6.29.2006

Observar a diferença












A ternura pressupõe um homem alto e uma mulher mais baixa do que ele. E mais jovem também.

Ulisses



















O meu personagem preferido do filme que vi recentemente e que recomendo: Tróia, de Wolfgang Petersen (tarefeiro dos mais regulares de Hollywood). Encontrar hoje um bom filme de acção é coisa rara. Então um bom épico ainda o é mais. Tróia faz o pleno na medida em que é espectacular (leve-se em conta que o filme foi visto em DVD e que a espectacularidade deve ser o principal atributo de um espectáculo) e tem excelentes sequências de combate como a que é iniciada com bolas de fogo atiradas de madrugada sobre o acampamento dos invasores gregos. Ulisses é interpretado por Sean Bean e foi dos vários paradigmas da masculinidade que o filme apresenta, aquele que mais me interessou. Ulisses, o moderado. Ulisses que nesta versão cinematográfica da Ilíada (reporto-me ao filme uma vez que não li Homero) ocupa o principal papel de entre os secundários. Ulisses que aprendera a viver em tempos de guerra, ignorando causas menores ou privadas em favor de causas práticas: nós contra eles. Nunca me passaria pela cabeça acordar como Aquiles (Brad Pitt, esse gigolo apessoado), mas já dar umas voltas como Ulisses (podia ser pelo mundo mesmo!) é caso a pensar…

Baladas

















De uma classe aparte. A fazer recordar discos de Charlie Haden com o Quartet West e com orquestra na Verve. Mas com coordenadas totalmente distintas, a apontar ao Brasil (modinhas), a Cabo Verde (mornas) e a Portugal (fado). O som de Coltrane, Lovano e Branford Marsalis também passa por aqui. Cantam Mayra Andrade, Camané, Ney Matogrosso e um superlativo Carlos do Carmo. O quarteto é constituído por Carlos Martins (sax, arranjos), Bernardo Sassetti (piano, arranjos), Nelson Cascais (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria). A orquestra é a Sinfonietta de Lisboa dirigida por Vasco Pearce de Azevedo. O resto é música, que é o mais importante.

6.28.2006

But the girl





















How can I write a letter the post is so slow / If I'm to disappoint her then that's something she ought to know (The Spice of Life)

6.26.2006

Uma história de amor


















«Depois de 70 anos de vida em comum, o empresário José Mindlin perdeu sua esposa Guita Mindlin, que morreu às 5h50 da manhã de ontem no Hospital Albert Einstein, de falência múltipla de órgãos, aos 89 anos. O corpo foi velado no próprio hospital e o enterro foi realizado ontem mesmo, no Cemitério Israelita de Vila Mariana. Guita completaria 90 anos no dia 2 de agosto. Nascida em 1916, tinha 20 anos quando conheceu seu futuro esposo na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco - ela caloura, ele formando. Dois anos depois, casaram-se. Formou-se em Direito em 1940, mas já então compartilhava com o marido a paixão pelos livros. Acabou se dedicando à preservação e restauração dos milhares de volumes que o casal adquiriu ao longo da vida. "Ela sempre encorajou minhas extravagâncias na compra de livros, mesmo que isso significasse sacrifício doméstico", declarou Mindlin em entrevista na década de 80.» (continua...)

6.23.2006

Melhores vários mundos





















Akram Khan (akram khan company) e Sidi Larbi Cherkaoui (Les Ballets C de la B) apresentam Zero Degrees no CCB a 5 e 6 de Julho. Colaboração expressa na presença de esculturas do britânico Antony Gormley e da música do compositor Nitin Sawhney. Dir-se-ia que alguém terá ouvido o meu desejo. Muito grato.

6.22.2006

Calor



















Chloë muito bem fotografada não sei por quem.

Casavelha













Competência sem excelência. Dificilmente qualquer tema do novo disco dos The Divine Comedy, Victory of the Comic Muse, teria lugar num futuro best of. O nosso interesse agita-se apenas à quarta canção – A Lady of a Certain Age –, apesar da introdução à mesma soar a Gipsy Kings: o perfume do mediterrâneo entrou pelas narinas de Hannon quando este viveu em Espanha há dois ou três discos atrás [Ainda assim não lhe irei dar, ao CD, o mesmo destino que a Fundamental dos Pet Shop Boys, despachado após primeira e única audição] Mais à frente no mesmo Victory of the Comic Muse surge, distinto, o som mais inglês que existe – o de uma trompa. Prosseguimos em território seguro e familiar ao sabor do reconhecimento. O instrumental Threesome assinala o intervalo e a possibilidade de mudança de campo: em Absent Friends era assim (duas metades distintas), em Victory of the Comic Muse não me pareceu. As novas músicas continuam a encostar a voz de Neil Hannon lá atrás, qual crooner emparedado pelo wall of sound. Hannon arrisca cover do electrizante Party Fears Two (“the alcohol loves you/ while making you blue”) furos abaixo do que Billy Mackenzie faria caso não estivesse já morto. Grande música, má escolha. Em Victory of the Comic Muse dá a sensação de que Neil Hannon terá apanhado o National Express (single do Fin de Siècle) sem destino algum. The Ploug, antepenúltima faixa, é pop widescreen outra vez. Regular. Simpática. Seguida por, ó espanto!, a única surpresa deste disco: Count Grassis’s Passage Over Piedmont, rapsódia quase interlúdio (procurem o clarinete baixo, anda lá por baixo, que pelo menos uma vez vem à superfície) cheia de name dropping mais ou menos disperso que remete para o distante Liberation. Snowball in Negative encerra sem pompa mas também sem comprometer a circunstância. Colada à mediania Divine Comedy em ritmo de cruzeiro. Tal como quase todo o disco, aliás. Entre a duas primeiras audições de Victory of the Comic Muse passei três vezes os ouvidos pelo original Associates de Party Fears Two e escutei cinco vezes seguidas, cinco!, Our Mutual Friend, a última canção extraordinária de Neil Hannon que consta do anterior Absent Friends. Na minha opinião, a melhor canção que ele alguma vez escreveu e compôs. Ou vice-versa.

6.21.2006

Contra a favor





















Contrariar o hábito generalizado e quando o grande evento se aproxima fazer questão de não escutar aquelas músicas. Tudo para preservar a impressão ilusória da novidade. Ed é grande!

Foto: Claudia Dantas

Canibalizado


















À semelhança do que havia sucedido com Blemish (depois The Good Son vs The Only Daughter) do amigo David Sylvian, também Ryuichi Sakamoto viu o álbum Chasm, de 2004, ser canibalizado pelo pessoal da electrónica state of the art - Cornelius, Fennesz, Alva Noto, snd, Thomas Knak - com resultados igualmente entusiasmantes: nalguns casos superando mesmo as versões originais (mas o que serão versões originais num território de experimentação contínua, camada após camada?) O CD chama-se Bricolages e a Ananana é dos poucos pontos de venda no mundo que o tem. Comprem os dois.

6.20.2006

Perto

















Natalie Portman fotografada por Michael Thompson (clique sobre a imagem para ver mais perto)

Ajuda, não ajuda?

6.19.2006

Êxtase lírico


















Pesquisando sobre a música de Virginia Rodrigues (teria ela disco novo que eu não conhecesse...), encontrei estas duas palavras - êxtase lírico - que definem com clareza o canto deste enorme querubim cor de cacau. De entre os três títulos até hoje editados por Virginia, contam-se dois muito bons discos e uma obra-prima. Quais são e o quê deixo ao critério de outros gulosos como eu.

Filmes e louras






















A Cinemateca Portuguesa propõe no mês de Julho um ciclo em grande parte constituído por filmes de Richard Quine com Kim Novak: Richard Quine e os Filmes Louros. Nunca vi nenhum e quero ver vários, em particular, Strangers When We Meet que data do ano anterior a Vertigo e promete ser igualmente da ordem do fascínio.

Le chiavi di casa













No início de As chaves de casa de Gianni Amelio (DVD Lusomundo 2006), Alberto, tio de Paolo - jovem de 15 anos com problemas mentais e motores -, conversa com o pai deste, Gianni, que abandonara o filho à nascença. Paolo deverá regressar a uma clínica de ortopedia em Berlim e os médicos alemães acreditam que a companhia do pai pode originar o milagre de qualquer recuperação. O "milagre" em As chaves de casa é o próprio filme. Pequeno mas significativo. A aproximação dos dois indivíduos e a aprendizagem de que o amor, mesmo entre pai e filho, está longe de ser um dado adquirido. Gianni Amelio filma este recomeço com a consciência da culpa que fica do primeiro abandono. Momento em que Gianni (significativa, talvez, a adopção para o personagem do pai do nome do realizador) não esteve à altura do que lhe aconteceu e que agora se apresentará difícil de emendar. Este cinema, mais do que fornecer respostas conciliadoras, coloca-nos perante as nossas próprias limitações.

Richard Hawley

















Para mostrar o rosto da voz certa, qualquer hora é certa.

Retroversão

A luz ao fundo do túnel (era o comboio que vinha em sentido oposto) para The light at the end of the tunnel (was the train coming the other way)

6.16.2006

Boa pescaria



Ter feito marmelada ao som de Bryan Adams ou identificar a actriz Laura Linney com a beleza são duas coisas que temos em comum Noah Baumbach e eu. Recomenda-se a pescaria.

Demonlover



Quando Olivier Assayas pós-produzia Demonlover deu-se o ataque ao World Trade Center. O making-of do filme mostra as Torres Gémeas em chamas e em chamas viria a encerrar Demonlover: antes que a protagonista, Diane (espantosa Connie Nielsen), fosse encerrada no mesmo site de tortura e morte que ao longo da história desperta a cobiça de duas empresas de distribuição de animé pornográficos. Assayas partia para este filme depois de ter completado Les Destinées Sentimentales e achava-se encerrado no espartilho do cinema francês estereotipado: no caso, académico e de caução literária. A manobra de fuga não podia ser mais radical. Demonlover situa-se próximo do universo de Cronenberg - do Cronenberg de Videodrome e eXistenZ - e da ficção científica que os amantes de FC gostam. É abstracto como os melhores animé (por exemplo, Ghost in the Shell), tem música igualmente abstracta e original (cortesia dos Sonic Youth e cujo processo de criação podemos acompanhar noutro extra do DVD), onde parecem não existir fronteiras na paisagem terrestre - o filme passa-se entre Japão, França e México - e onde parecem não existir relações humanas tal como ainda hoje as concebemos. Se Demonlover é filme premonitório de alguma coisa, essa coisa é o fim do amor. Cada vez mais sugados para o universo da gratificação virtual, os personagens de Assayas têm motivações que não vão além da espessura das figuras dos jogos de vídeo. É o triunfo de uma lógica puramente competitiva onde o desejo vagueia moribundo. Assim, o futuro será também o melhor juíz deste filme de Olivier Assayas. Intrigante e de estranha beleza.

6.14.2006

Match Day









Alexandre Soares Silva encontra Vladimir Nabokov dia 22 de Junho, pelas 18h30, na Casa Fernando Pessoa. Têm alguma coisa melhor para fazer? Bem me parecia.

Apetece dizer ao ouvido












Daniel Johnston, o artista, é uma fraude. Outra coisa é o homem e as suas circunstâncias. Já agora o documentário é um objecto convencional e nada mais.

Diário de um homem sábio


















TRINTA ANOS ESTE DIA
por João Pereira Coutinho (Folha Online)

1º de Junho

Amigos próximos perguntam várias vezes como nasceu a minha patológica megalomania. Considero a pergunta ofensiva e, como gênio, não respondo a perguntas ofensivas. Mas, aqui entre nós, eu sei, eu sinto, eu sofro com a verdade primordial. A minha megalomania nasceu comigo, trinta anos atrás. Nasceu hoje. Nasceu no Dia Mundial da Criança. E não é fácil nascer, e crescer, no Dia Mundial de uma criança que julgamos ser nós. Então saímos para a rua e a rua está em festa: crianças de todo o mundo, honrando a nossa existência com uma alegria sincera. Por favor, não é necessário tudo isso, pensa a criança mundial, confrontada com seus vassalos.

Intensa terapia acaba com qualquer equívoco. Sei hoje que o Dia Mundial da Criança não foi criado em minha honra. Muito menos em honra de Marilyn Monroe que, leio agora, nasceu no mesmo dia, precisamente oitenta anos atrás. Ah, doce Marilyn, como eu te entendo. E como eu gostaria de ter trocado umas palavras, e alguns fluidos, a respeito. Marilyn teve fim trágico. Calmantes. Instabilidade emocional. E amorosa. Mas chega de falar de mim. Dizia eu que Marilyn teve fim trágico. E eu suspeito que o Dia Mundial da Criança teve palavra decisiva em desfecho mortuário. Não é fácil crescer num mundo que, afinal, não nos pertence.

2 de Junho

Entrar nos trinta tem as suas vantagens. Exemplos? Não dormir uma noite inteira a pensar no assunto. Assustado, eu? Qeum dsise uam cosia dsseas? Existe apenas uma ligeira preocupação, coisa de nada, que me paralisa o corpo todo. Azia, dizem amigos. Azar, digo eu, quando leio na imprensa do dia notícia séria sobre a existência de "relógios biológicos" entre os machos. A coisa deixou de ser exclusividade feminina, avisam os cientistas da Califórnia. Encontra-se também nos homens, mais propriamente nos seus testículos. Ainda pensei encostar o ouvido, na busca quimérica do tic-tac fatal. Não foi preciso porque a ciência ensina tudo: quando um homem envelhece, os seus testículos envelhecem com ele. E a qualidade do esperma vai diminuindo de ano para ano. Consequências? Filho com deficiência grave, do nanismo à carreira política. Hora de repensar os meus patéticos egoísmos. Filho anão eu não me importo. Mas filho deputado seria um desgosto fatal para a pobre carcaça de um velho pai.

4 de Junho

Leio na "Spectator" inglesa entrevista longa com Christopher Lee. Gosto de Lee, Drácula da minha infância e ator altamente estimável. Como são os atores cabotinos que podem mudar de papel mas nunca, nunca, nunca cometem a suprema deselegância de mudar de personalidade. Como Cary Grant, Gene Hackman, Clint Eastwood. Ou mesmo Robert Mitchum, para quem só existiam dois tipos de representação: com cavalo e sem cavalo. É a velha oposição entre duas escolas clássicas: a primeira, apadrinhada por Diderot (e Noël Coward), para quem o mais importante era decorar as falas e não atropelar a mobília do palco. E a segunda, com os comediantes do "método" Stanislavski, que arruinaram o cinema contemporâneo com números de circo que me provocam urticária profunda. Sou incapaz de assistir a Marlon Brando nas telas sem me tornar agressivo com as pessoas que estão ao lado. James Dean, felizmente, morreu a tempo e não fez estragos. Mas Al Pacino é um caminhão desgovernado em todos os filmes onde aparece. Relembro um, inesquecível, com Al Pacino, cego, a dançar o tango e a berrar do princípio ao fim. "Perfume de Mulher", creio. A meio ainda perguntei se ele era mesmo cego ou era surdo. Fala mais baixo, vagabundo, gritei eu, em plena sala. Duas mocinhas entraram e, muito educadamente, pediram silêncio, ou saída. Saí imediatamente e ainda hoje não sei se o tom de Pacino foi diminuindo com o tempo. Suspeito que não.

Na entrevista, Christopher Lee confessa a sua ética como profissional: "O filme pode ser grotesco, mas a representação, nunca". Touché! Oscar Wilde disse o mesmo, por outras palavras, ao citar o charco onde vivemos e a necessidade imperiosa de olhar para cima, para o céu. É o meu lema. A vida pode ser o que é, mas isso não é desculpa para não pôr a melhor gravata.

6 de Junho

Quais as vantagens da sesta? Sou incapaz de viver sem. Acordo cedo e trabalho na cama das 9 às 12. Almoço (na cama). Levanto-me e levanto dia com um pulo só. Mas então sinto uma canseira e resolvo tirar uma sesta no sofá. Finalmente vingado: a ciência moderna não se debruça apenas sobre os meus testículos. Também se ocupa dos meus vícios privados. Segundo investigadores da Universidade de Manchester, é necessário respeitar os ritmos próprios do cérebro: depois das refeições, a nossa massa cinzenta desliga os interruptores para repôr os seus níveis de glucose. Por isso sentimos uma certa sonolência. E por isso devemos obedecer ao corpo e não à vida selvagem que se instalou em volta e que lentamente nos destrói. Claro que a descoberta não será aplaudida por fanáticos de todas as idades que gostam de trabalhar como cavalos de corrida e dormir três ou quatro horas com espírito triunfal. Aos loucos o que é dos loucos. Nós, os humanos, enfiados em escritórios durante 10 ou 12 ou 14 horas sem parar, deviamos exigir uma pequena cama individual que seria colocada no nosso gabinete por motivos de saúde. Isso permitiria que o trabalhador, depois do almoço, pudesse descalçar os sapatos e desligar do mundo durante trinta ou quarenta minutos. Se o patrão reclamasse muito, nada melhor do que oferecer-lhe uma cama também. Neste caso, de tamanho conjugal, para ser partilhada com a secretária.

9 de Junho

O Parlamento espanhol não tem dormido a sua "siesta", abolida oficialmente há uns meses por motivos de (saco de enjôo, por favor) "produtividade". Agora, os socialistas e os "verdes", depois de longas consultas com especialistas internacionais, pretendem estender os direitos "humanos" aos gorilas. Os espanhóis entendem que não existem grandes diferenças entre eles e os macacos. Como português, posso afirmar que "nuestros hermanos" têm alguma razão. O pior é calcular os efeitos da medida se ela for aprovada. Para os socialistas, isso obrigaria os macacos a serem libertados dos zôos e recolhidos em instituições do Estado (no zôo ficariam apenas os casos mais frágeis, mas só depois de audição em tribunal). Não tenciono moralizar ninguém e acredito que existem vantagens em reconhecer direitos aos bichos. Mas quando falamos em direitos, cuidado, falamos também em deveres. A começar pelos eventuais deveres conjugais, que acabarão por surgir quando o espanhol médio, cansado das mulheres domésticas, começar relação amorosa com um símio. Não sei se o Parlamento espanhol irá tolerar a idéia: o macaco, de véu e grinalda, pendurado no sino da Igreja, recusando-se à noite nupcional. Para evitar casos extremos, um conselho: o noivo deve substituir a flor na lapela por uma banana no bolso. E os convidados devem evitar atirar arroz, optando antes pelo amendoim. Nunca falha.

10 de Junho

Entrevista com o Dr. Muhammad Abdul Bari, alta autoridade da comunidade islâmica na Grã-Bretanha. No jornal "The Daily Telegraph", de Londres, o Dr. Bari afirma que o Islã é pacífico e que os ingleses deveriam aprender alguma coisa com as tradições muçulmanas. Por exemplo, as vantagens de "casamentos arranjados", em que a noiva e o noivo já conhecem o seu destino desde a hora do berço e, às vezes, casam ainda no berço. Confesso que, durante uns anos, marchei contra a idéia. Mas com trinta anos, e os testículos cientificamente em declínio, estou disposto a mudar de opinião. Um "casamento arranjado" tem as suas vantagens. Para começar, retira a pressão do tempo e a ilusão, criminosa, de que a próxima mulher será melhor do que a anterior. Qualquer homem aprende que as mulheres são sensivelmente iguais, excluindo questões técnicas como a histeria ou o penteado. Se o casamento é arranjado, não vale a pena embarcar em aventuras precárias. Ou, melhor, até vale: mas sabemos sempre que existe porto seguro, onde atracar o veleiro do nosso destino. Além do mais, tivessem os meus pais instituído essa prática e eu não teria sofrido metade e, mais ainda, esbanjado metade: em jantares desnecessários, em presentes desnecessários, em férias desnecessárias, com donzelas que se revelaram um desastre. Teria tido o tempo inteiro para ler, viajar, vadiar. E, na hora certa, regressaria a casa e, como diria Fernando Pessoa, casaria feliz com a filha da minha lavadeira.

12/06/2006


Agora leiam de novo se fazem favor.

Coles Corner






















Hold back the night from us,
Cherish the light for us,
Don't let the shadows hold back the dawn.

Cold city lights glowing,
The traffic of life is flowing,
Out over the rivers and on into dark.

I'm going down town where there's music,
I'm going where voices fill the air,
Maybe there's someone waiting for me
With a smile and a flower in her hair

I'm going down town where there's people
The loneliness hangs in the air.
With no-one there real waiting for me,
No smile, no flower nowhere.

Hold back the night


Richard Hawley

Havias de ter gostado de Pichet Klunchun and Myself

Havias de ter gostado de Pichet Klunchun and Myself. Tudo se passa como se se tratasse da reconstituição do primeiro encontro entre os dois coreógrafos. Jérôme Bel começou por lhe perguntar o nome, idade, onde vivia, até entrarmos na descodificação do khon, dança tradicional que constituiu a base de formação de Pichet. O tailandês deu então exemplos de movimentos característicos dos personagens da dança khon e era esplendoroso. O corpo de Pichet é seco até aos ossos e músculos e movimenta-se com enormes rigor e graciosidade. Havias de ter gostado de o ter visto dançar e conversar. As diferenças culturais entre Oriente e Ocidente eram problematizadas com naturalidade: eles muito mais ligados à tradição, pacientes e sérios; nós, representados por Jérôme Bel, mais inquietos, conceptuais, sempre em busca do novo. A entrevista assumia no final a direcção oposta e passava a ser Pichet Klunchun que fazia as perguntas e Jérôme Bel a "dançar" as respostas. Havias de ter gostado de ver como existe aparentemente resposta para tudo sem que as coisas percam a sua complexidade ontológica. Havias de ter gostado de assistir a este espectáculo tão pouco espectacular (marcado ainda pelas leituras situacionistas de Bel) mas tão verdadeiro.

6.12.2006

Niterói dançou













Parece que o meu puro instinto em matéria de dança contemporânea continua apurado. O espectáculo que vi no CCB, H2-2005, (sorry, não repete mais) do Grupo de Rua de Niterói com coreografia de Bruno Beltrão era óptimo. Tinha aquela dose de suficiente abstracção para nos pôr as ideias a dançar dentro da cabeça. Tinha energia e a elasticidade que vai da tensão (música e movimentos frenéticos) à distensão (silêncio e quase imobilidade). Tinha uma supreendente escolha musical que alinhou a leitura de Bobby McFerrin de um tema de Rimsky-Korsakov com Nana Vasconcelos com uma dominante minimalista assente num drone que parecia infinito.
H2-2005 mostrou conceito, desconstruía o imaginário do hip hop sob a influência da componente intelectual da dança contemporânea e foi sob diversos aspectos muito sugestivo. Bingo!

Bully











Passei a partilhar da opinião dos que consideram Bully o melhor filme de Larry Clark. Baseado num caso verídico, Bully retrata os dias de um grupo de jovens dos arredores de Hollywood que vivem uma alucinação constante - intoxicados com álcool, drogas, videogames, gangsta rap, sexo desapegado e misógino - e que a única coisa responsável que vêm a fazer passa por levar a cabo o assassínio de um dos seus elementos. O acto não põe fim à alienação do grupo e é por outro lado de um insustentável excesso de realidade para os seus elementos. Da histeria do colectivo à descoberta do crime não decorrerá muito tempo. A crónica é impressionante, algumas cenas e comportamentos podem suscitar a nossa incredulidade, mas a abordagem de Larry Clark é isenta e desapiedada para com a descrição dos factos e devolve na caracterização dos jovens uma componente de alheamento e indiferença que é a deles, controlando o impulso moralista de maxilares cerrados: veja-se o tom jocoso do próprio Clark numa figura secundária. Bully revela ainda uma admirável gestão do tempo e das suas irregularidades. É filme que se vê entre o espanto e o nervoso miudinho que progressivamente se instala.

6.09.2006

The Ocean

You lead me down, to the ocean
So lead me down, by the ocean

You know it's been a long time,
You always leave me tongue tied
And all this times for us
I love you just because

You lead me down, to the ocean
The world is fine, by the ocean

You know this time's for real
It helps the heart to heal
You know it breaks the seal of the talisman that harms
And so you look at me and need
The space that means as much to me

So lead me down, to the ocean
Our world is fine, by the ocean

You know the way it is in life, it's so hard to live up to
So why are you still dressed in your mourning suit
I assume, I assume

You'll lead me down, to the ocean
Don't leave me down, by the ocean
The ocean.

Here comes the wave, here comes the wave
Here comes the wave, down by the ocean

The ocean
The ocean
The ocean


Richard Hawley

O que somos



"I'm beginning to think it's not just how much you love someone. Maybe what matters is who you are when you're with them."

Um filme estupendo é isto.

6.08.2006

Anjos exterminadores

















Cinemateca Portuguesa, Instituto Franco-Português, IndieLisboa. Quem ousará programar uma integral Jean-Claude Brisseau, cineasta que o público português conhecerá como eu do "fantástico" Coisas Secretas e de quem o Festival de Cannes mostrou este ano o novíssimo Les Anges Exterminateurs (do qual se reproduz aqui duas imagens), integrado na Quinzena dos Realizadores. Era tão bom que os nossos programadores transgredissem de vez em quando. E nem sequer seria uma originalidade...

Linhas da beleza















Cumpridos dois terços do programa, é seguro afirmar que A Linha da Beleza não frustrou as expectativas criadas com o episódio de estreia. A série, tal como o livro (imagino!), opera uma bem sucedida variação sobre Brideshead Revisited de Evelyn Waugh (que deu origem a uma das melhores séries televisivas de todos os tempos) na medida em que o desencanto se abate de novo sobre aquele que persiste na demanda de uma relação estética com o mundo. Nick Guest é a versão actualizada para a década de 80 de Charles Ryder, primeiro deslumbrado com o universo das famílias de tradição aristocrática e conservadora e os espaços em volta repletos de Arte e de História, e progressivamente desapontado com a infiltração que este mundo sofreu por parte do dinheiro novo e dos interesses puramente económicos alheios a uma conduta ética (em Brideshead a questão era ainda assim significativamente outra e tinha que ver com o fim de um mundo de que em A Linha da Beleza sobram apenas rumores e partículas). Além de que a sua condição de homossexual assumido (já não como o Ryder de Evelyn Waugh mas como o melhor amigo deste, Sebastian Flyte) o remete cada vez mais para uma condição de auto-exclusão quando não de marginalização pura e simples: o novo dinheiro renovou com preconceitos e hipocrisia alastrados a todos os estratos sociais. Nesta medida a transferência de realidades dos tempos de Brideshead, entre as duas Grandes Guerras, para os da governação Thatcher é feita sob o efeito de perda - perda da valorização do belo fora de uma lógica de ostentação. Prevejo deste modo que Nick acabará por se tornar tão estranho ao meio que inicialmente o fascinou, tal como os livros de Henry James que aquela gente terá deixado de cultivar a pontos de fazer do autor um estereótipo. Ninguém, a não ser Nick, quer ali saber o que quer que seja sobre beleza e as linhas que a constituem. O episódio de ontem chamava-se To Whom Do You Beautifully Belong? Haverá resposta na próxima semana?

6.07.2006

Manaus















Hoje todos os caminhos vão dar .

Tubarão branco



















Quase três anos de blogosfera - em acumulado - e nunca uma imagem sequer da criatura que sobre mim exerce maior fascínio. O tubarão branco é mais que uma vertigem. É a atracção pelo abismo onde homem fora de terra é como peixe fora de água. À mercê do seu destino, provavelmente letal. Mas que o bicho é uma maravilha, imperturbada, distante, colossal, não sofre contestação.

Um homem de sorte














Steve Buscemi, extraordinário actor, já foi homem de muita sorte. Assistiu na anteprimeira fila ao desabrochar de Scarlett Johansson em Ghost World (de Terry Zwigoff) - embora o seu "interesse" amoroso nesse filme fosse Thora Birch - e de Chloë Sevigny, cinco anos antes, em Trees Lounge (1996) que o próprio Buscemi escreveu e realizou. Os papéis dele eram de certo modo os de desistentes da vida, mas aqui para nós não é difícil imaginar que terão sido desaires com sabor a glória: daqueles que os olhos contemplam e o coração logo transforma. E ainda para mais tratando-se de dois muito estimáveis filmes.

6.06.2006

Fuga para a vitória


















Soon...

Sonho

Talvez sugestionado pelo episódio de ontem de Sete Palmos de Terra - série cruel, confusa e imprevisível como a nossa existência - sonhei e lembro-me de partes do que sonhei. Sonhei que estava no cinema e que só ao fim de uma hora tinha-me apercebido de que aquilo que eu pensava ser um trailer era afinal o filme que tinha ido ver. Um dos personagens voltava-se então para mim (estaria mais alguém na sala?) e gesticulando com dois pauzinhos como se tocasse bateria dizia que o segredo da vida era manter o ritmo. Pelo sim pelo não nos tempos mais próximos vou procurar não andar fora de tempo.

6.05.2006

Situações triangulares











Ao contrário de mim, esta música dá-se bem com o calor.

Claire Denis
















É das mais interessantes fazedoras de imagens do cinema contemporâneo. No entanto, os diálogos e os esquiços narrativos dos seus filmes parecem estar lá como um estorvo. Claire Denis caminha, digo eu, para um cinema feito apenas de música e imagens, como no mudo: poesia e romantismo. Denis caminha na direcção dos primórdios da sua Arte.

(as imagens correspondem ao filme trouble every day (2001), com vincent gallo, béatrice dalle e alex descas. filme belo, exaltante e finalmente frustrante. para rever mais tarde)

Fim de boca

Bebi todo o vinho do meu amor mas não me soube a ti.

6.04.2006

Serve?

Era uma vez um rapaz que decidiu acabar com o seu blogue. Porque sim. Porque um outro blogue se tornara uma coisa profissional. Porque o blogue original escarrapachava alguma da sua infelicidade. Porque sentia culpa de bloguar para um lado e para o outro em horas (para o outro lado) menos próprias. Porque o vício leva-lhe muito tempo e deixava-lhe por vezes um sentimento de frustração. A vida, lá fora, não estava conforme com a idealização da vida que o rapaz, coitado, transportava para o blogue (o original). O rapaz encontrou então uma série de imagens que o deixaram sem palavras. Mais propriamente 10 imagens. A contagem decrescente perfeita. O rapaz sempre revelara fraqueza quando em face da perfeição. Procedeu à contagem - 10, 9, 8... - e a metafórica ausência de palavras teve uma consequência real. O rapaz que decidira acabar com o seu blogue fizera-o de facto. Sem explicações. Sem ruído. Em beleza. Mas antes, receoso de cortar a ligação com o universo virtual do culto da sua própria personalidade, o rapaz não resistiu a criar outro blogue que acabou sendo o prolongamento do anterior (do original). O rapaz quis se enconder mas ficou com medo de não ser encontrado. O nosso rapaz comprara bilhete de regresso e fizera a viagem antes mesmo de partir para parte incerta. Back to basics. Até que a beleza ou outra coisa qualquer lhe ofusque de novo as ideias.

The Bunny effect





















A Sevigny, com esguicho e sem botas. Linda, não te parece?

Dança












O meu entusiasmo com a dança contemporânea estará sempre associado a estes dois espectáculos: Braindance. Coreografia: Gilles Jobin. Música: Franz Treichler (Young Gods). E Kaash. Coreografia: Akram Khan. Música: Nitin Sawhney. Referências cristalizadas de tal modo que escolho hoje o que desta Arte vejo (e o muito que não vejo) quase por intuição.

Um senhor trovador urbano










E daqui uma justíssima vénia ao amigo Pedro que me levou a descobrir o Cole's Corner e a resgatar do esquecimento o Lowedges. Richard Hawley é um crooner old school fiel às suas referências de berço: Elvis Presley e Roy Orbison. O jeito é continuar a ouvir para trás. E talvez mais para trás ainda.

E agora para algo realmente importante


















Este craque entra em campo dia 14 de Junho com o Correio da Manhã e a Sábado a troco de "uns míseros 4.90€". Ideal para ler em fato de treino, no sofá, aguardando que mais minis refresquem no congelador, nos intervalos dos jogos do Mundial - não vá o nosso patriotismo andar lá por baixo... COMPREM. COMPREM.

Mudar o mundo

Não conheço muita gente, gente da minha idade, que leia, apesar de uma educação tradicional. Porquê? Porque ler implica um esforço: de atenção, de inteligência, de memória. Ler é uma actividade e a nossa cultura é quase inteiramente passiva. A televisão, o DVD, a música popular ou a conversa de computador não exigem nada, deixam a pessoa num repouso imperturbado e bovino. Mudar isto equivale a mudar o mundo. Não se faz com um "plano".

Vasco Pulido Valente, da crónica de sáb. 3 Jun. no Público.

6.02.2006

Marais baixa*






















Marin Marais (1656-1728-2003-2006...)

Os 250 anos do nascimento de Mozart têm sido comemorados até à exaustão e vários eventos têm assinalado os 150 anos da morte de Schumann e os centenários de Chostakovich, Fernando Lopes-Graça e Armando José Fernandes (este último com menor visibilidade), mas ninguém parece ter-se lembrado dos 350 anos de Marin Marais, pelo menos em Portugal. Figura maior do barroco francês e de toda a história da música, este insigne compositor e exímio intérprete de viola da gamba foi autor de música sublime e inovadora.

Cristina Fernandes no Público

* Por exemplo, o de 2003 (ver acima) é de excepção.

Obrigado geral

Agradeço sinceramente todas as simpáticas referências à existência deste novo blogue.

Lamentos








Aqui estão os nossos cantos de tristeza/ Onde as negras notas da dor/ Formam um contraponto de sofrimentos (Elegia, Dietrich Buxtehude)

Dois discos que escutei muito recentemente. Voz e vozes masculinas. A celestial voz de Daniel Taylor secundada pelos exímios executantes do Theatre of Early Music e a polifonia do Quattrocento e do Cinquecento (e como soa mais ajustado em italiano...) - Festa, Ockeghem e Gombert - pelo Josquin Capella cujos elementos provêm de diferentes países europeus. Música para melancólicos resilentes.

6.01.2006

Irmandade asinina















Há quem prefira os cavalos. Eu sempre gostei mais de burros.

Cama

Dares-te na cama não é o mesmo que dares na cama.

Para um Plano Nacional de Leitura eficaz

Pôr os actores a conversar sobre livros nas telenovelas portuguesas e nos Morangos com Açúcar. Utilizar as flash-interviews da Sport Tv e as demasiadas reportagens em torno da Selecção Nacional para falsear um hábito que regra (MUITO) geral os jogadores - pessoas normais - não têm com a leitura: abriu-se-lhes as Louis Vuitons e no meio da pirataria e dos after-shaves rien de Saramago, Rebelo Pinto, Dan Brown ou sequer Equador). Um Plano Nacional de Leitura que produza resultados transformadores (mas os livros vendem-se bem ao contrário da literatura como é entendida pelos signatários do Plano) é um anacronismo, uma fantasia, uma mentira, um devaneio. Escolham.

Mini-série









A tão propalada qualidade da BBC consiste na escolha de material de qualidade de raíz literária e de não se pôr a inventar com ele. Em A Linha da Beleza há mais: é tudo gente desconhecida (a excepção para mim é a actriz Alice Krige); a qualidade do cast estende-se aos secundários sem excepção (eles surgem e segundos volvidos já deixaram a sua marca - a este nível adorei as figuras de Lord Kessler (John Standing) e de Lady Partridge (Caroline Blakiston); o sexo é brokeback mountain standard (M-12) e a música é Galopim vintage. Beleza, riqueza e uma decadência que se adivinha reunidas. Ainda que o resultado final possa vir a situar-se abaixo do memorável, o que vi foi suficiente para procurar acompanhar os dois episódios que faltam. Quartas-feiras às 22h30 na :2.

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