, I wondered if you had ever thought about doing a little tour: An evening with Jarvis Cocker and Richard Hawley. A night of anecdotes and music... (Susan Scott, Perth, Scotland)
It might get a bit Richard Stilgoe and Peter Skellern, mightn't it? It would certainly be interesting. Maybe one night would be OK. If we did it on a regular basis, it would be quite bad for my health, because being with Richard Hawley would probably involve quite a lot of drinking.
[...] I was once in the Groucho Club, and Will Self was in there, moaning, as he always seemed to be. I never really got on with him. Anyway, Keith Allen sat him down and said, "Will, the reason you don't like Jarvis is because he's got charm and you haven't." So, if Keith Allen is the arbiter of charm, I guess I have.
[First Cuts, An audience with... Jarvis Cocker, Uncut, Fev. 2010]
2.08.2010
Cidadão Instigado. Capítulo primeiro.
Em 2002 nasciam para o disco compacto os Cidadão Instigado de Fernando Catatau, esse génio da produção brasileira não mais desconhecido. Vocês que juram a pés juntos pela excentricidade de Tom Zé, pelo psicadelismo tropicalista que vai até onde os seus contemporâneos deixaram de estar, ponham os ouvidos n'O Ciclo da Decadência. Catatau mete o Tom no bolso de trás e até ver sem se meter em politiquices oportunistas transatlânticas. Apenas música, delírio retro e puro devaneio lírico. Também serve pensarmos em Fernando Catatau como sendo o Zappa brasileiro, e nos Cidadão Instigado, sobretudo aqui, como os seus Mothers of Invention. Ouvidas a cabeça e o rabo, só falta mesmo a posta do meio. Estou a tratar disso.
Mundo civilizado
Irlanda (29) - Itália (11).
Começou o Torneio das Seis Nações. Vi os três jogos do fim-de-semana, ganhos pelas equipas que penso estarem em melhores condições de vencer a competição. A Inglaterra com Jonny Wilkinson recuperou a chama. A Irlanda, a minha selecção europeia do peito, actual detentora do troféu, mantém-se forte – apesar da Itália não representar um verdadeiro teste – e oxalá vença todos os jogos como fez no ano passado. A França parte com favoritismo segundo os especialistas. É uma grande selecção, alia a técnica que sempre se lhe reconheceu ao rejuvenescimento do seu 15, onde há garra e músculo de sobra. O jogo que opôs a França à Escócia, em Murrayfield, foi dos três o melhor. Bateram-se bem os escoceses, mas nem um ensaio para as estatísticas. E sempre que os franceses subiam faziam estragos. No próximo sábado os homens de Lievremont recebem O'Driscoll e companhia, e as coisas podem começar a definir-se. A este nível, disse-o e repito-o, o rugby é o desporto mais impecável e espectacular à face da Terra. Estou como quero.
2.05.2010
Mojo vitalício (para o Diogo Lopes)
[...] Go down Manchester town
Can't navigate it
The club scene, man
You can't compare with it
One third of securities count
I can't understand that
Again
You're not real boy
I say you're not real boy
You're a gym (teacher)
You're a Cancer and I expect
A little shit
I'm a fifty year old man
And I like it
I got a three foot rock hard on
But I'm too busy to use it
I'm a fifty year old man
I'm a fifty year old man
What you gonna do about it? [...]
Mark E. Smith has been waiting his whole life to write "50 Year Old Man". It's the song he was born to sing, the song for which he's essentially spent an entire career spanning somewhere in the neighborhood of 26 studio albums rehearsing. Oh, he's written better songs -- loads of them -- but that's beside the point. This song, all 12 minutes of it, including the completely unexpected banjo solo, is basically Smith saying, "I'm old and I'm still playing in this warped, badass band making challenging music and fuck you if you think I'm going to stop." Never mind that 50 is hardly old these days, it's still glorious to hear him yelling, "I'm a 50-year-old man/ What're you gonna do about it." I expected him to tell younger bands to get off his lawn any minute. [...]
Joe Tangari, Pitchfork.
Centenário Miguel Hernández
Faria 100 anos a 30 de Outubro de 2010. Morreu aos 32 de tuberculose numa prisão. Conheço a poesia de Miguel Hernández desse disco extraordinário que Joan Manuel Serrat dedicou ao poeta. Disco de capa negra onde Serrat surge, no interior, com barba revolucionária e cara de poucos amigos. Tinham passado 30 anos sobre a morte de Miguel Hernández. Mas não era uma obra ao luto. Era como todos os discos de Serrat sobre a vida. E quando hoje o escuto, a voz de Serrat mantém a capacidade de se fazer ouvir com igual presença por todas as divisões da casa. É uma voz enorme e tem ao mesmo tempo a exacta estatura do homem. Alguém disse que se ouvirmos bastante Serrat chegamos inevitavelmente a Brel. Chegamos sim, se já lá não tivermos estado antes. E chegaremos também uma outra vez a Miguel Hernández, com nova recolha de poemas que Serrat musicou e canta, e que constitui o alinhamento do álbum a sair dia 23 de Fevereiro: Hijo De la Luz y De la Sombra. A ele voltarei o mais breve possível.
2.04.2010
Decibeldúvidas
Marshallmallowed - Ser prensado como uma goma pela potência sonora debitada pelos amplificadores Marshall.
2.03.2010
The men who stare at goals
George Clooney, o homem que mata cabras só com o olhar.
Rui Patrício, o homem que desvia bolas só com o olhar.
Qual é o teu feeling?
Parecia o Bayern! O regresso do fantasma vindo do ano longínquo de 2009. A supremacia do Porto ao longo de todo o jogo chegou a ser humilhante. No Sporting as exibições variavam entre a apatia e o desastre (Grimi esteve menos que nulo). E mais dramático que o resultado final é assistirmos ao segundo desabar dos castelos de cartas de José Eduardo Bettencourt. Enterrou Paulo Bento e ontem, no Dragão, foi a vez de Carvalhal ser depositado a cinco palmos de terra. Quem?, que sportinguista?, não pensará que o jogo com o Benfica para a Taça da Liga será o prolongamento do massacre? Votámos num presidente, saiu-nos um cangalheiro.
Nota 1. Liedson teimou de novo em ser a excepção (e foi mesmo).
Nota 2. Carlos Carvalhal teve postura muito digna na flash interview, mas a isso também estávamos habituados.
Nota 1. Liedson teimou de novo em ser a excepção (e foi mesmo).
Nota 2. Carlos Carvalhal teve postura muito digna na flash interview, mas a isso também estávamos habituados.
2.01.2010
Birth
Arrisco dizer que Birth teve passagem discreta pelas salas do mundo inteiro. Recordo a estreia do filme em Portugal, mas por algum motivo que não lembro não fui vê-lo na altura. Perdi então não apenas a possibilidade de o encontrar nas circunstâncias ideais em que qualquer filme deve ser visto, como tiveram de passar meia dúzia de anos para que me cruzasse com um dos mais singulares e fascinates filmes da década.
Dirigido por Jonathan Glazer (n. 1966), que havia percorrido os universos da publicidade, dos videoclips, do teatro e da televisão, afirmando-se com uma primeira obra chamada Sexy Beast – que agora vou correr a ver se arranjo –, Birth parte da possibilidade do nascimento de uma história de amor (para ser rigoroso, do seu renascimento), entre uma mulher que pertence a uma família rica e culta do Upper West Side nova-iorquino e uma criança que afirma ser o marido dela falecido dez anos antes. O que é maravilhoso em Birth é o facto do seu realizador, Jonathan Glazer, encontrar um tom intenso, sóbrio e elegante próximo do cinema de Roman Polanski (Rosemary’s Baby) e de Stanley Kubrick (Eye’s Wide Shut), na apropriação do potencial plástico e emocional da história bastante implausível, que confere a Birth uma espécie de beleza glacial que o resgata de qualquer cedência a um oportunismo metafísico ou sobrenatural. O filme envolve-nos como num feitiço, e a dada altura (que será diferente consoante o espectador) descobrimo-nos libertos das amarras da verosimilhança que uma premissa como aquela implica.
Birth é um objecto que se coloca fora do seu tempo (o argumento tem elementos e temas próprios a um romance do séc XIX: culpa, luto, cartas de amor que não foram lidas), parece suspenso lá em cima junto com o majestoso apartamento onde a viúva Anna (a superlativa Nicole Kidman, que tira partido da expressividade dos ínfimos detalhes do seu rosto, aqui mais descoberto no cabelo curto como Mia Farrow ou Jean Seberg em tempos usaram) vive com a matriarca da família, interpretada por Lauren Bacall. Birth é um filme de interiores com história, em cores orgânicas com verdes e castanhos, e de exteriores outonais com ramos despidos e a presença da neve que lhe reforça a atmosfera de intemporalidade.
É comum procurarmos explicar as emoções que um filme nos suscita, e dificilmente um filme será importante para nós se não nos emocionarmos. As emoções que Birth em mim produz não têm tanto que ver com o seu lado melodramático, com a possibilidade desconcertante da recuperação do amor adulto no corpo de uma criança, antes com a articulação dos elementos propriamente cinematográficos: da partitura esplendorosa de Alexandre Desplat, à notável direcção de fotografia de Harris Savides (habitual colaborador de Gus Van Sant), e à découpage de Glazer que reunidas atribuem ao filme uma impressão de sonho desperto. O que emociona verdadeiramente em Birth é da ordem da linguagem puramente visual, coreografada, e deixa-me sem outras palavras. Birth é um espanto.
Lars the Ripper
«There are quite a lot of good sources for misogyny, I’m sorry to say! They tend to focus on woman’s foolish and deceptive nature, and her lust and weakness that leads her to be evil. So a small tour would be to go from the patriarch Chrysostomus and his claim that “Womankind is rash and fool-hardy; and their covetousness is like the gulf of hell, that is insatiable,” to Schopenhauer who in his essay Of Women claimed that women “are defective in the powers of reasoning and deliberation” and that as the “weaker sex” they are “dependent, not upon strength, but upon craft; and hence their instinctive capacity for cunning, and their ineradicable tendency to say what is not true” While Malleus Maleficarum explains that “woman is more bitter than death … because bodily death is an open and terrible enemy, but woman is a wheedling and secret enemy.” And finally James Kenneth Stephen, who some suspected to be Jack the Ripper, composed this elegant little piece of poetry:
If all the harm that women have done
Were put in a bundle and rolled into one,
Earth would not hold it,
The sky could not enfold it,
It could not be lighted nor warmed by the sun;
Such masses of evil
Would puzzle the devil
And keep him in fuel while Time’s wheels run.»
Da entrevista com Heidi Laura, jornalista dinamarquesa que fez a pesquisa sobre o tema da misoginia para Anticristo de Lars von Trier (que achei um calculista e pesadão déjà vu).
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