7.31.2009

Amor e castigo


















Two Lovers/ Duplo Amor é extraordinário. James Gray volta a ser extraordinário. Joaquin Phoenix, a confirmar-se o adeus ao cinema, despede-se extraordinariamente. Gray filma o amor como condenação. Quem ama sofre. Começando no amor que as famílias votam aos filhos, quando assumem que outra vida se sobrepõe à delas. Amar é isso. Dar maior importância à coisa amada que a nós próprios. Visto de fora parece estúpido. Olhado a frio afigura-se antecâmara da tragédia. Talvez a grandeza do cinema de James Gray se possa aferir hoje pela capacidade de filmar a tragédia sem no entanto ter de a mostrar. Filmá-la como condição humana que é. Fazê-la sentir ao dar-nos acesso às zonas recônditas do coração e da mente das personagens. O cinema de James Gray é portador de moral conservadora reconhecível, que surpreende aqui ao descobrir um tom misericordioso que por momentos resgata as histórias dos simétricos amantes do fatalismo que sobre elas paira. Congratulamo-nos com a redenção final ao mesmo tempo que sabemos que as coisas não acabam assim. Enquanto houver gente que ama o destino encarregar-se-á de as castigar. Foi sempre assim, e também por isto a obra de James Gray é tocada pela intemporalidade dos clássicos.

7.30.2009

Leite derramado

7.27.2009

Absolut Bernard




















At the end of 1980 not only did Sue divorce him [a imagem diz, em legenda, tratar-se do dia do casamento de Jeffrey e Sue Bernard] but he crashed the car and lost his Colonel Mad column in Private Eye. Then his old friend Frank Norman died.
The car crash, when Bernard hit a Lambourn plumber's van in the narrow lane up to Crane's Farm, was his fourth shunt in eighteen months and he was so terrified of killing somebody one day while drunk that he finnally gave up driving for good. He had already driven home drunk one night from the Swan at Great Shefford on the wrong side of the road after dark with no lights on and had crashed into the cabbage patch at the Queen's Arms at East Garston, narrowly avoiding killing a goat. He sold the Datsun and needed to find some way of getting down to the village from Crane's Farm each morning without having to pay for an expensive daily taxi. His solution was magnificently simple. Each day in the village he posted himself an envelope bearing a 17p First Class stamp. The next morning the postman would drive all the way up the lane to Crane's Farm to deliver the envelope. When he arrived Bernard would be standing at the gate to cage a lift back into the village, where he would immediately post himself another 'letter'. For 17p a day he had ensured a daily taxi service. Once safely in the village of East Garston Bernard would repair to the Queen's Arms at about 9 a.m., where Tony Lovell would leave the back door open so that Bernard and some of his thirstier racing cronies could help themselves to a few heart-starters from behind the bar.
It was certainly a miserable time for Bernard. He was now drinking vodka because 'it's the only drink that doesn't make my pancreas scream' but it did not manage to diminish his drunkeness. Keith Waterhouse once attended a dinner with Bernard in London after which he realised that Bernard was so drunk he could never get back to Lambourn alone. They repaired to the Regent Palace Hotel at Piccadilly Circus, where Waterhouse tried to book him for the night. The recepcionist took one look at Bernard and declared that there was no room at the inn.
Bernard was leaning on a pillar. He glared at the recepcionist. 'Give us a room, cunt,' he ventured.
This attempt at sweet-talk was unsuccessful and Waterhouse was left with no option but to take Bernard home.

Just the One, The Wives and Times of Jeffrey Bernard, de Graham Lord, págs. 244/245.

7.16.2009

14 de Setembro
























A Wire fará capa com David Sylvian no seu número de Setembro, mês em que iremos conhecer o disco novo, Manafon. E isto é o tipo de notícia que me faz parar o pensamento.

7.15.2009

Mais mais mais

Acabo de notar que escrevo a palavra "mais" em todos os posts. Nalguns casos, repito. Em todos os casos, assumo. Querem mais?

Make it icy beautiful





















Que nos sugere a capa do segundo álbum de Mokira para a Type? Se soubermos que o título é Persona, e que o seu autor, Andreas Tilliander, é sueco, somos levados a pensar no celebrado filme de Ingmar Bergman mas, ó intrusiva amálgama de cultura popular!, que caprichosamente mais depressa atalhas pelas sensações que pela razão. O que a figura na capa deste Persona me recorda é os manequins do genérico de Nip/Tuck. A fertilidade da associação não acaba aqui. A paleta electrónica de Tillander, que vai do drone basinskiano (o disco foi concebido tendo por recurso sons registados e reproduzidos por fitas magnéticas) a ambientes que são reminiscentes do kraut e do dub, bem que sugere a actividade de corte e costura tomada num sentido artesanal que se orgulha de expôr as marcas do tempo, e de assinalar a marcação de todos os tempos (lentos). Tilliander ficou-se pelo aprendiz dos doutores McNamara & Troy, que preferiu recriar os seus próprios monstros em vez de recauchutar Barbies de solário. Até porque num universo repleto de sombras e fantasmas, qualquer nesga de luz, mesmo fria, é tão sempre mais intensa.

Educação pela garrafa

Ontem vi metade do episódio que corresponde ao quinto ano de produção de Prime Suspect, uma série inglesa excelente que teve cronologia invulgar. Estreou no início dos anos 90 e terminou em 2006, com episódios mais longos que muitos filmes (200 minutos), e com intervalos médios (2 anos) e longos (7 anos) entre eles. Prime Suspect é uma série onde se bebe bastante: cerveja e whisky. É frequente os detectives combinarem tomar um copo ao final do dia, ou antes de iniciarem outra noitada de investigação. Nos gabinetes dos superiores também se encontra a vulgar garrafinha, e ninguém moraliza o que os outros bebem. Faz parte da concepção existencialista de se ser polícia. Estamos portanto num contexto civilizado. Prime Suspect é protagonizado por Helen Mirren, que nesta altura tem a categoria de superintendente. A sua personagem, Jane Tennison, é vista muitas vezes a beber. Num episódio chegam a mostrá-la no supermercado, a fazer meia-dúzia de compras, refeições frugais de levar ao micro-ondas e duas garrafas de Famous Grouse. A novidade da sessão de ontem era que eu bebia um melhor whisky que a superintendente Tennison. Não um daqueles whiskies novos que também bebo, ligeiros e doces, que escorrem sem se fazerem prolongar, mas um Old Parr. Há medida que bebemos melhores whiskies, sentimo-nos como que sendo educados por eles. Um whisky velho, ou um Single Malt, impõem um consumo demorado, e moderado: aquilo não se degusta sem que nos sintamos impregnados de uma certa espiritualidade. Ontem aprendi umas coisas com o velho Old Parr, enquando dava início a outra noitada de investigação.

7.14.2009

Um David Berman


























No traço inconfundível de um tal Pedro Lourenço.

Proporções bíblicas




















Boy wants a car from his Dad
Dad says, first you gotta cut that hair
Boy says, hey Dad Jesus had long hair
and Dad says
that's right son but Jesus walked everywhere

[The Frontier Index]


Em cada lar deveria haver um disco assim.

7.13.2009

Aquela noite



















Na primeira noite em que Alex e Carter fazem amor, ela começa por abrir alguns botões da camisa dele, depois coloca um lenço colorido quebrando a luz do candeeiro à cabeceira da cama, em seguida acende um pau de incenso, por fim liga a aparelhagem (a canção que se escuta é o Besame Mucho, por Diana Krall; uma pena já que o filme noutras situações farta-se de esbanjar Iron & Wine, no meu entender, tão mais apropriado). Quem alguma vez foi objecto deste tipo de atenções, não esquece jamais.

A anatomia de Nina


















Nina Becker (Orquestra Imperial) fotografada por Sérgio Aires.

[clicar na imagem para ampliá-la]

Muito mais que apenas outra entrevista

















No número de Agosto da Mojo (que faz capa com os Fleet Foxes), Bill Flanagan entrevista Bob Dylan. Existem empatia e enorme conhecimento por parte do entrevistador, e cedo se nota tratar-se de uma conversa entre iguais. No meio de interrogações sobre cada faixa do novo álbum de Dylan, Together Through Life, e referências à visibilidade recentemente adquirida pela sua pintura, perguntas extraordinárias como esta:

Say you wake up in a hotel room in Wichita and look out the window. A little girl is walking along the train tracks dragging a big statue of Buddha in a wooden wagon, a three-legged dog follows behind. Do you reach for your guitar or drawing pad?
Oh wow. It would depend on a lot of things. The environment mostly; like what kind of day is it? Is it a cloudless blue-grey sky or does it look like rain? A little girl dragging a wagon with a statue in it? I'd probably put that in last. The three-legged dog -- what type? A spaniel, a bulldog, a retriever? That would make a difference. I'd have to think about that. Depends what angle I'm seeing it all from. Second floor, third floor, eighth floor. I don't know. Maybe I'd want to go down there. The train tracks too. I'd have to find a way to connect it all up. I guess I would be thinking about if this was an omen or a harbinger or something.


Mais extraordinária só a actividade de uma grande cabeça a esmiuçar.

7.11.2009

Monte Rushmore II





















Acabadinho de esculpir.

Mark Lanegan

























Lanegan é o tipo da aspereza vocal que se destaca nalguns discos dos Queens of the Stone Age. E se o escutarmos interpretar o tradicional Little Sadie no álbum de covers I'll Take Care of You (grande título!), percebemos o quanto ele por vezes se aproxima da mais americana de todas as vozes, que é, sabemos bem, a de Johnny Cash. O timbre de Mark Lanegan tem vivência, tem abismo, é absolutamente masculino, e neste disco ocupa o centro de uma cena instrumental despojada. Calhou ser a minha introdução à discografia a solo do ex-Screaming Trees, e não podia ter desejado melhor coisa que um registo com traços de intemporalidade.

Frase assassina

Queremos assinalar a morte de um amigo e a falta que nos faz, e pode-nos sair um par de frases assassinas:

(...) Tanta gente que não tem préstimo algum e está viva, e o João Bénard está morto! Ó morte, se, ao menos, fosses um pouco mais justa do que a vida!
[Miguel Sousa Tavares na GQ, As time goes by..., entrada de 21 de Maio]

Assassina na sua formulação. Nenhuma vida vale mais que outra. A vontade, ainda que toldada aqui de algum lirismo, de querer mexer com os que vivem ou morrem, é atributo dos deuses ou dos piores tiranos. Não acredito que o cronista se inscreva em qualquer das categorias.

7.09.2009

Genes





















A única coisa que liga o músico Lloyd Cole (n. 1961) ao actor Tom Wilkinson (n. 1948) é o facto de serem cidadãos britânicos a ganhar a vida do outro lado do Atlântico. Mas eu sou de outra opinião: e vocês teriam de os ver sorrir.

Meu desassossego felpudo





















There's something about bunnies and childhood.

O ser e a vaga


















Foto: Paula Marina

O surf provoca um desejo de acção, de remar para as ondas e deslizar na sua superfície. Mas, mesmo que não sejamos dados a pescarias, dá-nos também um entendimento do mar que é feito de uma inescapável inclinação contemplativa. É por isso que, depois de embrenhados no surf, quando olhamos para o mar já não estamos apenas a ver. Estamos também a aproximarmo-nos de nós mesmos. A ser.

[O Sal na Terra, pág. 30.]

7.08.2009

Swell é meditação


















© Ricardo Bravo

Para o Pedro Adão e Silva, por isto. Belas páginas, man!

7.06.2009

Mentir com os dentes todos















Tinha terminado o segundo concerto da Orquestra Imperial. Uma diferença da noite para a tarde, como tive oportunidade de dizer ao querer impressionar uma amiga, querendo embora impressionar uma outra pessoa. Foi quase igual, e na diferença bem melhor que o dia anterior. Fui cumprimentar Rodrigo Amarante brincando de lhe apresentar uma pessoa, como o clown que disfarça (como pode) o embaraço, e sentindo logo ali uma intimidade entre os dois que me excluía. Falou-se da separação dos Los Hermanos. Usando da idiota metáfora disse a Rodrigo que só o fim dos Los Hermanos havia permitido que ele e Marcelo Camelo tivessem feito coisas diferentes: ele na Orquestra Imperial e nos Little Joy, Marcelo na carreira em nome próprio iniciada com um disco notável; assim como no final de uma relação marcante que tomamos pelo fim do (nosso) mundo, para algum tempo depois vermos que outras ligações se perfilam no horizonte. Rodrigo, mais sábio que eu, atalhou para a frase de um poeta brasileiro que diz qualquer coisa como, "se não houver tesão não tem jeito". Não tenho jeito. Eu devia ter sabido ficar calado.

Discos raros




















Não há disco tão raro como aquele que nem sequer sabíamos que existia. Estamos sempre a peneirar, mas não chega. E quando andamos distraídos, então chega.

7.05.2009

Uma grande revista


















A Ler é a única revista portuguesa que compro. A aposta no formato compacto não mexeu com a qualidade consolidada. A entrevista de Carlos Vaz Marques a Vasco Pulido Valente é um tour de force impressionante. E ainda há os habituais Abel Barros Baptista, Filipe Nunes Vicente, e Pedro Mexia. Uma grande revista, é o que é.

Os Eagles of Death Metal


















Reza a história que quando os seus elementos debatiam a questão do nome para a banda, alguém terá dito que encontrar um nome era o mais simples, qualquer coisa servia até algo estúpido como Eagles of Death Metal. E Eagles of Death Metal ficou. A Wikipedia conta uma versão diferente, mas prefiro aquela que ouvi primeiro. Os Eagles of Death Metal estarão no topo da minha playlist pelo menos até à próxima sexta-feira, altura em que Josh Homme (o poderoso J.H. das Desert Sessions, dos Queens of the Stone Age, e dos já extintos Kyuss) e Jesse Hughes sobem ao palco para aquele que antecipo como o grande acontecimento do Optimus Alive. Quem quiser tomar contacto com a "fakin' real thing" não pode falhar o encontro: apesar de toda a distração que o cerca.

7.03.2009

Cinema mudo

Sympathy for the obvious














A capa é mais Beatles, mas o som até é mais Stones.

Os cornos de Cronos





















Desgraçado tempo o nosso, onde um ministro cai por um gesto marialva. E, de acordo com balanços especializados, um bom ministro. Pensava eu que a Assembleia era a arena de combate político, mas a avaliar pela unanimidade das reacções aquilo parece um convento de Carmelitas melindradas. E um homem produz ali muito estrago.

7.02.2009

United flavours of Basinski





















All the windows are open. The sound is spreading all over downtown Brooklyn mixing with the helicopters, sirens, pot smoke and fireworks...

Nada tenho a acrescentar ao que aqui já escrevi sobre William Basinski. Por outro lado, o surgimento de mais um disco que actualiza para ele e para nós parte do arquivo, leva a que deixe esta nota de entusiasmo. 92982 é, em minha opinião, o registo perfeito para iniciados. As peças são "curtas", o que permite tomar contacto com as nuances discretas dos loops processados por Basinski, em exercícios de menor exigência de concentração. O ouvinte experimentado há muito que se libertou deste tipo de pressão, largando os sons à sua total liberdade expressiva. Se prestarmos atenção à capa do CD, damos conta da subdivisão de um dos elementos em pequenos outros. É a chave desta edição, mais do que de qualquer outra ópera basinskiana. O músico recorre novamente aos arquivos para acrescentar actualidade ao que era passado. E quando se refere aos sons que o rodeavam na noite em que revisitou o material que aqui apresenta de alguma maneira transformado, nós juramos escutar o que Basinski terá ouvido na altura. Os seus discos produzem uma espécie de sortilégio nos que os apreciam. Ao seu particular modo, William Basinski é um prosaico feiticeiro que lida com a matéria, devolvendo-a após tê-la sujeitado a um processo de refracção sonora: que fascina.

7.01.2009

Forever

























Uma vez concluído o mais importante acto de gestão, podemos enfim tratar do resto.

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