11.30.2010

This charming man




















Não façam como eu e levem alguém com quem possam namorar durante o concerto. As piadas são por conta da casa.
Garantido o humor o resto é da vossa competência. Sejam gloriosos como o espectáculo que vos aguarda.

11.29.2010

Estar além






Psicadelismo e pilosidades. Hão-de fazer-vos crescer cabelos nalgum sítio.

Danny Trejo mi hermano



À consideração dos programadores do doclisboa.

A pequeníssima América















Filmes sem sexo podem ser bons filmes também (glosando FJV).

11.26.2010

O herói ameaçado


















The American não é um filme complicado. É até bastante simples. De uma simplicidade de motivos e de processos que por vezes chega a parecer ingénuo. Apela a doses generosas de romantismo e a dosagem mínima de cinismo. E é principalmente uma homenagem a um determinado modelo de herói no cinema que o realizador Anton Corbijn filma como espécie em risco iminente de extinção. The American opera como uma despedida. Corbijn projecta-se na figura de um assassino profissional cuja vida corre perigo. Ele evade-se das paisagens geladas da Suécia até um vilarejo italiano para se esconder de quem pretende matá-lo. Os dias passam e observamos a perícia de Jack no aperfeiçoamento de armas e em balística; vêmo-lo manter conversas mais ou menos metafísicas com o padre da povoação; testemunhamos as suas visitas a um bordel ("de cinema") onde se deita sempre com a mesma mulher.
Tudo isto são lugares-comuns que Anton Corbijn recupera, colocando-se o próprio realizador no centro desta fantasia romântica e nostálgica. O assassino interpretado por George Clooney (que no filme troca o Nespresso pelo clássico café americano em copo alto) diz ser fotógrafo a trabalhar para publicações que lhe pedem retratos da natureza e de arquitectura. O Corbijn fotógrafo (há muitos anos a actividade que o notabilizou) finge-se passar por aquilo que é. Antes de se despedir – com a imagem da borboleta que transporta a alma do seu herói, tal como no filme anterior do holandês o espírito de Ian Curtis subia aos céus envolto pelas cinzas saídas de uma chaminé industrial – terá ainda tempo para uma derradeira tarefa e um último devaneio amoroso.
Nos seus frequentes desequilíbrios, uma cena lograda ali (sempre que Violante Placido enche o ecrã Corbijn viaja numa carnalidade que parece Hitchcock actualizado – ou será Antonioni?; até porque The American é percorrido por um arquétipo de mulher que quase torna indistintas as três figuras femininas de relevo), outros momentos escusados amiúde (basicamente tudo o que suscita pretender dar espessura psicológica ao protagonista; e sendo Clooney indissociável deste projecto ocorre-me que outras estrelas poderiam cumprir melhor o seu papel), The American faz o seu caminho. Há a etapa Leone (citação directa pelo recurso às imagens de Once Upon a Time in the West), o instante bergmaniano (juro que um outro assassino, quando se aproxima de costas ou até de frente, lembra Max von Sydon que jogava xadrez com "a morte" em O Sétimo Selo), também a sensação de vazio existencial que pelo modo como são tratados os lugares e os silêncios remete para a obra de mestre Antonioni, na reconfiguração de um certo tipo de cinema para sempre perdido. Foi boa a despedida, pá.

11.22.2010

"Pornopopéia", de Reinaldo Moraes


























«"Olha aqui, se aparecer um gabiru na minha vida de novo, não reclama. Culpa sua!"
E socou mais uma vez o telefone no gancho.
Culpa minha? Ela abre as pernas, vem um lá, enfia o pau na buceta dela, e a culpa é minha?
Não seria a primeira vez, de fato, como a própria patroa me confessou, noite dessas, depois de duas garrafas de vinho e uma bomba compartilhadas, numa noite sem Pedrinho nem empregada. Fiz o número do corno magoado, mas conformado. É o que a mulherada prefere. Na real me deu foi um puta tesão por ela. Caí matando na véia. Ela ter dado pra outro cara reinstituiu a sacanagem na parada. Bela trepada, amigo, nem parecia conjugal. Chupei o cu dela, procê ter uma idéia. Depois, fumando um beque na cama, pedi mais detalhes da traição, a ver se me animava a dar uma segundinha. Acho que é a tal volúpia do corno que tanto falam por aí. Ela jurou, em todo caso, que o rolo já tinha acabado fazia mais de um ano. O cara era sociólogo como ela, só que do Rio. Tinham se conhecido num fórum esquerdofrênico em Porto Alegre. Deve ser um desses barbudinhos míopes que apóiam as FARC, o Chávez, Fidel, Evo Morales, Heloísa Helena e só ouve samba de raiz nas gafieiras de classe média providas de um número suficiente de negros para parecerem populares. A Lia disse que eu andava tão desatento com ela que não saquei nada, meses a fio. Mas não era verdade. Eu tinha notado que ela estava indo demais pro Rio pra simpósio, grupo de estudos, projeto de pesquisa na Federal, visitas à Clara, irmã mais velha dela que mora lá e com quem ela nunca se deu muito bem. Que porra eu devia ter feito? Proibir as viagens dela, que me deixavam inestimáveis fins de semana e feriados livres pra zoar à vontade por dois, três dias, às vezes uma semana inteira? Comprar gabardine, chapéu diplomata e ray-ban pra seguir a piranha pelo Rio de Janeiro com uma câmera indiscreta na mão? Só fiquei aperreado de saber de tudo post-facto – pós-coito, no caso. Que graça tem ser corno e não saber na hora? Perguntei se o pau do carioca era maior ou menor que o meu. A Lia me mandou catar coquinho e não respondeu. Devia ser menor. Se fosse maior, ela teria dito pra me sacanear ou dado um sorrisinho incontornável.
E agora ela vinha com esse papo de "se aparecer alguém na minha vida, não reclama". Vá se fuder – na USP, na UFRJ, na FGV, no CEBRAP, na PQP, onde ela quiser. Vou mandar já um imeio rodrigueano pra Lia: "Perdoa-me por me traires." Pronto, mandei. Mais uma que eu devo ao Nelsão.
E vamos ao que interessa: cafunguelê, pega no bamba, trago no Jack, e foda-se a mula manca.
Sabe que tô achando esse pó do Miro de fato melhorzinho que a média? Soubesse, tinha pegado duas petecas. Depois de todo aquele sufoco, valia a pena.
Y así pasan los dias negros y las noches blancas.
Ceci n'est pas un texte. É um filme.
Pausa pra mijar.»


1. Já não lia um romance assim, em estado de euforia, desde o livro do Mutarelli este ano editado pela Quetzal.

2. A pedido do autor foram seguidas as regras anteriores à introdução do acordo ortográfico (cara inteligente).

3. O hiperrealismo psicológico é produto de uma cabeça que não se cala; que em literatura só estanca a verborreia quando fechamos o livro. Uma cabeça igual à nossa (sem sossego).

4. Um parágrafo de cinco palavras, colocado a meio da página 23, dá a impressão de poder equivaler ao livro resumido: «Ó vida escrota do caralho.»

11.19.2010

Que animais





















Recomended if you like: High on Fire, Kylesa, Baroness, Weedeater, Black Sabbath, Motorhead, Black Flag. Exactamente.
P.S. Sobre a festa Chungaria, ontem, no Lux. Os gajos passam o Reign in Blood dos Slayer a abrir e julgam-se homenzinhos. Vêem-se umas miúdas com pinta, enroladas na pista umas às outras, mas é uma cena trendy, para meninos. O reinado do rock extremo tem de aguardar por outros como eu que subam à torre de controlo.

Começar devagar o dia



O tipo de vídeo que não desvia a atenção da música; assim só se usa a metade do cérebro que está sóbria.

11.18.2010

Cat power

















Ira (SETH ROGEN) and Daisy (AUBREY PLAZA) mid-argument on the patio.

IRA
We were supposed to go out on a date together.

DAISY
We are going out on a date. I thought so.

IRA
We’re not any more. No. Because once you fuck my roommate that kind of ends it with me.

DAISY
What are you talking about? Don’t treat me like that.

IRA
Just so you know how I’m seeing you - you’re a starfucker. You’re a girl who met a star and then fucked him and he’s not even that famous. What if a real good-looking celebrity was my roommate? What if I lived with James MacAvoy or Jude Law or something?

DAISY
I don’t know. I probably would fuck both of those people.

IRA
Don’t say that.

DAISY
I’m sorry. Lower the bar a little bit.

IRA
I can’t believe that.

DAISY
If a hot girl walked over here, naked, and was like “Do my body,” you would. You would have sex with her.

IRA
No. I’d feel really uncomfortable, and then I might ask her to a Wilco show.

DAISY
Okay, then you’re the first guy in the world that I ever met that’s like that.

IRA
I thought you were the kind of girl that would wait two months and then have sex with a guy. I didn’t think you would just--

DAISY
I’m an independent woman. I’m allowed to...fuck people.

IRA
Well, if I had known that, I would have scheduled our date a lot sooner.

DAISY
Give me a break. I don’t even know you. This is the longest conversation we’ve ever had.

Daisy walks away.

O último a rir


























Funny People começa quando um comediante de sucesso, interpretado por Adam Sandler (grande amigo do argumentista e realizador Judd Apatow), recebe a notícia de que sofre de uma variante rara de leucemia cujas hipóteses de cura são de 8%. Até dado momento pareceu-me estar a assistir a melhor filme de Apatow, uma obra incómoda e brilhante no seu sarcasmo e ao mesmo tempo celebratória do universo da «stand-up comedy», que superava os resultados de Greenberg, de Noah Baumbach, isto para falar de outro exemplo surpreendente da comédia americana em período recente. Mas depois Funny People toma fôlego, o oxigénio da parte complementar substitui-se ao anterior e prolongado efeito de asfixia, e o filme torna-se apenas divertido. Dir-se-ia que Apatow não teve a coragem de ser cruel até ao fim.

11.17.2010

Metal para helenistas


























«Still Life is one of the most beautiful albums ever made. Beautiful in terms of every attribute; Scope, Intent, Execution, Musicianship, — literally everything about Still Life is gorgeous. Even and especially Akerfeldt’s ultra-growl vocals. Opeth is sadness. Better put, Opeth is understanding the beauty that can be found in sadness. I’m grabbing at straws here, because writing any sort of objective review of this or any other of Opeth’s four albums is a Herculean task. With the exception of our very own Mr. B, I have never read a negative review of Opeth. Speaking of the Greeks…

I was trying to think of an appropriate metaphor that could help me illustrate the scope and sweep of this record. Here is what I came up with:

The Odyssey by Homer
Yeah, that is what I just wrote. Here’s why. It is not so much the lyrics, though for the Death Metal genre the lyrics are Durrell to all other band’s Bukowski. In The Odyssey you have Ulysses running around and doing stuff. Epic stuff. Musically, Opeth is an odyssey. These guys just do not let up. They kill all matter of mythical beast and pry open the eye of your typical “Cycloptic” metal fan. I’m talking to you, Mr. Korn Fan. So, roughly, that is why Still Life, and really to be fair all other Opeth Albums, are like The Odyssey. Here’s more.

In The Odyssey, Ulysses comes back from his “odyssey” and finds his wife taken with a new man (or men, depending on how you read it) and his home basically overrun by strangers. He goes through the full gamut of human emotions. Jealously, pain, betrayal, confusion, bitterness, anger, revenge, bloodlust and finally murder. Then in one of the more brutal passages in literature (especially interesting if you believe that Homer is the foundation of Western Civilization) Ulysses slaughters every single one of the interlopers. Note the similarity to Still Life. The protagonist of Still Life does basically the same thing when he returns home after a fifteen year adventure to find his love and bride-to-be, Melinda, bequeathed to another man. Check these lyrics;

Darkness reared its head
Tearing within the reeling haze
Took control, claiming my flesh
Piercing rage, perfect tantrum
Each and every one would die at my hand
Choking in warm ponds of blood
At last, weak and torn I went down
Drained from strength, flickering breath


Call it archetypal if you will, though Viking culture was pretty fond of uber-warriors returning home and kicking ass. See Holgar The Dane. I can’t tell if just before all that bloody bluster Melinda had been taken away from him, or if she was killed. No matter, either way he lost the girl. Not only does Akerfeldt paint us this horrific picture lyrically, but he does it with his throat as well. Moving from the softest of joys to the most harsh and extreme, his growl is legendary for a reason. Even when compared to what he did one album previous on the famously brutal My Arms, Your Hearse, Mikael’s vocal skills reflect new levels of sorrow and melancholy. Opeth as a band, solidified for the first time since Orchid, also goes from weepy to homicidal at the drop of a hat. Check out the 5:50 minute mark of “White Cluster.” My point is, Still Life is not only epic, it’s mythological.

Opeth really cranked it up a notch with this, their fourth release. I mean, can you think of another death metal band where the melodies get stuck in your head? No, you can’t. With the exception of their latest record, Blackwater Park, no other record can even sit on the same shelf with Still Life


[assina Jonny Lieberman no Ruthless Reviews]

Headbanger monk

Tenho um amigo cuja filha namora com um headbanger que trabalha na morgue do hospital. Já eu escolhi a via do meio.

Corpo surdo


























Static Tensions é um título que diz o mesmo que Spiral Shadow, ou seja muito pouco. É preciso quebrar os obstáculos no caminho daquilo que é essencial. O som. As coisas têm que ter um nome para serem arrumadas de alguma maneira, mas esta é música em que o som é tudo e onde as palavras significam pela intensidade das vozes que as dizem, muito mais do que por aquilo que queiram (?) exprimir. O propósito do grito é atingir-nos, fazer-nos reagir: energia que activa o comando da mente e que dispensa os grandes gestos. A reacção é um estado de consciência; o corpo mero veículo de carga ilusória.

11.15.2010

É bom sujar-se



O deus Riff não pode deixar isto passar em claro.

[Some people say (Kai-Lisa) but its (Kai–Less ah).]

Dama de ferro


























Laura Pleasants, guitarrista dos norte-americanos Kylesa (estão entre as minhas bandas do ano).
Uma lady no mais mascavado espírito rockenrole.

Cinema todo

















Who said that time heals all wounds? It would be better to say that time heals everything - except wounds. With time, the hurt of separation loses its real limits. With time, the desired body will soon disappear, and if the desiring body has already ceased to exist for the other, then what remains is a wound, disembodied.

Chris Marker, Sans Soleil (1983).

You can say that again...


























Uma Mojo para guardar.

Um anjo desceu no Estoril


























foto: Tim Knox.

Se a proposta tivesse ficado pela leitura, já teria sido bom ter ido ver Laurie Anderson. Digo bem, ter ido ver, porque é uma presença que se sente como qualquer coisa de muito agradável. Laurie Anderson irradia de facto uma tal bonomia, na sua figura leve e discreta de gentil anjo de idade indeterminada (tem 63 anos, disse-o com o mínimo ênfase), que bastava estarmos ali sem que nada acontecesse. Mais fascinante foi o momento em que acedeu a responder a três questões do público, sobre as quais se alongou com tais graça e agilidade de raciocínio apenas ao alcance das pessoas verdadeiramente ricas interiormente. Falou sem pessimismo sobre a integração de novas tecnologias nos hábitos de leitura, e no seu próprio trabalho desde sempre; referiu-se ao projecto em torno de Moby Dick, o seu livro preferido, experiência à qual não mais regressará; por último e a pretexto do pequeno livro Night Life, falou de sonhos e dessa linguagem que cada um interpreta à sua maneira. Respostas sempre longas e naquela cadência suave e muito própria que nos habituámos a sentir como música.

Alberto Garcia-Alix

O principal mérito da exposição de fotografias de Alberto Garcia-Alix que o Estoril Film Festival mostrou num dos seus espaços, é o de nos fazer procurar outras imagens do madrileno. A sequência era muito curta e demasiado heterogénea, o que enfraquece as primeiras impressões. Melhor serviço teria sido o de estreitar o âmbito das fotografias apresentadas, ou então de aumentar significativamente o seu número. Também não é abrangente a oferta proporcionada pela Internet, mas é certo que Garcia-Alix é um grande fotógrafo e que fascinantes são vários dos universos que o têm interessado. Ficam dois exemplos do que encontrei a seguir ao Estoril. De alto a baixo.




11.13.2010

Je vous salue, Marie




















Vou procurar fazer-me entender a mim próprio. E a quente, directo para o papel, porque estas ideias escapam como enguias. Face a determinados fenómenos o melhor é não fazer perguntas. A beleza é um deles; o mistério da vida outro. Tópicos dominantes no cinema de Godard (sobretudo o primeiro) desde os seus primeiros filmes. O homem, Jean-Luc, idealiza a beleza natural das coisas (um plano exprime o desejo de fixar alguma coisa) também como forma de resistência (à vulgarização das imagens e da interpretação do mundo). O homem, Godard, contrapõe um discurso fragmentado e culto à evidência dos corpos, aliás de tudo o que existe em estado natural (formas que irradiam e luzes que dão forma). Penso que Godard teve sempre presente a orfandade dos sentidos a que o cinema não pode apelar, e que por paradoxal que seja talvez desejasse prescindir por vezes daquele aparentemente mais importante em função dos outros. O turbilhão de ideias que Godard projecta no ecrã com uma arrumação muito pessoal pode ser a tentativa (utópica) de trazer o tacto para a experiência de ver um filme. A hipotética proposta de um cinema pelo qual avançamos tacteando com os sentidos disponíveis. Rico em signos de clara beleza (os planos, o excertos musicais, as citações), cuja hierarquia e consequente significação permanentemente se refazem. A fulgurante expressão dos elementos não deveria fazer-nos procurar sentidos obscuros. É preciso desaprender de ver para poder abrir os olhos para o fluxo godardiano, aceitando que o puzzle nunca se completa. Se ao menos pudéssemos suspender a necessidade de colocar perguntas; aceitar o mistério nem que seja por uma questão de pudor.

11.12.2010

Eu vos saúdo, Maria




















Uma amiga conta-me em sumarenta conversa, daquelas que normalmente os homens têm só entre eles e as mulheres entre elas, que fizera uma depilação quase quase total para reconquistar o namorado. Pergunto-lhe por que não total total? Responde que lhe causa impressão, que raia a pedofilia. Argumento que não, que uma mulher sem pêlos é mais da ordem virginal. E hoje, ao comprar o Público, recordo uma menina que deita por terra a minha argumentação. Eu vos saúdo, mulheres. E a vossa diversidade.

11.11.2010

You can't call it Alf


























Paulo Bento disse que quando queria ver um espectáculo ia ao cinema. O cinema há muito que não garante o espectáculo até quando se pretende espectacular, e fazendo minhas as palavras do seleccionador confesso que quando quero espectáculo ponho a tocar um CD de metal. Do clássico power metal ao death metal melódico da actualidade. E nem preciso fixar a atenção nas narrativas épicas e sangrentas que neles se cantam, a energia contida na música é tónico suficiente. Os Grand Magus são suecos e cultivam um heavy metal revivalista que descaradamente se inspira no melhor Dio, a que se junta uma produção de qualidade onde a Suécia há vários anos se destaca. Os nórdicos têm mitologia fecunda e desmultiplicam-se em bandas de um perfeccionismo sem comparação. É claro que pouco acrescentam ao que vinha de trás, antes prolongam o espírito de uma música empolgante que oferece a virtualidade da fantasia junto com a materialidade do som e da voz. Não dá para ouvir sempre, mas de vez em quando é mesmo o espectáculo que apetece.

11.10.2010

Trip de narizes



Entrevista aqui.

Música calada
















Chamar um filme de melodrama é atribuir-lhe classificação que tende a colocá-lo fora do nosso tempo. É ainda um género infelizmente em desuso pelo que mesmo recordando a distante recepção a que foi sujeito por ocasião da estreia em Portugal, tinha curiosidade de ver este The Painted Veil (2006) e mais curioso fiquei após ter descoberto o filme anterior de John Curran, Desencontros / We Don't Live Here Anymore (2004). The Painted Veil é um objecto tão discreto que quase não se dá por ele. Curran mostra-se próximo da sensibilidade de Pollack e Minghella mas é mais envergonhado que eles. Parece pedir licença para meter cada plano da paisagem asiática que serve de fundo à maior parte da história, e a intensidade da relação do casal protagonista é gerida com extremo pudor. Os sentimentos são permanentemente calados, até quando de um casamento de conveniência manchado pela traição (e consequente ressentimento nunca exteriorizado com veemência), nasce o amor e o dever que o acompanha: o «estado de graça» a que se refere a personagem de uma madre superiora. The Painted Veil é na essência um melodrama que termina onde os outros começam. Quando o sentimento é mútuo. E isso é também bonito de ver.

11.09.2010

Uma sinfonia das trevas

Dois pontas de lança

Pequenino fio de Ariadne

Um casamento banal

Um perdedor
















Paulo Sérgio é um perdedor. Custa ter de o admitir mas torna-se cada vez mais evidente (o falhanço nos momentos cruciais). E a excepção, também no seu caso, confirma a regra. Quando perdeu o 5º lugar para o Marítimo na época passada, em confronto directo disputado em Guimarães, o já então anunciado futuro treinador do Sporting deixou-me um amargo de boca próximo daquilo que teria sido o sabor de um desaire protagonizado pelo meu clube (sentia-o já treinador do Sporting embora não exercesse ainda essas funções).
Paulo Sérgio parece ser homem de carácter, sério no trabalho e justo na avaliação do desempenho da equipa. Falta saber corresponder nos momentos decisivos, saber reagir quando o rumo dos acontecimentos se altera desfavoravelmente. Saber gerir aquilo que corre bem é o mínimo que se exige no desempenho de quaisquer funções. Paulo Sérgio tem falhado no resto. Quando a equipa desaba perante os seus olhos, ele mostra-se incapaz de promover a recuperação da coesão anterior. A excepção deu-se com o triunfo improvável no terreno do Brondby que permitiu o acesso à Liga Europa. De resto o Sporting manifesta sempre enormes dificuldades frente a equipas que vão além da mediocridade.
Na minha opinião, e tendo em conta as incidências de ambos os jogos, perder 2-3 frente ao Guimarães é tão comprometedor como ser goleado no Dragão (ou mais até). Todos os jogos têm momentos decisivos e Paulo Sérgio tem falhado grande parte deles por adiar as suas decisões. Voltemos ao jogo com o Guimarães que deitou pelo chão quaisquer expectativas que eu alimentasse em relação ao nosso treinador. Maniche é expulso e o Sporting, que já havia baixado de rendimento na segunda parte, recua no terreno. O Guimarães faz o 2-1 logo após a entrada de Zapater que substituiu o nosso melhor jogador até então, Jaime Valdés. O que faz Paulo Sérgio? No banco estavam os avançados Saleiro e Yannick (é o que temos), e o treinador pura e simplesmente não reage. O Guimarães anula a desvantagem e pouco depois passa para a frente no marcador, e só então Paulo Sérgio faz entrar Saleiro (nos descontos...). A equipa diminuída com a expulsão do seu jogador mais experiente assiste à passividade do líder. E os homens no banco, o que terão pensado ao ver que o treinador preferiu qualquer sorte a ter de lançá-los no jogo?
Quando o Guimarães marca e está a jogar contra dez, Paulo Sérgio pensou uma vez mais pequeno. Procurou não perder o jogo em vez de procurar alargar a vantagem. Isto para mim define com clareza a diferença entre um vencedor e um perdedor. A época está perdida. Espera-nos mais do mesmo. Ficar atrás do Porto, do Benfica, do Braga ou do Guimarães. Paulo Sérgio acabará também ele a disputar (de novo, quem sabe) o 5º lugar... Oxalá o calendário corra depressa e que sejamos poupados a demasiados embaraços. Que saibamos mostrar nas derrotas outro espírito competitivo. Outra dignidade.

11.08.2010

Trois couleurs: BLACK




A parte da Magnani




















Em encontro com o público do Estoril Film Festival que veio a terminar no mesmo tempo da vitória expressiva do Porto no Dragão (acompanhada via sms), Abbas Kiarostami falou com fecundidade sobre o seu trabalho e sobre o filme que tínhamos acabado de ver: Copie Conforme, espécie de «identificação de um casal» que várias vezes troca as voltas ao espectador que se procura orientar por entre o seu aparente naturalismo que veste uma construção fortemente conceptual. O momento que me interessa realçar de toda a conversa é o que diz respeito à minha relação com o filme. Kiarostami contou que após as primeiras leituras que fizera do argumento, Juliette Binoche lhe telefonara porque não sabia como se relacionar com a sua personagem, que lhe parecia uma mulher neurótica e imprevisível. Perguntou então ao realizador se devia adoptar por modelo a actriz Anna Magnani ou outra, ao que ele respondeu que devia sim procurar dentro dela as partes que se adequariam a cada situação. Copie Conforme é o filme mais sensual de Kiarostami, ou talvez aquele onde a sensualidade melhor encaixa nos padrões ocidentais. A sensualidade de Binoche (uma antiquária francesa e morar em Itália) é muito terra a terra, mas a verdade é que não consegui tirar os olhos do seu decote durante todo o filme, e muito por conta dos enquadramentos de Kiarostami. Se cheguei a pensar que aquela particularidade da focagem era de minha obstinada responsabilidade, quando a personagem de Binoche conta ao homem que entrara numa igreja apenas para se libertar do sutiã que a incomodava, dei por amnestiada a pequena perversão. Abbas Kiarostami, grande malandro, conseguiu ter a Binoche e também a parte da Magnani (originais e cópias uma da outra).

Manuel Cintra Ferreira (1942-2010)
















The Searchers (John Ford, 1956)

Quando comecei a escrever pequenos textos de cinema para o jornal Combate do PSR, Manuel Cintra Ferreira era já pessoa respeitada entre os críticos da paróquia, e mais importante que isso reunia a simpatia geral. Passei a ir regularmente aos visionamentos de imprensa, e o Manuel comparecia a todos eles. Eu com o entusiasmo dos iniciados, ele como se estivesse a dar também os primeiros passos numa produção intelectual que tinha por base a grande paixão da sua vida (a certa altura fiquei a saber que Cintra Ferreira no dia do seu casamento, e imediatamente depois da cerimónia, pegou na mulher e foram ao cinema). O Manuel Cintra Ferreira foi das pessoas que melhor me recebeu; não era de manter grandes conversas, até por causa do seu problema de audição, mas sorria sempre e largava duas ou três frases sobre os filmes que recentemente mais o tinham entusiasmado (nunca faltava assunto porque o Manuel via tudo com agrado, e como li agora com justeza «gostava de gostar dos filmes»). A imagem que dele guardo neste momento já com saudade, é o do arranque das projecções, o apagar das luzes na sala, o silêncio que ficava no ar apenas interrompido pelo ligeiro ruído do aparelho de audição que Cintra Ferreira acabava de ligar. Ouvíamos aqueles barulhinhos e sabíamos que era o Manuel que estava naquele lugar.

11.05.2010

Cinema em linha recta
















A Rede Social de David Fincher termina com a imagem de Mark Zuckerberg, que carrega repetidas vezes no botão 'refresh' em cima da página do Facebook da ex-namorada, por quem fora despachado no início do filme. Momento de frustração que ilustra bem o sentimento que se pode apoderar do espectador. É que os primeiros 10 minutos de A Rede Social são iguais aos segundos 10 minutos, que são iguais aos terceiros, quartos, sétimos, oitavos 10 minutos, e sempre assim até ao fim. Ou de como um fenónemo sem grande interesse deu origem a um objecto monótono e superficial.

11.04.2010

Tigerlady


















Ira Chernova. Uma Asia Argento russa a viver em Amesterdão.
Tremendo modelo, estupenda fotógrafa.

Autofagia



O conselho escuta-se quase no princípio e da boca de Jimmy Conway (De Niro). As duas coisas mais importantes na vida: nunca entregar os amigos e manter a boca sempre fechada. E logo entramos no mundo ideal da máfia pelo olhar de Henry Hill (Ray Liotta). O fascínio dele faz-se nosso também. Goodfellas é um filme sobre a família. Mas aquela que escolhemos, onde nos desejamos ver integrados. Só que em qualquer família as pessoas começam por comer umas com as outras e acabam a devorar-se umas às outras. As famílias tendem a ser autofágicas.

11.03.2010

Mudar o pêlo


























Nos idos de 80 do século passado, fase áurea das rádios piratas, que por rebeldia ou incúria atropelavam frequências designadas, tive um programa semanal intitulado O Uivo das Feras, que abria sempre com os segundos iniciais da «howling mix» de She Sells Sanctuary, dos The Cult (comprado na Bimotor das Amoreiras). Os tempos mudaram, as piratarias radiofónicas há muito estão extintas, e as feras são também já outras (ou não chegaram nunca a ir-se embora, limitando-se a mudar de pêlo).

Estúpido e genial



As melhores coisas vêm a três.

Esta merda é boa e vicia

Pura gasolina, sem chumbo



Escutado na Radar há alguns minutos. Enchi o depósito.

11.02.2010

Apresenta as amigas





















(douglas gordon)


Tatuagens
por João Pereira Coutinho

Cheguei hoje à triste conclusão que sou o último exemplar da espécie "Homo sapiens" que não tem uma tatuagem para mostrar. Amigos, amigas, sobretudo amigas, todos eles ostentam iconografia diversa em diversas partes do corpo. Preferências pelo mundo animal, bélico e satânico.

Eu, pelo contrário, sou uma tela em branco, coberto apenas por penugem hominídea, a fatal celulite e algumas cicatrizes que trouxe do Vietnã. Como explicar essa epidemia de tatuagens que transforma o meu mundo num retorno à pré-história, com os meus amigos feitos pinturas rupestres e eu, um dinossauro em extinção?

Um nome possível é Norbert Elias (1897-1990), o grande historiador da França pré-revolucionária, que nas obras sobre a "sociedade da corte" disserta com talento inultrapassável sobre a forma como a nobreza sempre se procurou distinguir da populaça circundante.

Conta Elias, sobretudo em "O Processo Civilizacional", que as elites procuravam essa distinção pela busca de novos e refinados símbolos (nos adereços, no vestuário, nos comportamentos). Só depois a plebe corria atrás, procurando imitar e, pela imitação, "nobilitando-se". A ascensão social fazia-se por imitação social, ou seja, por imitação "superior".

As tatuagens representam uma pequena revolução civilizacional. Pela primeira vez em toda a história social do Ocidente, a classe média procura distinguir-se por imitação "inferior": se os nossos antepassados olhavam para cima, os nossos contemporâneos olham para baixo. Para as marcas tangíveis, carnais, inapagáveis de roqueiros ou marginais, como se essa descida fosse uma forma paradoxal de ascensão.

O problema desses movimentos miméticos é que eles acabam sempre por atingir estágios de estagnação, onde é necessário encontrar novas marcas distintivas - não é por acaso, escreve Elias, que Paris se foi refinando continuamente: uma vez imitada pela plebe, a nobreza partia em busca de novos códigos exclusivos que por sua vez acabariam por ser imitados, e abandonados, e trocados por outros. "Ad infinitum".

Hoje, a imitação "inferior" bateu contra o mesmo tipo de parede - e a tatuagem, que era a exceção na paisagem, passou a ser regra. Difícil não é ter ou ver uma tatuagem. Difícil é não ter ou não ver.

O que significa que, mais cedo ou mais tarde, não será de excluir que os meus amigos comecem a aparecer com ossos no nariz, em imitação de uma qualquer tribo primitiva e, de preferência, assaz remota e assaz exclusiva.

Uma civilização que já olhou para cima e para baixo para se "nobilitar" socialmente, talvez encontre novos caminhos de distinção olhando para longe.

s/t


























Jan Scholz (da série expecting to fly).

Tipos clássicos




















Duas versões de um mesmo filme.

Arquivo do blogue