Fui ver Kikoe porque soube que Otomo Yoshihide participa no próximo disco de David Sylvian. Tive uma réstea de esperança de que Sylvian entrasse no documentário de Chikara Iwai, em vão. Yoshihide é um improvisador japonês que lidera vários projectos que furaram para o panorama a Ocidente, e Portugal já recebeu a sua visita. Mas será isto um documentário? É sobretudo uma experiência visual e sonora que procura transferir para a sua estrutura a sensação algo surrealizante que decorre da contínua sabotagem de sentidos que permitam interpretar o que estamos a ver e a ouvir. Surgem fragmentos das performances das várias formações encimadas por Yoshihide, que em grande parte das ocasiões é apenas mais um elemento a colaborar no caos sonoro generalizado. E também inúmeros depoimentos (DJ Spooky, Jim O'Rourke, Jonas Mekas, Taku Sugimoto, entre outros) que são alvo de permanente rasura, quando aquilo de que dão conta não é já suficientemente difícil de acompanhar. Kikoe mantém até final esta impressão de fluxo aleatório, mas se aceitarmos as regras do jogo a cumplicidade até sai recompensada.
Tokyo Sonata, exibido na última edição do Festival de Cannes, era a minha grande aposta deste Indie. Trata-se de um melodrama discreto que surpreende perto do final com a mudança para um registo que acentua o burlesco até aí subliminar, libertando-se por momentos numa espécie de histeria colectiva. Tokyo Sonata é um grande filme sobre o fracasso. Sobre a ilusão que incute em nós com relação ao que se passa na vida das outras pessoas, e sobre o modo como os outros nos vêem. Kyoshi Kurosawa filma a história de um pai de família que perde o emprego, e a forma como isso precipita a desagregação do clã que já estava em curso. A existência daquelas quatro figuras (pai, mãe, dois rapazes) era convencional só na aparência, presa na suposta autoridade paterna que vai entrar em crise: quando todos os elementos se sentem na liberdade de seguir aquilo que realmente desejam. O conflito está instalado. Os segredos acabam descobertos: o "emprego do tempo" do pai, a carta de condução da mãe, a pretensão do filho mais velho em se alistar no exército americano, e as lições de piano do outro filho pagas com o dinheiro das refeições do colégio. Kyoshi Kurosawa move-se com mestria neste quadro de equivalências, revelando com sensibilidade os aspectos tragicómicos da vida. O fracasso só é fatal para os que se levam demasiado a sério. A ver se não esqueço a lição.
Tokyo Sonata volta a ser mostrado no auditório do Museu do Oriente, na próxima 5ª feira às 19h00.