3.27.2008
Burras e burros é comigo
Uma burra vos guarde a todos
por Pedro Lomba
DN, 27.03.08
Há pouco tempo acabei um livro académico. A primeira e última coisa em que pensei foi na dedicatória. Sou apreciador de dedicatórias. E sempre achei que a dedicatória não pode ser tratada com displicência. As dedicatórias são paragem obrigatória em qualquer livro. Dizem quase tudo sobre o autor, se ele se leva a sério, se tem sentido de humor ou sentido do ridículo. Parece-me mais do que justo que haja estudos universitários só sobre dedicatórias. Se pensarmos um bocado, veremos que é um tema bicudo: não é fácil escolher uma boa dedicatória.
Os problemas começam na questão afectiva. Para dedicarmos um livro, é preciso que ele seja dedicável. Mais do que um juízo de mérito, é um juízo temático. Existem livros estranhos. Todos os anos a revista inglesa The Bookseller organiza um prémio para os livros com os títulos mais bizarros do mundo. Em 2007, alguns finalistas eram Os Carrinhos de Supermercado Perdidos a Leste dos Estados Unidos da América e Quão verdes eram os nazis? Este ano a votação pode escolher entre Serão as mulheres humanas e outros Diálogos Internacionais? ou Como Escrever um Como Escrever um Livro? Quem é que vai dedicar estas coisas? Metam-se na pele dos dedicados. Podemos sempre, em alternativa, dirigir a dedicatória aos inimigos. Ou fazer como o Brás Cubas de Machado de Assis: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver".
Se não for o caso, é preciso escolher. Pai e mãe são uma possibilidade óbvia (se não estiverem divorciados). Mas hoje em dia, ou estão divorciados ou acumulam com segundos pais e segundas mães. Meter toda a gente no mesmo saco dá complicação certa. Escolher um ou outro é também arriscado. Existem sempre as mulheres e namoradas. Mas reparem que as relações amorosas estão cada vez mais precárias. Conheço casos de autores que dedicaram as obras-primas às esposas e acabou tudo no preciso momento em que as tipografias começavam a trabalhar. É trágico. E é cómico.
Há tipos de dedicatória que me parecem mal conseguidas. É o caso das dedicatórias a lugares (Ao Sabugal, minha terra), de professores a alunos (às vezes violentos), a animais de estimação (grotesco), à memória de alguém (é preciso idade para isso), a engates de ocasião ("Para ti, por aquele dia"). Camões, noutro registo, dedicou Os Lusíadas a D. Sebastião. Já os dramaturgos franceses da mesma altura dedicavam livros em troca de favores. Mais avisado era o nosso António José da Silva que dedicou uma das peças "à muito nobre senhora Pecunia Argentina: Uma Burra guarde a ilustre pessoa de Vossa Senhoria". Grande dedicatória só mesmo a de García Márquez em O Amor em Tempos de Coléra. "Para Mercedes, por supuesto". E chega.
A boa crónica vai também da improbabilidade do tema. Esta é das melhores que o Pedro escreveu. Daqui, à distância, mando-lhe um abraço e os meus parabéns.
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