11.13.2010

Je vous salue, Marie




















Vou procurar fazer-me entender a mim próprio. E a quente, directo para o papel, porque estas ideias escapam como enguias. Face a determinados fenómenos o melhor é não fazer perguntas. A beleza é um deles; o mistério da vida outro. Tópicos dominantes no cinema de Godard (sobretudo o primeiro) desde os seus primeiros filmes. O homem, Jean-Luc, idealiza a beleza natural das coisas (um plano exprime o desejo de fixar alguma coisa) também como forma de resistência (à vulgarização das imagens e da interpretação do mundo). O homem, Godard, contrapõe um discurso fragmentado e culto à evidência dos corpos, aliás de tudo o que existe em estado natural (formas que irradiam e luzes que dão forma). Penso que Godard teve sempre presente a orfandade dos sentidos a que o cinema não pode apelar, e que por paradoxal que seja talvez desejasse prescindir por vezes daquele aparentemente mais importante em função dos outros. O turbilhão de ideias que Godard projecta no ecrã com uma arrumação muito pessoal pode ser a tentativa (utópica) de trazer o tacto para a experiência de ver um filme. A hipotética proposta de um cinema pelo qual avançamos tacteando com os sentidos disponíveis. Rico em signos de clara beleza (os planos, o excertos musicais, as citações), cuja hierarquia e consequente significação permanentemente se refazem. A fulgurante expressão dos elementos não deveria fazer-nos procurar sentidos obscuros. É preciso desaprender de ver para poder abrir os olhos para o fluxo godardiano, aceitando que o puzzle nunca se completa. Se ao menos pudéssemos suspender a necessidade de colocar perguntas; aceitar o mistério nem que seja por uma questão de pudor.

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