9.30.2010

O que Helmut Newton faria com esta mulher


























Tiah (Eckhardt) Delaney fotografada por Akila Berjaoui.

Arthur Penn (1922-2010)




















Realizador do infelizmente demasiado fora de circulação Night Moves (1975). O meu preferido.

[foto da rodagem]

Austeridade





















Try a different angle.

Agora bebes Grant's.

9.29.2010

Olhos de serpente


























Não chega para dizer, com palavras de Graham Greene, que "isto é (um diário) feito de ódio". Será, em alternativa, o álbum do ressentimento. Amoroso. Camané não baixa a fasquia e não nos facilita a vida. Não facilita a vida dele próprio, equilibrando-se sobre palavras mais vulgares que antes. Vocábulos comuns e correntes que se agarram aos cacos. É talvez o seu disco mais cerebral, e a coisa lá terá que ver com o conceito: Do Amor e dos Dias. É preciso descascá-lo; irei descascá-lo pacientemente para encontrar novas emoções que traga presas no fundo. A voz, séria, suspensa, serpente, desenrosca-se para nos fazer descer: lá onde é mais quente e onde dói mais.


bebi entre os teus flancos a loucura
nesta dor em que me vejo/ de nos ver quase no fim
sofrer bem sei/ mas prender-me nunca mais
de nada, nada se tira/ a nada, nada se dá
ao peito levo a rosa que trazias/ tingida pelo sangue dos teus dedos
amo-te à minha maneira/ não sei se é crime ou castigo
teus olhos sensuais/ libidinosa Marta
podes amar quem quiseres/ que em cada beijo que deres/ hás-de lembrar-te de mim
és passado sem presente
eu tenho mais que fazer/ não vou na tua cantiga
e agora quando me deito/ tu és o sonho desfeito
torcias/ contra a nossa selecção
e num bar fora de horas/ se eu chorar perdoa
lá no fundo dos copos encontramos/ e por vezes sorrimos ou choramos
a meu favor/ tenho o verde secreto dos teus olhos
o amor é o amor – e depois?!

[composição livre feita com letras de todos os fados de Do Amor e dos Dias. Palavras de: David Mourão-Ferreira, Sérgio Godinho, Frederico de Brito, Manuela de Freitas, Luís Viana, Miguel Novo, Cesário Verde, Maria Margarida Castro, Fausto Bordalo Dias e Alexandre O'Neil]

9.28.2010

Ricardo, o Enorme

O aparato visual em The Box, de Richard Kelly, é mínimo se comparado com as implicações e o seu poder especulativo (que vai da Bíblia até Sartre). Quem acredita que Inception, de Christopher Nolan, é que é o filme da temporada que melhor expande a mente de quem o vê, na minha opinião engana-se. Este The Box, que nas suas virtualidades e virtudes metafóricas pode ser o receptáculo da consciência de cada espectador, é um objecto tão repleto de insinuações morais, religiosas, filosóficas, históricas, cinematográficas e políticas que o cérebro não pára de unir as peças do enigma mesmo depois de o realizador lhe ter posto um "fim".












Richard Kelly substitui aqui a figura do anjo da morte (ou da vida; prefiro a segunda), do bizarro coelho de Donnie Darko para o imperturbável e desfigurado personagem de Frank Langella (extraordinário actor), um ex-funcionário da Nasa de quem se perdera o rasto após um acidente aparentemente mortal onde fora atingido por um raio eléctrico. É ele o enviado das Entidades que resolveram sujeitar a humanidade a um teste, iniciando-o com a população da Richmond, na Virginia (onde se situa um centro de pesquisa da Nasa). É também ele que nos confronta com o Purgatório que é a vida; com a vanidade de todos os desejos que nos são, e apenas a nós, dirigidos. The Box é claramente um filme moralista e adquire por vezes um tom quase messiânico. Mas é tão vasto o seu campo de referências (que em matéria de cinema parecem fixar-se entre o Lynch de Blue Velvet e Dune, e o Kubrick de The Shinning e 2001), que mal temos tempo de experimentar alguma logo nos encontramos sob a influência de outra.


















Permito-me concluir com uma afirmação algo visionária. The Box ficará não apenas com um dos filmes centrais deste "nosso" ano (trata-se de uma produção de 2009), como perdurará na história do cinema como um dos títulos importantes da década. Os seus resultados só agora começam a manifestar-se. E a mente, sabemos bem, tem um espaço que ninguém arriscou ainda a quantificar.

9.27.2010

Here come cowboys


















Our love is solid as a rock like the moon and stars
We built our love to last like Henry Ford built cars


[Merle Haggard, 1994.]


E mais um voto nos conservadores norte-americanos.

Had me at "Unglamorous"


























(...)

Frozen dinner, jelly glass of wine - tastes just fine
Two bread winners, five kids in short time - with eyes just like mine


How wonderful crowded dinners at the kitchen table
How beautiful one TV set - no cable
No frills, no fuss, perfectly us - unglamorous


(...)

How wonderful a gravel road leading to a front door
How beautiful old wool socks on a bedroom floor
No frills, no fuss, perfectly us - unglamorous


(...)


Lori McKenna. Alguns homens gostam de mulheres assim.

9.25.2010

Clássico e contemporâneo



Cada disco de Camané actualiza para o seu tempo os temas do fado de sempre.

9.24.2010

Storytelling



Maria Matos, Novembro, something like that (like this...).

9.23.2010

Update

De que serve estar sem te ver se continuas a aparecer-me em sonhos.

9.22.2010

Boca seca

Leve 4 pague 3
























Façam melhor, se puderem.

Brothers
















Brothers, Entre Irmãos é dos bons filmes (são poucos) em exibição. Esta realização do confiável Jim Sheridan parece preparar o terreno para o trágico, para o irremediável, para depois frustrar as expectativas do público menos avisado, com o triunfo da banalidade. O que é trágico no filme é a própria guerra (Afeganistão), o que lá acontece que não pode ser inteiramente partilhável, que é difícil de traduzir por palavras, que não é resgatável pela compaixão. Se estivermos a contar com um determinado desenlace, arriscamos perder o melhor do filme. O facto de aparentemente não ter nada de especial. O trajecto da banalidade em todo ele, e o modo como os actores se "apagam" para conseguirem ser-lhe fiéis.

9.21.2010

Cachorro moralista
















Também perdi largos minutos nos principais endereços onde Faye Reagan se entrega a todo o tipo de licenciosidades (nada que não tivesse visto antes protagonizado por dezenas de fémeas; e de varões, bem entendido). O moralista que há em mim morde o isco perante a dificuldade de entender que mulheres agraciadas com tamanha beleza a desbaratem com qualquer um (comigo), mesmo que em troca de direitos milionários decorrentes do uso da sua imagem. É horrível que o incómodo diminua face à comum badalhoquice, mas é mesmo assim (só a beleza se me afigura imaculada, merecedora de ser aqui preservada). O obstáculo é quase de ordem religiosa, reconheço, olhar representações que pela sua gratuitidade nos roubam o direito de rezar. Acreditem se quiserem: quando faço turismo por quaisquer destinos pornográficos é sempre em busca da transcendência: do instantâneo (imóvel ou sequencial) onde a mulher se liberta da sua proto-subjugação e se eleva em todo o esplendor. Pode ser uma expressão, um pormenor distituído de utilitariedade priápica, qualquer coisa que rompa com a lógica da eterna repetição. Um momento que dê a ilusão de ser só meu (porque fui o único a reparar).

9.20.2010

Paulos Bento
















Se Paulo Bento se tornar, como espero, no novo seleccionador de Portugal, estarei mais do lado da equipa nacional do que alguma vez estive. Há coisas que não se esquecem, sendo o carácter primordial entre elas todas.
O Sporting apostou este ano num outro Paulo (Sérgio) Bento (Brito). Apostou no carácter (?), que já deu para comprovar que o tem. Pena que depois não lhe pudesse (ou quisesse) ter dado ouvidos. Os golos de Cardozo, ontem, foram dois "pinheiros" enfiados goela abaixo de cada sportinguista.
Está na cara que Liedson, menos felino e mais previsível para as defesas adversárias, deixou de resolver sozinho. E que o resto da "madeira" de que dispomos não tem qualidade.
Valham-nos Bento & Bento, se puderem.

9.17.2010

Coberta de razão


















Faye Reagan (imagem retirada do My Space da actriz). Uma pele, um cabelo, uns pés, um corpo de sonho. O sonho possibilita o encontro da razão de uns com o anseio de outros.

"Educação Siberiana", Nicolai Lilin

Não me fazia impressão nem o corpo do polícia estrangulado nem a história da tatuagem copiada de um criminoso. A única coisa que naquele momento me parecia estranha, pouco natural e fora da minha maneira de compreender a vida, era aquele corpo vazio, sem tatuagens. Parecia-me uma coisa impossível, considerava-a quase como uma doença. Desde pequeno sempre estivera rodeado por pessoas tatuadas e para mim isso era absolutamente normal. Ver um corpo sem nada tatuado causava-me um estranho efeito: um sofrimento físico, uma espécie de piedade.

9.15.2010

O álbum negro

Estávamos no início dos anos 90 quando os Metallica gravaram o seu disco para a posteridade, embora não o mais apreciado pelos entusiastas do metal que continuarão a preferir Master of Puppets (estou com eles). Aquele a que se convencionou chamar "the black album" é um disco de paradoxos que desperta sentimentos ambivalentes. Esta é a sua maior originalidade. Os metaleiros tinham música para ouvir com as miúdas (The Unforgiven e Nothing Else Matters podiam também servir para compor westerns revisionistas), sendo que as duas baladas do disco representam dentro do género o mais próximo que se esteve de voltar a escalar a Stairway to Heaven. E enquanto elas se aconchegavam à sugestão do paraíso, os brutamontes preferiam as malhas de abertura (Enter Sandman e Sad But True) ou outros exemplos de riffalhada bem mais física que o disco tem de sobra, apesar de só raramente subir a rotação para níveis a que os Metallica da década anterior haviam habituado os fiéis (e nisto volto a estar com estes).

Observe as diferenças


























Ad Reinhardt, 1966.



























Metallica, 1991.

No topo (Madison Square Garden, 1973)

9.14.2010

Serviço público auto-imposto




















Entrei em Marked quase às cegas. O tema não oferece muita escolha e o cunho do canal History, vá-se lá saber porquê, fez-me recear um produto superfícial e demasiado polido. Nada mais errado. Marked alia a qualidade jornalistica a uma linguagem visual impecável. É uma série constituída por testemunhos orais e testemunhos assinalados na pele. A mim, fascinam-me. Nenhum dos três (de seis) episódios que vi me desapontou. Prisões, motards, gangs hispânicos na América. Cumpri metade do trajecto e estou como quero.

Período azul


























Nunca fiz dinheiro suficiente para investir em Arte. Por outro lado, obras de arte preenchem as paredes privadas de minha casa.
São obras portáteis. Pujantes. Épicas. E belas.

O lugar do réu

Audition (1999) é ainda hoje provavelmente o filme mais visto do japonês Takashi Miike. Dura cerca de 110 minutos e nos primeiros 80' é um drama convencional, mas muito bem filmado, sobre um viúvo de 50 anos que pensa casar de novo (até porque o único filho está a entrar na idade adulta e um dia sairá de casa) e que pede ajuda a um amigo que trabalha no cinema para organizar uma sessão de casting para um filme que nunca se irá concretizar e onde Aoyama, o viúvo, deseja encontrar a dama dos seus sonhos de homem solitário. Isto são, repito, os primeiros dois terços de Audition, que se concluem quando Aoyama finalmente se deita com Asami, a delicada moça escolhida e depois por ele cortejada. A partir deste momento o filme de Takashi Miike entra numa espécie de universo lógico paralelo que até então tinha sido muito lateralmente sugerido. O que parecia idílico torna-se um pesadelo e de seguida entramos no processo de tortura do protagonista que os mais sensíveis poderão achar insustentável (mais até no ecrã grande da sala de cinema).



Vamos por partes. Takashi Miike é um indivíduo que filma ao ritmo de vários projectos ao ano (chegou aos 4 e 5 em 12 meses). Considerêmo-lo um instintivo: é preciso ser rápido para se filmar tanto. O grande instinto de Audition foi o de transferir o lugar de protagonista para o espectador (masculino). Uma versão paroxística de um dos aspectos mais relevantes da obra hitchcockiana. A violência que sofremos indirectamente nos instantes finais, aliada às imagens arquetípicas dos homens que supostamente abusaram de Asami (quando criança e jovem mulher) e por ela foram punidos, parece ambicionar castigar até o mais inocente dos espectadores, que algures no fundo de si esconde o seu grão de culpa. Audition é um filme que pela pulsão abstracta pune indescriminadamente e é por isso um objecto de estranha poesia. Não há lugar a julgamento, não há direito a explicação. A culpa é a condição do adulto e o desejo o seu maior crime. Quem quer que se sente na cadeira terá de se sujeitar a uma outra "audição".

Do ano em que nasci embora possa dizer que nasci no ano em que pela primeira vez os ouvi

9.13.2010

Os verdes anos

Faz zeppelin


















Este gajo é que (me) percebe. Que se lixe a eloquência e liguem-se à Radar: a história dos Led Zeppelin segue nas palavras e na música escolhida por Zé Pedro. Dá-lhes, irmão rock'n'roll, que eu dou-lhes deste lado também.

Praise Southern Lord


























Do género consagrado pelo meu braço esquerdo (isto assim fica um pouco hermético; é stoner metal como diz aqui).

O melhor bolo de chocolate do mundo


















E outras iguarias por Mikhail Nekrasov.

Os rapazes quase choram


























No mundo da música, a este nível, também se pagam prémios chorudos de assinatura. A testemunhá-lo está o caso de Robert Trujillo, que ao aceitar ser escolhido para substituir Jason Newsted como baixista dos Metallica, não apenas viu a sua condição subir de imediato a "ícone" da música, para um Especial MTV dedicado à banda, como recebeu logo ali à cabeça, como se costuma dizer, um milhão de dólares. É no que dá passar a servir o "monstro" em que os Metallica se tornaram, após se destacarem como um dos negócios mais lucrativos da indústria musical na década de 90. O "monstro" foi engordando a conta bancária e tornou-se paranóico. A competição entre os elementos fundadores, que já levara à perda remota de Dave Mustaine para os subsequentes Megadeth, empurrava então Jason Newsted na direcção da mesma porta de saída. A cabeça tricéfala estava em crise, e James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett decidiram contratar um super-terapeuta relacional, pago a 40 mil dólares/ mês, para tentar apaziguar os egos da banda.
Diga-se que se exceptuarmos as diferenças óbvias decorrentes dos hábitos e estatuto de um dos mais lucrativos projectos musicais da altura, o que Some Kind of Monster dá a ver é o lado vulnerável e inseguro de pessoas como nós que levam vidas de superior protagonismo e responsabilidade. Com duração semelhante a um filme de Jacques Rivette (140 minutos), o extraordinário documentário de Joe Berlinger e Bruce Sinofsky acompanha o curso da substituição de um dos elementos dos Metallica, a par do longo e tumultuoso processo de gravação do álbum St. Anger, o parto mais difícil na discografia do grupo. Há um lado de dispositivo Big Brother (modo "confessionário") a operar aqui, mas a montagem final garante o contínuo de intervenções de luxo (sem qualquer referência agora a questões de dinheiro). Os Metallica propõem-se enfrentar o "monstro" em que se tornaram de frente, e isso chega a ser comovente: para eles e para nós.
Nunca vi registo filmado que entre tão intimamente nas tensões que se vive numa banda rock. Dois anos repartidos pela observação da vida de cada músico e da interacção de uns com os outros, marcada por ressentimentos que não têm apenas origem na história dos Metallica mas que resultam ainda das histórias pessoais dos seus elementos. Some Kind of Monster dá a ver um objecto permanentemente ameaçado na sua razão de ser (os acontecimentos apresentam grau elevado de imprevisibilidade e conflito) e no seu intento derradeiro (a presença da equipa de filmagem não é pacífica, em particular para James Hetfield que desaparece largos meses sem deixar rasto). Graças aos dois autores e aos Metallica podemos vê-lo. Podemos fazer parte da experiência.

Claude Chabrol (1930-2010)


















Podia ter acendido uma vela mas optei por revisitar um exercício brilhante sobre a histeria dos parolos. E um filme sans fin.

9.10.2010

Morde que eu deixo


























Este blogue dá conta da muito próxima edição do MOTELx.
Queremos ver filmes sangrentos e sedutoras vestidas de negro.

Monstros e companhia


























A ver como se comportam em comparação imediata com os Metallica e os Slayer.
Guitarras por guitarras, imagens por imagens.

Lampetusa




















Nada deve mudar para que tudo fique como está.

9.09.2010

Humor em viagem




Fast Times at Ridgemont High

First of all Rat, you never let on how much you like a girl. "Oh, Debbie. Hi." Two, you always call the shots. "Kiss me. You won't regret it." Now three, act like wherever you are, that's the place to be. "Isn't this great?" Four, when ordering food, you find out what she wants, then order for the both of you. It's a classy move. "Now, the lady will have the linguini and white clam sauce, and a Coke with no ice." And five, now this is the most important, Rat. When it comes down to making out, whenever possible, put on side one of Led Zeppelin IV.


9.08.2010

Ser benfiquista
















A Espada e a Rosa, de João Nicolau. Hoje e amanhã em Veneza.

O bom leitor


























Procura os livros certos para ti. Perceberás pelas primeiras páginas. Encontrei mais um.

9.07.2010

Atendedor de chamadas

Granito




















Eis o derradeiro plano de The Fountainhead/ Vontade Indómita (1949), de King Vidor, não mais lacuna de topo na minha cinefilia. O homem no cimo do mais alto prédio de Manhattan. O homem tão alto como o mais alto edifício da cidade. A ascenção de Dominique Francon (Patricia Neal) até Howard Roark (Gary Cooper) é a suprema erecção que eu jamais vira tão intensa e subjugadoramente representada no cinema. A imagem que aqui vêem é por assim dizer o clímax do individualismo: a verticalidade do mastro que não abana, ao contrário da roupa que se agita por acção do vento. Roark colocado ali é como bandeira que assinala a absoluta intransigência da sua integridade. Vontade Indómita é o filme mais macho que alguma vez vi. A impassividade granítica de Gary Cooper é figuração de homem que deixa sem fôlego qualquer homem. Masculinidade ostensiva que envergonha qualquer mercenário, qualquer exterminador. Perguntei para um dos lados como se consegue uma segurança como a de Howard Roark? Respondem-me que vem com os genes. Quem não tem genes não tem génio.

9.06.2010

Predadores



I'm a wolf in human shape. Eu acredito.

O que vem à superfície


















Um dos aspectos interessantes de aceder aos Extras de alguns DVD's é perceber o que determinado objecto podia ter sido em confronto com o resultado final. O caso de Open Water/ Em Águas Profundas (2003) é estimulante e esclarecedor. O filme informa-nos de início que se baseia em factos reais. Como sabemos que a história trata de um casal que estando de férias é esquecido acidentalmente no mar alto no decorrer de uma saída de mergulho, a expectativa natural é de que alguém (ou ambos) tenha sobrevivido para contar como tudo aconteceu. Um genérico alternativo, montado pelo realizador Chris Kentis e disponível nos Extras, mostra parte do equipamento de mergulho que dá a uma praia, indício de que o desenlace terá sido trágico. A opção por retirar este elemento da versão final permite que o espectador siga o drama de Susan e Daniel "em tempo real", acreditando e duvidando em simultâneo da sua sobrevivência.
Com toda a promoção a assentar no confronto da vulnerabilidade do homem face a um contexto que necessariamente não lhe é natural, acrescentado do cerco de tubarões que sobre ele investem de forma menos ou mais violenta, era de esperar que se fosse assistir a um filme de suspense, elemento que Open Water capitaliza de maneira nada despicienda. Mas o tema real do filme é outro. A relação do casal é o aspecto mais interessante, o verdadeiro núcleo da acção e aquilo que faz de Open Water uma variação clássica do filme de aventuras em meio hostil.
Recordarei sempre uma cena de sexo de Don't Look Now (1973) de Nicholas Roeg, que tornada a ver muitos anos depois empalidecera na sua aura, protagonizada por Donald Sutherland e Julie Christie, com base na erotização dada ao uso de um dentífrico. Desconheço se tal cena terá servido de inspiração a Chris Kentis, que ainda nos Extras menciona ter procurado fazer um filme que obedecesse aos pressupostos do manifesto Dogma 95 de Lars von Trier & Associados. No entanto a cena que mostra o casal na intimidade que antecede o sono (substituindo o dentífrico por um creme de rosto), na noite prévia à partida para o exercício de mergulho, é o momento mais extraordinário do filme. Regista com o mesmo realismo "caseiro" a justeza dos corpos que serve o desencontro (ele quer, ela diz estar cansada...) a que mais tarde, com o par já perdido na imensidão das águas, se acrescentarão outros indicadores dramáticos. A apreciação das zonas de luz e sombra que algum cinema contemporâneo continua a fazer baixar sobre as relações homem-mulher ganha em considerar este Open Water, que tem vários créditos a juntar à sua identidade de série B.

9.03.2010

Vikings a sério


















Proposta de casting para o próximo projecto de Mel Gibson.

My fair lady



















É atribuída a Godard a seguinte formulação: "o cinema substitui ao olhar um mundo que passa a estar de acordo com os nossos desejos". Não subestimemos a força do desejo, pois pode até fazer sentir a presença de telemóveis onde não se acreditava que existissem antes… Quando o trágico professor de filosofia François Hainaut (grande Bruno Cremer) experimenta a angustia da separação da ninfeta sua aluna Mathilde (Vanessa Paradis), recebe a dada altura um telefonema desta que lhe pede que se dirija para a frente da casa. É coisa de segundos e François habita um local isolado, mas logo Mathilde lhe surge e se lhe atira de braços abertos. O desejo significa também aqui o poder do inconsciente, tema que é objecto de discussão entre o professor e a turma e que preenche algumas cenas do filme. O inconsciente operava já nesta altura (Noce Blanche é de 1989) no cinema de Jean-Claude Brisseau. A ele se devem as liberdades futuramente mais poéticas do autor. É território virgem que a realidade constrange e pune. Mas enquanto tal não acontece, entregamo-nos à volúpia do mistério.
Casamento branco (Noce Blanche) diz-se daquele que não é consumado pelo sexo. O filme de Brisseau deixa por um lado esse dado implícito (nunca assistimos à sugestão do sexo entre o professor e a mulher, ao passo que a ligação a Mathilde também decorre da carnalidade associada a um corpo jovem). Noutro sentido é mais provável que o título aluda à relação de François e Mathilde, à pureza de um sentimento ditado pelo inconsciente dele que a realidade dos factos tornará sombrio. O espectador atento guarda desde início a devida distância em relação à paixão de François de cujo objecto, somos informados "en passant", já havia atirado para a depressão um outro professor. E os indícios que Brisseau fornece não ficam por aqui. O próprio rosto de Paradis, muito pálido no começo, com aquela separação dos dentes da frente que ajudou à fama, tem qualquer coisa de perverso: dita-o uma vez mais o (nosso) inconsciente.

9.02.2010

Mulholland mine


9.01.2010

Surfistas prateados


Selo "mannschaft"


















Não é oficial mas está por todo o lado. Vai chegar um homem para fazer Patrício crescer.

O seu nome: Timo Hildebrand.

Reality hunger















O realismo, a fome de realismo (da impressão de realidade e do impacto emocional e cognitivo que causa e que deixamos escapar "por entre os dedos" nas nossas vidas), é algo que o filme de Christophe Honoré, Não Minha Filha, Tu Não Vais Dançar, compensa em substância.
A disfuncionalidade familiar, tema que tem preenchido a obra do realizador francês, uma vez mais regressa colocando em contraponto os cenários rural e urbano para idêntica manifestação de desarmonia. A nota dissonante principal que tudo contagia, corresponde à figura de uma das irmãs, Léna, interpretada pela aqui magnífica-extraordinária Chiara Mastroianni, em permanente movimento de fuga, a cada instante pondo a descoberto o caos interior que se repercute à sua volta e de novo sobre ela. O retrato desta "mulher sob influência" permanecerá connosco bastante depois de o filme ter terminado.
É o melhor Honoré desde Em Paris (2006), aliás obra para a qual se encaminha à medida que a acção se desloca do cenário de província (filmado à Téchiné), para a capital francesa (cada vez mais reconhecível nos traços de Christophe Honoré). A tal desejada impressão de realidade consubstancia-se na qualidade da escrita, na ambiguidade que denotam as personagens dominantes, na capacidade de organizar um todo convulso que ora se desagrega ou reagrupa. É assinalável o modo como Christophe Honoré transmite esta dinâmica familiar que ao mesmo tempo que conforta e protege, também infantiliza quem protege com a sua condescendência. Esta ambivalência é uma tensão central no percurso do cine-filho Honoré, embora nunca antes tivesse encontrado tão pujante representação como na personagem de Chiara Mastroianni.
Um filme perfeito (seja o que isso for)? Muito bom filme mas não perfeito. Em cima do final, Honoré belisca a qualidade homogénea desta sua obra ao sobrepor uma canção de Antony & the Johnsons a nova e previsível tomada de decisão da protagonista. Por demais diegética, aquela música (Another World) diz rigorosamente o mesmo que as imagens, sendo de lamentar este momento de fra(n)queza da parte de Honoré, que ao longo do filme ganhara em praticamente todos os outros gestos de artificialismo. Ainda assim, Não Minha Filha, Tu Não Vais Dançar mantém-se demasiado próximo da realidade caótica das vidas comuns (que são todas).

ESTREIA AMANHÃ.

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