3.19.2008
Lembrar Minghella, o melómano
Há filmes de que gostamos apenas porque gostamos muito de partes desses filmes. E regressamos a eles na expectativa de reencontrar esses momentos, de recuperar as mesmas emoções. A filmografia de Anthony Minghella (1954-2008) tem pelo menos dois títulos com esse significado para mim. São eles O Paciente Inglês e Assalto e Intromissão. Do Paciente... recordo a paixão adulta por Kristin Scott Thomas, se é que é possível ter uma paixão adulta por uma figura de cinema. Relembro a plasticidade das dunas, e a impotência do conde interpretado por Ralph Fiennes, para salvar a mulher que conhecera numa altura da vida em que o amor era assunto mais remoto do que água na areia do deserto. A música era então já responsabilidade de Gabriel Yared, que acompanharia Minghella até ao seu derradeiro filme (produzido, filmado e exibido em vida), precisamente Assalto e Intromissão. O realizador inglês adquirira entretanto notoriedade no género épico, na grande produção, e Assalto... fazia-o concentrar-se sobre a Londres contemporânea, multi-étnica, high-tech, e nos dramas dos seus personagens, na verdade mais comuns do que o comum espectador estaria na disposição de admitir que o fossem. Mudam-se os tempos, a opulência material varia mas as questões que nos aproximam ou afastam tendem a manter-se tão iguais como sempre foram. Minghella era um indivíduo sensível à natureza profunda dos da sua espécie, e era talentoso argumentista também. Tinha para mais uma curiosidade enorme pelas músicas do mundo: rústicas ou sofisticadas. Uma coisa que notei em Assalto e Intromissão foi a banda-sonora que juntava motivos orquestrais de Yared à electrónica dos Underworld. Lembro-me de receber o disco, via importação, e de ler no interior um texto de Minghella que dava conta do processo de criação daquelas composições, das conversas tidas com os intervenientes (das várias referências trocadas entre eles), até se chegar àquela maravilha de trilha. Hoje que todos recordam o Minghella realizador, apeteceu-me expressar admiração pelo melómano também. A música dos seus filmes é parte da razão porque partes deles me dizem muito. E ainda para mais ele sempre me pareceu ser um tipo normal.
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