4.14.2009
A vida essa fantochada
Na imagem Asia Argento beija o seu Rotweiller, no palco do "paraíso".
É óbvio que o Paraíso é onde Abel Ferrara nos coloca. O Ray Ruby’s Paradise é um clube de “strip” perdido no tempo – o aspecto do lugar remete para a década de 70 – habitado por maior número de belas mulheres do que o que existe no Éden que vendem aos fanáticos. As dançarinas são todas lindas, todas novas, todas esguias, todas com maminhas que não passam da concha da nossa mão.
Mas até no Paraíso a verosimilhança não tem elasticidade ilimitada. E é por isso que apesar de Go Go Tales nos deixar boquiabertos durante a primeira hora – e a salivar com a câmara de Ferrara à deriva por entre todas aquelas curvas –, a dado momento o filme tomba no precipício do disparate. A gente até dá de barato a história mal montada do esquema da lotaria e do bilhete extraviado, mas quando o jovem médico protegido de um dos principias clientes do Ruby’s descobre que a mulher trabalha como “stripper” (até porque falta ali contexto com a espessura do Som de Cristal interpretado por Marante, com base na versão de Reginaldo Rossi), ou quando o cabaret se esvazia para dar lugar às audições do seu elenco de meninas, porteiros e patronos, não sabemos nem para quem, nem com que intuito (e não dá para levar a coisa no gozo porque Ferrara filma o ridículo com ternura), entramos em territórios de incontornável gratuitidade que na minha opinião vem sabotar a dimensão humana, ainda que teatralizada, das cenas anteriores.
Go Go Tales é uma revisitação competente, em carne e em espírito, de A Morte de um Apostador Chinês, de John Cassavetes (e um grande Cassavetes!). A cópia aguenta-se até à entrada naquele registo “who cares?” que terá satisfazido os caprichos do realizador, mas cuja inverosimilhança pode largar o espectador numa perda irreparável: uma vez ultrapassada a linha que separa o espectáculo da fantochada.
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