3.31.2008

Sinal dos tempos

A Ler já é blog, antes mesmo de regressar como revista.

3.30.2008

Feliz dia 17
























Para quem coloca os filmes de James Gray (n. 1969) na categoria mais pessoal de todas; que não tem dúvidas em destacá-lo de entre o conjunto de cineastas norte-americanos com menos de 40 anos, com obra respeitada dentro e fora de portas; e que situou os anteriores Little Odessa e The Yards no topo das preferências dos respectivos anos; o anunciar da estreia, no próximo mês, de We Own the Night, Nós Controlamos a Noite, é a mais grata notícia cinematográfica de 2008.

O bom filho



















Este é um post sobre Robert De Niro, o realizador. Fez um filme sob o signo de Scorsese: A Bronx Tale. Outro recuperando o estilo do melhor Coppola: The Good Shepherd. Dois dos realizadores mais importantes com quem trabalhou. De um para o outro tornou-se num artista maduro, também atrás das câmaras. The Good Shepherd está entre os melhores filmes estreados no ano passado, mas só agora caí em mim e tomei consciência do muito reconhecimento que ele merece. É uma obra sombria, marcada pela opacidade do seu protagonista (como curiosa é a inclinação de Matt Damon por este tipo de figura, bem próxima do Ripley que fizera para Anthony Minghella), que evolui lentamente por caves e esconsos narrativos que requerem a nossa total atenção. A De Niro não interessou a pedagogia da história, até porque a história deste filme - tal qual a do anterior A Bronx Tale - é outra. O tema principal da ainda curta - mas funda - obra do grande actor tornado realizador, centra-se no tributo à figura paterna e nas variações do modo como este pode ser representado: em A Bronx Tale de forma calorosa, nostálgica; em The Good Shepherd pela frieza do recalcamento que leva à tragédia sem redenção. Podemos ganhar a vida ou perdê-la para sempre, em nome da fidelidade ao progenitor. O próprio pai de De Niro, Robert De Niro Senior (1922-1993), pintor expressionista, tem motivado um cada vez maior empenho do filho na preservação e divulgação da sua memória e trabalho. Não é só o nascimento de uma criança que representa o prolongamento da nossa vida num novo ser. Muitas vezes o incontornável facto de sermos filhos de alguém, faz surgir em nós um sentimento de dívida que pode acompanhar-nos toda a vida.


[ao amigo Carlos]: obrigado pela lembrança; devolvo o gesto com esta sugestão.

3.28.2008

Corpus Christie's







fotografias de Irving Penn (Kate Moss) e Richard Avedon (Lauren Hutton)

Conhece-te a ti mesmo


3.27.2008

Burras e burros é comigo















Uma burra vos guarde a todos
por Pedro Lomba
DN, 27.03.08

Há pouco tempo acabei um livro académico. A primeira e última coisa em que pensei foi na dedicatória. Sou apreciador de dedicatórias. E sempre achei que a dedicatória não pode ser tratada com displicência. As dedicatórias são paragem obrigatória em qualquer livro. Dizem quase tudo sobre o autor, se ele se leva a sério, se tem sentido de humor ou sentido do ridículo. Parece-me mais do que justo que haja estudos universitários só sobre dedicatórias. Se pensarmos um bocado, veremos que é um tema bicudo: não é fácil escolher uma boa dedicatória.

Os problemas começam na questão afectiva. Para dedicarmos um livro, é preciso que ele seja dedicável. Mais do que um juízo de mérito, é um juízo temático. Existem livros estranhos. Todos os anos a revista inglesa The Bookseller organiza um prémio para os livros com os títulos mais bizarros do mundo. Em 2007, alguns finalistas eram Os Carrinhos de Supermercado Perdidos a Leste dos Estados Unidos da América e Quão verdes eram os nazis? Este ano a votação pode escolher entre Serão as mulheres humanas e outros Diálogos Internacionais? ou Como Escrever um Como Escrever um Livro? Quem é que vai dedicar estas coisas? Metam-se na pele dos dedicados. Podemos sempre, em alternativa, dirigir a dedicatória aos inimigos. Ou fazer como o Brás Cubas de Machado de Assis: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver".

Se não for o caso, é preciso escolher. Pai e mãe são uma possibilidade óbvia (se não estiverem divorciados). Mas hoje em dia, ou estão divorciados ou acumulam com segundos pais e segundas mães. Meter toda a gente no mesmo saco dá complicação certa. Escolher um ou outro é também arriscado. Existem sempre as mulheres e namoradas. Mas reparem que as relações amorosas estão cada vez mais precárias. Conheço casos de autores que dedicaram as obras-primas às esposas e acabou tudo no preciso momento em que as tipografias começavam a trabalhar. É trágico. E é cómico.

Há tipos de dedicatória que me parecem mal conseguidas. É o caso das dedicatórias a lugares (Ao Sabugal, minha terra), de professores a alunos (às vezes violentos), a animais de estimação (grotesco), à memória de alguém (é preciso idade para isso), a engates de ocasião ("Para ti, por aquele dia"). Camões, noutro registo, dedicou Os Lusíadas a D. Sebastião. Já os dramaturgos franceses da mesma altura dedicavam livros em troca de favores. Mais avisado era o nosso António José da Silva que dedicou uma das peças "à muito nobre senhora Pecunia Argentina: Uma Burra guarde a ilustre pessoa de Vossa Senhoria". Grande dedicatória só mesmo a de García Márquez em O Amor em Tempos de Coléra. "Para Mercedes, por supuesto". E chega.



A boa crónica vai também da improbabilidade do tema. Esta é das melhores que o Pedro escreveu. Daqui, à distância, mando-lhe um abraço e os meus parabéns.

Bernadette Peters

"No One Is Alone", do musical "Into the Woods" (Stephen Sondheim). Notem a canção, notem a voz, notem a pele, notem o cabelo, notem o vestido.

3.26.2008

Descalço
























Por Diane Lane, descalça, eu corria em qualquer pista.

fotografada por Kurt Markus

Passar à frente
























O Sporting acabava de se vergar de novo ao feitiço de Carvalhal, a feijoada apurava de dentro para fora do tacho, e eu descobria um disco essencial que lembrava a energia dos Arcade Fire, em melhor. Ficar deprimido estava fora de questão. Saber viver requer sobretudo qualidade de passe, coisa em que nessa noite estivemos bem acima deles.

3.25.2008

A um mês do Indie
















A edição 2008 do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema Independente - foi apresentada à imprensa esta manhã. O festival arranca no próximo dia 24 de Abril (razão forte para fazer "ponte" sem sair da capital) e terminará dois domingos depois, a 4 de Maio. De tudo quanto foi falado (apoios, orçamentos, crescimentos, consolidação...), interessam-me os filmes. É isso que destaco nas próximas linhas. Começando pela secção, em teoria, mais importante: o Herói Independente, que vai tratar das obras de Johnnie To (Hong Kong, foto dir.) e do catalão José Luis Guerín (foto esq.), assim como do novo cinema romeno, do qual Portugal já viu A Morte do Sr. Lazarescu, de Cristi Puiu, e 4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias, de Cristian Mungiu. Em relação aos dois primeiros nomes, e de forma muito sucinta, podemos esperar bailados de balas e não só, por parte de To. O IndieLisboa dará a conhecer dúzia exacta de longas-metragens (a mais antiga de 1993; a mais recente já deste ano: Sparrow, muito elogiada pelos críticos portugueses que se deslocaram ao último Festival de Berlim) de um sujeito que nunca faz menos de dois filmes por ano. Por parte de Guerín aguarda-se o (re)encontro com uma experimentação original, que junta documentário e reflexão sobre aquilo que constitui a matéria das imagens e as memórias que estas convocam.
A secção denominada de Observatório costuma concentrar atenções em torno de autores também eles confirmados. É das que mais atrai o meu interesse, e este ano há motivos de sobra para que tal venha de novo a verificar-se. Os filmes que farei por não perder são: Avant Que J'Oublie (Jacques Nolot), Go Go Tales (Abel Ferrara), Import Export (Ulrich Seidl), Le Premier Venu (Jacques Doillon), Memories (que junta Harun Farocki a Pedro Costa e Eugène Green), Sad Vacation (Shinji Aoyama) e Useless (Jia Zhang-Ke). O critério é o de sempre: o apreço que estes realizadores me merecem, ou simplesmente o facto de ter sabido da passagem dos títulos em festivais e o que então li ter-me interessado.
Não refiro curtas metragens porque francamente depois das maratonas de Vila do Conde, em anos consecutivos, fiquei esgotado. Poderei decidir ver alguma coisa em cima da hora por recomendação alheia, mas de contrário só sobra curiosidade para a produção nacional. Em particular para "filmes de amigos ou conhecidos", como é o caso do premiado Superfície, de Rui Xavier, que integra a competição internacional de curtas do Indie.
Deixei para o final aquela que me pareceu logo a fatia mais suculenta da programação, e que diz respeito à programação Indiemusic, constituída em grande parte por documentários sobre figuras ou bandas pop/rock. E que bandas! E que figuras! Passarão pelas sessões do Indie, Joe Strummer (Joe Strummer - The Future is Unwritten, de Julian Temple), Ian Curtis etc. (Joy Division, de Grant Gee), Lou Reed (Lou Reed's Berlin, de Julian Schnabel), Patti Smith (Patti Smith: Dream of Life, de Steven Sebring) e, entre outros, Scott Walker (Scott Walker: 30 Century Man, de Stephen Kijak). É muita música boa, muito filme potencialmente interessante, para uma pessoa sequer pensar deixar a cidade. De 24 de Abril a 4 de Maio a solução passa por desenhar uma figura geométrica que vá do S. Jorge ao Maria Matos, ao Fórum Lisboa e ao Londres, e procurar satisfazer toda e qualquer necessidade dentro dessa área. Parece difícil? Desde que munidos dos respectivos bilhetes, nada mais simples. Podemos sempre servir-nos do "indiebus" e, quem sabe, pormo-nos de pé para deixar sentar a Soraia Chaves (um dos elementos do júri Amnistia Internacional). Até lá.

3.24.2008

Altman mais realista











No limite não haverá filme tão realista como aquele que reflecte fielmente as suas condições de produção. Em McCabe & Mrs. Miller (1971), o que na vida daquelas pessoas distingue entre o dentro e o fora do filme, terá sido dado por uma voz de "Acção". Pode então dizer-se que o trabalho de Robert Altman se define, em larga medida, pelo entendimento do cinema enquanto prolongamento da vida, por outros meios. Meios de produção usados na reprodução de vida. Certos filmes exigirão assim serem mais do que apenas vistos. É preciso disponibilidade para habitá-los. Fica um exemplo.

Aos pés e ao espelho
















(...) Ao fim e ao cabo, as mulheres é que escolhem o momento e os termos da ofensiva. Meditam tudo em casa e passado tempo acabam por confessar: "Naquele dia, sabes, eu tinha resolvido..."
Sim, Daniel estava prevenido e por isso arrumara o volume de Henry Miller algures numa gaveta do consultório. A frase de Napoleão era um aviso, pensou ele com certeza; e deve ter sorrido, como sorri agora diante de mim.
- Foi o que sentiste?- pergunto-lhe.- Uma espécie de aviso?
E ele:
- Talvez. Mas pareceu-me sobretudo uma mensagem. Um recado lançado ao mar dentro duma garrafa.
- E haverá nos tempos que correm quem ainda lance garrafas ao mar?
- Não faço ideia - responde o Meu Amigo.
- Talvez os indivíduos solitários. Talvez os que gostam de se distrair com a solidão. Há muita gente assim, podes crer. (...) págs. 38/39


(...) Recapitulando, no dicionário de Daniel, Mulher Que Se Olha Ao Espelho é toda aquela que está permanentemente diante de si mesma; o pavor do ridículo característico desta espécie origina, por via de regra, uma incapacidade de se entregar cujas consequências são por vezes dolorosas. A Mulher Que Se Olha Ao Espelho preza-se demasiado (ama-se, é o termo) para conseguir deixar de se estudar nas circunstâncias mais adversas e procura compensar as suas quebras de autoridade com uma crítica impiedosa das situações absurdas. Dixit. págs. 51/52

Lavagante, encontro desabitado, de José Cardoso Pires, Edições Nelson de Matos, 2008.

3.19.2008

Ejaculação precoce

Um dia depois de ter tomado posse, o novo governador de Nova Iorque, David Paterson, convocou uma conferência de imprensa para admitir que tanto ele como a esposa tinham mantido casos extra-matrimoniais. O anúncio foi feito para acabar com rumores sobre o seu casamento e na sequência do escândalo que envolveu o seu antecessor, Eliot Spitzer. (ver vídeo, aqui)


É notícia antes de ser notícia.

Lembrar Minghella, o melómano


















Há filmes de que gostamos apenas porque gostamos muito de partes desses filmes. E regressamos a eles na expectativa de reencontrar esses momentos, de recuperar as mesmas emoções. A filmografia de Anthony Minghella (1954-2008) tem pelo menos dois títulos com esse significado para mim. São eles O Paciente Inglês e Assalto e Intromissão. Do Paciente... recordo a paixão adulta por Kristin Scott Thomas, se é que é possível ter uma paixão adulta por uma figura de cinema. Relembro a plasticidade das dunas, e a impotência do conde interpretado por Ralph Fiennes, para salvar a mulher que conhecera numa altura da vida em que o amor era assunto mais remoto do que água na areia do deserto. A música era então já responsabilidade de Gabriel Yared, que acompanharia Minghella até ao seu derradeiro filme (produzido, filmado e exibido em vida), precisamente Assalto e Intromissão. O realizador inglês adquirira entretanto notoriedade no género épico, na grande produção, e Assalto... fazia-o concentrar-se sobre a Londres contemporânea, multi-étnica, high-tech, e nos dramas dos seus personagens, na verdade mais comuns do que o comum espectador estaria na disposição de admitir que o fossem. Mudam-se os tempos, a opulência material varia mas as questões que nos aproximam ou afastam tendem a manter-se tão iguais como sempre foram. Minghella era um indivíduo sensível à natureza profunda dos da sua espécie, e era talentoso argumentista também. Tinha para mais uma curiosidade enorme pelas músicas do mundo: rústicas ou sofisticadas. Uma coisa que notei em Assalto e Intromissão foi a banda-sonora que juntava motivos orquestrais de Yared à electrónica dos Underworld. Lembro-me de receber o disco, via importação, e de ler no interior um texto de Minghella que dava conta do processo de criação daquelas composições, das conversas tidas com os intervenientes (das várias referências trocadas entre eles), até se chegar àquela maravilha de trilha. Hoje que todos recordam o Minghella realizador, apeteceu-me expressar admiração pelo melómano também. A música dos seus filmes é parte da razão porque partes deles me dizem muito. E ainda para mais ele sempre me pareceu ser um tipo normal.

Lovebirds














Grande parte das histórias que se contam em The Lovebirds deixam algo impresso na memória. O filme de Bruno de Almeida percebe-se que tem afinidades com algum cinema americano das décadas de 70 e 80 - o Scorsese "fora-de-horas", os mosaicos de Altman, a improvisação integrada por Cassevetes - e com o universo literário cheio de interseções poéticas, abstracções e metáforas, de Paul Auster. Mas Bruno de Almeida não incorre no provincianismo de filmar Lisboa como se fosse uma qualquer zona de Nova Iorque. Lisboa sente-se genuinamente neste The Lovebirds, o trabalho ficcional é plausível e por vezes comovente até. Acho que a montagem tem problemas que se notam sobretudo quando a alternância de situações dá a sensação de estarmos a assistir ao efeito de zappping. Esse desejo de aceleração vai-se perdendo e o filme acaba por saber demorar-se quando faz sentido: é bonita a conversa entre Fernando Lopes - de whisky numa mão e cigarro na outra - e o pugilista americano do filme dentro do filme (sobre boxe, cinema, derrota, sobrevivência), como também é encantador o despertar de Alfama por sobre o diálogo (a despedida?) do par formado por outro americano (Michael Imperioli), que vê uma mulher no Metro (a bela Ana Padrão; que decote, Deus meu!) e decide segui-la até ser dia... Outro episódio que não esqueço é aquele que revela a personagem talvez mais impressionante de The Lovebirds: o taxista interpretado por Dmitry Bogomolov que tem dentro de si o impulso de morte e de vida, que são como a noite e o seu fim, o dia e o seu começo, só que regidos por uma lógica animal, logo imprevisível. Como surpreendente é também a escolha de um muito particular fado de Camané para abrir para a manhã seguinte. É a única música intencional que se escuta no filme e também ela fica na memória.

3.18.2008

Anda Pacheco!

Na entrevista à Kapa de 1992, Luiz Pacheco diz a páginas 52 e 53 [O Crocodilo que Voa - Entrevistas a Luiz Pacheco, Tinta da China 2008]:

(...) Agora há também outra coisa: há outra maneira de escrever. Eu não posso escrever como o Miguel Esteves Cardoso. Há outras maneiras de humor, de escrever, há outra maneira de chegar a um público novo que eu conheço mal. São estas raparigas, estes rapazes da geração das cassetes e dos vídeos. (...)


Luis Pacheco afirmava nunca poder escrever à M.E.C., mas M.E.C. pode escrever à Luiz Pacheco. Eis o motivo de eu ter voltado a comprar o Público todos os dias. Eis a prova:

Diário da Perna
O recobro (sáb 15/03/08)

Ai. Eis-me esticado na sala de recobro, já sem maneira de me armar em bom. Tenho uma meia branca de can-can enfiada na perna esquerda, e a anca nova já a cantar na direita, dilacerada, como a portuguesa.
A operação correu muito bem, graças ao cuidado de uma equipa superluxo: dois cirurgiões, o dr. Ribeiro da Cunha e a dra. Hermengarda Azevedo, dois anestesistas, a dra. Teresa Neta e o dr. António Nunes, e um céu estrelado de enfermeiros. A operação foi canja.
Só o meu ego é que continua muito ferido. É a única coisa que me dói. Entrei armado em estrela de rock, rodeado pela minha entourage de gajas giras (a minha mulher e as minhas filhas) todos com iPods e portáteis a discutir como é que se haveria de quitar a cama, e veio logo uma enfermeira sorridente tirar-me as peneiras.
Primeiro deu-me uma injecção na barriga. Depois levou-me a uma casa de banho gigante, muito gira. Mas, mal eu tinha começado a elogiá-la, interrompeu-me, mandou-me agachar, enfiou-me dois clisteres pelo cu acima e disse-me para aguentar o cocó o máximo de tempo possível. Estava eu a controlar o esfíncter quando ela ligou uma máquina máquina temível para me rapar a pintelheira e os tomates. Isto para uma operação à anca. Depois admiram-se que Portugal esteja no estado em que está. Ainda me ofereci para segurá-los durante a depilação, mas já estavam limpos de qualquer penugem. E pronto. Já não quero dizer mais nada. Ai. Ai.

bold meu.

Franceses com cio na bacia mediterrânica
























Mais ainda por se tratar de uma actriz que já fez tudo e foi alvo de todas as consagrações, é surpreendente encontrar Isabelle Huppert neste filme (o segundo) de Christophe Honoré, Minha Mãe. Mãe que é uma puta. Que se autoproclama ser a maior puta das Canárias. O filme mergulha sem freio no universo de Bataille, arriscando até onde a literatura não pode chegar. Literatura igual a imaginação; cinema igual a real: no modo como com eles lidamos. Daí ser forçosamente necessário dar o "salto poético" para atravessar os cenários de decadência moral e de transe místico que o filme apresenta, não cedendo à tentação de lhes opôr preconceitos (nossos) que colidem com uma liberdade (sua). É olharmos para as imagens de Honoré, para a intensidade com que ele filma os corpos, a noite, a praia deserta e procurar ver na materialidade intrínseca a essas imagens, signos de uma linguagem (de uma libertinagem) que deseja essencialmente ser livre. É para filmes como este Minha Mãe que faz sentido o uso da abusada expressão "ame-se ou odeie-se". Da primeira vez que o vi, de facto, odiei-o. Mas desejei vê-lo de novo. E como se fosse mesmo novo.

Urgências (sala 10)

















O The Lovebirds estreou ontem [5ª feira, 13] nos cinemas El Corte Inglês e no Alvaláxia. (...) as más noticias são que se até domingo à noite eu não tiver 1500 espectadores tiram o filme de cartaz... sim, é assim tão frio....são os tempo em que vivemos - as leis do mercado. Por isso preciso de vocês: pfv vão ver o filme este fim de semana - para a semana pode já não lá estar! (...) Espalhem a notícia, digam aos amigos, levem a família. Conto convosco! Aqui vão os horários das salas:
UCI Cinemas - El Corte Inglés Sala 10 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h
Cinema Alvaláxia Sala 10 14h, 17h, 19h, 22h10, 00h10
obrigado e abraços, Bruno

Penélopes














Nadine Labaki (em Caramel) e Penélope Cruz (em Volver). Mitoligia que se renova. Que homem (ou até mulher) não gostaria de ter para si o papel de Ulisses?

3.14.2008

Ícone
























À medida que escuto Born to Run, o álbum, sou assaltado pela ideia de que João Pedro Pais é um "Bruce Springsteen" que não deu certo.

3.13.2008

Mantenha-se atinto a Iosseliani

















Recordo o primeiro encontro com o cinema do georgiano Otar Iosseliani (n. 1934). Terá sido na primeira metade dos anos 90, era eu aluno da Escola de Cinema e seguia as sugestões dos professores com absoluta seriedade. Iosseliani, percebi anos depois, não era para levar a sério, tendo A Caça às Borboletas deixado uma marca de aborrecimento de que levei tempo a libertar-me. Entretanto, corajoso e curioso que sou, vi Brigands (salvo erro, na Cinemateca) e mais tarde Adeus, Terra Firme e Segunda de Manhã. Com a idade (e o vício) fui percebendo aquilo que constituía o gozo proporcionado pelos filmes de Iosseliani. Algo que tem a ver com o seu sentido de deriva idiossincrática, com o abraçar de um hedonismo que frustrará todo aquele, e apenas aquele, que pede aos filmes a gratificação imediata: algo a que todos temos direito mas que emprobecerá a nossa experiência de espectador. Devo confessar, a bem da honestidade desta sopa de letras, que Iosseliani, tomado pelo todo, ainda me impõe alguma resistência. Se a vontade de persistir for ainda maior, acredito que me estarão reservados vários motivos de prazer. De pura, extravagante e aristocrática rebeldia. Se há coisa além da história de que o cinema de Otar Iosseliani esteja tão ou mais cheio, é de vinho. As figuras dos seus filmes - tipos físicos muito particulares - bebem que se fartam. Bebem e despertam em lugares surpreendentes. No cinema de Iosseliani impera a geografia do sonho e do sono. Estamos no domínio do burlesco sonolento ébrio que substitui qualquer determinismo pela farsa. Por favor não tentem levá-lo a sério. Não se macem. Não se aborreçam. E bebam sempre outro copo: a Atalanta serve colheitas de 1999 e 2002, em DVD. Quem sabe a casa de cada um não seja o local perfeito para a partilha deste universo. Depende da garrafeira: a própria e a alheia.

Na imagem um instante do último filme de Otar Iosseliani, Jardins no Outono (2006). O realizador encontra-se no enfiamento do gargalo.

Mística

A mística começa em nós e está acima das circunstâncias. Logo e sempre, TODOS A ALVALADE.

3.12.2008

Music (video) and...

Liga com o post "Lyrics", abaixo.

Roedelius



















The quiet man of krautrock...

Gosto da definição. É a perfeita síntese: aquilo que pode sugerir a fusão dos universos do Sakamoto instrumental com a pastoral Virginia Astley (a espaços os duetos de Ketil Bjørnstad e David Darling, na ECM). E bastante Cluster, sobretudo nas colaborações com Brian Eno da década de 70. Refiro-me ao disco que está para além do link, naturalmente.

3.11.2008

Amour fou





















O disco dura 34 minutos. Estou a ouvi-lo praticamente sem interrupção desde as nove e vinte da manhã, com cerca de hora em meia de intervalo para almoço. Basta fazer as contas.

Lyrics

When boys are just eleven
They begin to grow in height at a fast rate than they have done before
They develop curiosity and start to fantasize
About the things they have never thought of doing before
These dreams are no more harmful than
The usual thoughts that boys have of becoming football stars or millionaires
As long as the distinction between fantasy and fiction remains
It's just a nature walk

It's just the facts of life
There's no master plan
Walk me home from school
I'll let you hold my hand
You're getting ideas
And when you sleep at night
They develop into sweet dreams
It's just the facts of life

A boy sits by the telephone, wanting to call a girl
But not daring to because she might say no
At last he summons up the courage phones
And discovers someone else has asked her first and she's said yes
Now's time to deal with the fear of being rejected
No-one gets through life without being hurt
At this point the boy who's listening to this song
Is probably saying it's easier said than done and it's true

It's just the facts of life
There's no master plan
Walk me home from school
I'll let you hold my hand
You're getting ideas
And when you sleep at night
They develop into sweet dreams
It's just the facts of life

Small-town dating differs from more urban situations
In particular if there's few places to go
Adolescents normally gather in a cafe or an arcade
If they have to almost anywhere will do
A family car, a disused coalmine
A rowing boat or a shed
Experimentation, familiarization
It's all a nature walk

It's just the facts of life
There's no master plan
Walk me home from school
I'll let you hold my hand
You're getting ideas
And when you sleep at night
They develop into sweet dreams
It's just the facts of life

It's just the facts of life (Sweet dreams develop into ideas)
There's no master plan (Ideas develop into sweet dreams)
Walk me home from school (Sweet dreams develop into ideas)
I'll let you hold my hand (Let you hold my hand)
You're getting ideas (Sweet dreams develop into ideas)
And when you sleep at night (Ideas develop into sweet dreams)
They develop into sweet dreams (Sweet dreams develop into ideas)
It's just the facts of life

It's just the facts of life (Sweet dreams develop into ideas)
There's no master plan (Ideas develop into sweet dreams)
Walk me home from school (Sweet dreams develop into ideas)
I'll let you hold my hand (Let you hold my hand)


Black Box Recorder, The Facts of Life (Haines and Moore)

Wishful thoughts



Estas mulheres não são Ursula Rucker e Chan Marshall.

England made her



A senhora chama-se Sarah Nixey. Tem voz de mel - que aliás vertia já na excelente discografia dos Black Box Recorder - mas as letras que canta estão impregnadas de cicuta. Uma grande senhora. Improvável musa de Tourneur, como já não aparecem mais.

3.10.2008

Cava a tua cova!!!

















Dig, Lazarus, Dig!!!, disco que dá bigode e um par de farfalhudas barbas à concorrência. E depois há aquela radical imprecação divina que termina (ou começa, tudo aqui anuncia o fim e a ordem por onde se entra ou sai é aleatória) mandando Lázaro cavar deste buraco para outra melhor cova. Poderoso: os bordões de Warren Ellis - a partir da faixa #4 - merecem o júbilo de todos. Resultará sem dúvida num excelente concerto. Este é o melhor Cave dos últimos dez anos. Meninos e meninas, a vossa pá não é para aqui chamada.

M/30

Alto rendimento

Ontem à noite fugi deliberadamente de Rui Santos (Tempo Extra, SIC-N, dom. 23h00), mas deu-se o caso de terminar de ver um DVD no preciso momento em que ele se referia ao momento do Sporting e não consegui mudar de canal. Rui Santos tem várias coisas a apontar ao meu clube, aos seus jogadores, treinador e dirigentes, e vou centrar-me apenas naquilo que considero fundamental para justificar a irregularidade de exibições e resultados, ainda assim dura de aceitar. A questão tem a ver com o número do jogadores do plantel do Sporting que podemos considerar de alto rendimento. Entendo por jogador de alto rendimento aquele que mantém qualidade exibicional e regularidade nos índices de entrega ao jogo e de cultura táctica. É forçoso reconhecer que apenas Abel, Polga, Moutinho e Liedson encaixam neste perfil de alto rendimento. Vukcevic poderá vir a juntar-se ao pequeno grupo mas é coisa para aferir mais tarde. Assim, envolvida que está em várias competições, a equipa do Sporting sofre sempre que o onze "ideal" não está em campo; sempre que Paulo Bento tem de gerir o esforço dos seus jogadores. Todos os substitutos apresentam menor rendimento quando são chamados, e o rendimento de várias das principais figuras deixa frequentemente a desejar. Como é que isto se resolve? De duas formas apenas: comprando melhor (isto é, com provas dadas de elevado rendimento) ou baixando as expectativas de êxito desportivo. Claro que se os futebolistas do Sporting (de qualquer equipa) passassem a receber a parte mais substantiva dos seus vencimentos em prémios por objectivos, o rendimento seria logo outro. No futebol, como na vida, é preciso fazer articular um coração apaixonado com uma mente cínica.

3.07.2008

Oscar Wilde encontra Sid Vicious*




















Há muito que não experimentava o arranque de um livro de modo tão fulgurante. Dandy In the Underworld, autobiografia "não-autorizada" (sic) que dispara aforismos, do próprio e de outros, com a intensidade da metralhadora da derradeira chacina de Wild Bunch. Um exemplo, das primeiras páginas: "The difference between rape and seduction is salesmanship". Para nossa cruz, demasiadas mulheres tenderão a subscrever bojardas desta natureza. Obrigado, João**. O problema vai ser agora participar das histórias de Sebastian Horsley e de Rupert Everett, em paralelo, e saber o que é pertença de um e de outro nesta serapilheira onde esperneia a boémia londrina.

* embora Mr. Horsley talvez preferisse Marc Bolan.

** tivessem lido a entrevista com Nick Cave no Expresso, e textos conexos, e percebiam do que estou a falar.

A explicação dos pássaros
























Finalmente a razão da última sequência de posts. Cinco anos depois da data da sua edição, um disco (duplo) que julgava esgotado atravessa-se no meu caminho. Ainda hesitei (shame on me). O corvo permaneceu lá, paciente, disfarçado no meio do resto da passarada até que eu o fosse buscar. Tem merecido estes dias a atenção principal dos meus ouvidos: oh Edgar, my dear friend Edgar... (...) sound and music take us to the twin curves of experience...

Corvo excelentíssimo

























Willem Dafoe. Os corvos têm muitas faces e sobretudo várias vozes.

3.06.2008

Corvos apaixonados














It must be nice to disappear
to have a vanishing act
to always be looking forward
and never looking back

How nice it is to disappear
float into a mist
with a young lady on your arm
looking for a kiss

Gostar de corvos


Ego (s)trip

Nunca ninguém foi mandado do gabinete de massagens para as páginas do Dorian Gray. Quem disse.

3.05.2008

Abel Ferrara circa 1984



















Os Glass Candy têm a mesma origem italo-americana dos Chromatics. O vício de uns é o vício dos outros. O vício é nosso.

3.04.2008

Paolo Conte - Diavolo Rosso

Dez minutos e quarenta segundos à... Benfica.

Conte



















Voltei a falar muito de Paolo Conte nestes últimos dias. Essemésses a altas horas da noite, quando não existe ninguém por perto para partilhar um entusiasmo; conversas - melhor seria dizer, devaneios - com o responsável da Libritalia que me vendeu o precioso Wonderful - caixa de 3 CD's que registam todo o Conte da fase inicial: 1974/1983 - e a quem confessei que não gostaria de morrer sem ter assistido, ao vivo, a um concerto do poeta-músico-pintor de Asti e, mais confessei ainda, que gostava de vir um dia a escrever a biografia de Conte mas que até preferia que alguém já o tivesse feito por mim (parece que não...): até porque o desejado curso de italiano terá de ficar adiado, por razões agora materiais, talvez para o Outono. Perguntar-me-iam vocês: mas gostas mesmo tanto assim do Paolo Conte? Respondo: o suficiente para trocar qualquer concerto deste ano (The National, Magnetic Fields, Tom Waits se tal hipótese se colocasse) por uma noite, aqui ou em qualquer parte, com as milongas tristes e todas as variações em jazz deste homem gentil.

Paolo Conte é, um exemplo, isto:

Perché la vita è tenerezza (ternura)
Perché si muore di tristezza (tristeza)
Perché la vita è tenerezza
Le mogli degli altri non amano me

Lo scapolo (O celibatário*)


* Mas o celibatário pode ser apenas um homem cheio de si próprio.

3.03.2008

One plus none

"Sleeping Beauty", canção que integra o alinhamento em "The Golden Age", dos American Music Club. O essencial está aqui: a voz de Eitzel e o trajecto harmónico feito daquela beleza que Paddy Mcaloon poderia assinar. Já no disco o revestimento sonoro encarrega-se de não esconder o que havia antes.

À reeducação musical de todos











Pop de cabelos brancos e em ecrã largo. Ou então, e de acordo com o desejo de Mark Eitzel, “... the best f*cked up pop songs out there.” E pensar que os American Music Club têm estado estas semanas pela Europa sem que qualquer produtor nacional de concertos deles se ter lembrado. Descubra-se então o primeiro disco extraordinário de 2008. Na minha opinião.

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