4.29.2011

A morte cansada

Pickpocket




















Atribuída a Pierre Wayser mas cuja autoria não consegui confirmar.

4.28.2011

O fio de Arianna

De quando vi O Quarto do Filho da primeira vez, aí por 2001 ou 2002, recordo a observação de alguém que estimo dizendo que o cinema de Nanni Moretti parecia ter-se aburguesado. Gostei do filme nessa altura, embora sem entusiasmos de maior. Reencontro-o uma década depois e acho-o maravilhoso. Hoje tenho outra capacidade liberta de condicionalismos de vária ordem e percebo o quanto Moretti focou aqui as questões essenciais do que é viver. Viver é seguir em frente e aceitar o que nos acontece. Nada por acaso a personagem interpretada pelo realizador é a de um psicanalista que diariamente se confronta com a resistência dos pacientes em se libertar do que os prende ao passado fazendo-os infelizes. Pessoas que revivem certos aspectos das suas vidas até à exaustão; que se questionam e esperam demasiado delas próprias.















Também Govanni (o mesmo primeiro nome que Moretti que o usa abreviado para Nanni), após a morte acidental do filho, procurará reconstituir o dia fatídico com o propósito de o corrigir (em vão). Cada elemento da família cumprirá o luto à sua maneira, até à entrada em cena de Arianna, uma rapariga com quem Andrea, o filho morto, tivera uma paixoneta de Verão. E se a princípio Arianna parece representar a possibilidade dos pais recuperarem memórias de Andrea por intermédio da rapariga, logo nos apercebemos que a vontade de Moretti foi dar-lhe uma existência própria que resulta no trajecto que a família fará até à fronteira com a França, onde deixam Arianna e um amigo que com ela se propunha viajar à boleia, no que constitui a indicação subtil do movimento de Giovanni, da sua mulher e da filha de regresso à vida.

















Perante uma tragédia, seja particular ou geral, a receita é comum: enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Cuidar de nós e do outros é dos nobres desígnios da vida. Tarefa aparentemente simples, como o curso do rio da canção de Brian Eno que se escuta por duas vezes quando nos encaminhamos para o final de O Quarto do Filho. O seu título, By this River; as suas palavras remetendo para o sentido da vida: porque aqui estamos, como viemos para aqui, com que intenção? A resposta do filme é dada com os pequenos gestos que sugerem aceitação. A chegada de alguma paz e a possibilidade da alegria. Quantos finais felizes vale isto?

4.27.2011

Importa-se de me emprestar o punk metal?


























Escrevi há dias que o hardcore punk eu nunca iria perceber, não prevendo que o esbatimento de fronteiras tão frequente entre géneros musicais me obrigasse a entrar em contradição: se usassemos apenas a classificação rock'n'roll resolvia-se parte das angústias da melomania. Contra mim digo tudo o que disse, revelando alguma frustração por não ter conseguido ouvir além da musicalidade hostil dos Dillinger Escape Plan e dos Converge, agora que me aparece um disco como esta estreia dos noruegueses Kvelertak, produzida justamente por um elemento dos Converge (Kurt Ballou), e que é uma bomba de disco no melhor dos sentidos. Cantam em norueguês em cima de um universo de mitologia nórdica (afirma quem fala a mesma língua) próprio do black metal. As vocalizações extremas também são comuns a este género. Mas depois há ali um substrato roqueiro que desvia o curso dos temas do black metal para o punk, ou o que eu entendo por melhor classificação o sludge metal: questão de robustez sonora e embalo(balanço). Os Kvelertak penso que se identificam mais com o som de uns Black Tusk, Baroness (John Baizley desenhou-lhes a capa magnífica) ou Kylesa nos seus episódios de maior explosão. Têm uma energia de contágio imediato. Um disco já não me batia assim desde o último High on Fire, com os quais se justifica compará-los também. Tinham-me dito que se tratava de um dos melhores álbuns do ano passado, no que não posso estar mais de acordo. Kvelertak: fixem o nome.

Tudo o que um gajo tem na cabeça




















Cum catano.

4.26.2011

Nirvana


























Ira Chernova por Nicole Demeshik.

Callahan

























A um compasso de se fundir com a natureza.

Admirável mundo sonoro


























Sentimos o Brasil presente na totalidade dos dez temas do disco, todos cantados (menos um) num português irrepreensível sem sugestão de sotaque. Todos (menos um) musicados por Afonso Pais, guitarrista de jazz que desde o primeiro registo, Terranova (2004), assumiu por principais influências na sua música Tom Jobim e Edu Lobo (que dois!). Onde Mora o Mundo (2011) é um álbum para o qual concorrem alguma bossa e muito jazz, e onde a voz é entendida como mais um instrumento, com o seu timbre específico – refastelado e grave – e o carácter particular das palavras também. Os músicos convidados fazem parte do núcleo de jazzmen mais atarefados do país: Alex Frazão, Carlos Barreto, Tomás Pimentel, entre outros, asseguram, com a guitarra de Afonso Pais, a elevada qualidade instrumental do disco. Desafiam-nos com harmonias que o ouvido preguiçoso tende a ignorar; com sentidos de uma lírica mais poética que narrativa. Os temas são longos e não se colam ao ouvido. Para aceder a Onde Mora o Mundo primeiro é preciso escutá-lo com os neurónios, em sucessivas audições, sem impaciências fúteis. Depois é "ouver" o que acontece.

Aprender a ser homem



























AL - You ever been beaten, Merrick?

MERRICK - Once, when I thought I had the smallpox Doc Cochran slapped me in the face.

Al Swearengen esbofeteia Merrick.

Merrick - Stop it, Al.

Al - Are you dead?

Merrick - Well, I'm in pain, but no, I'm obviously not dead.

Al - And obviously you didn't fucking die when the doc slapped you.

Merrick - No.

Al - So including last night that's three fucking damage incidents that didn't kill you. Pain or damage don't end the world, or despair or fucking beatings. The world ends when you're dead. Until then, you got more punishment in store. Stand it like a man, and give some back.


Deadwood, 2ª época, episódio #7.

Bed scene



















ALMA - After we've made love, are you sometimes happy?

BULLOCK - Because I get up from the bed, is that why you wonder? I'll intend something... come to myself realising I've only stood or sat thinking about you. Just now, that you toes are beautiful when I'de intended to replenish the kindling.

Alma- I was raised believing dereliction of duty is the one sure way to happiness.

Bullock - So often with you I've been perfectly happy.


Deadwood, 2ª época, episódio #1.

Dica da semana


























Eu e a Rainha Margot já trocamos fluidos.

Voz de cetim


























E não apenas a voz. O disco por inteiro.


4.21.2011

Dupla cidadania



Pode-se retirar os Arctic Monkeys da Califórnia (onde produziram parte do álbum anterior, Humbug, sob a orientação de Josh "QOTSA" Homme), mas pelos vistos tão cedo a Califórnia não se ausentará do som dos ingleses: o disco a sair em Junho, Suck It and See, voltou a ser lá gravado; e as guitarras que de novo se ouvem são de origem denominada.

Uma lição (ou duas) de humanidade
















Passa-se no começo do 11º episódio da primeira série de Deadwood. A empregada do bar Gem desloca-se ao médico para mostrar um livro de ortopedia que pensa poder contribuir para atenuar o problema de arrastar uma das pernas. Essa enfermidade está entre as suas várias limitações e durante o trajecto de Jewel (Geri Jewell) algumas pessoas olham com desdém os seus trejeitos, até que esta tropeça numa poça de lama e cai perante o olhar de uma mulher chinesa que não mostra intenção de a ajudar. Conhecendo-se que os chineses eram habitantes que gozavam de baixa consideração por parte dos brancos (que os apelidam em Deadwood de "chinks" ou "celestials"), ficamos a saber que também eles podem considerar-se acima de outras pessoas. Isto é uma grande lição sobre a humanidade. Há sempre gente que consideramos inferior a nós e enquanto assim for é sobre nós que impomos um real motivo de desconsideração.
















P.S. O exemplo do reverendo Smith (Ray McKinnon). A evolução da demência causada por um tumor dá-nos a ver o modo como o discurso da fé pode ser confundido com delírios de louco se personificado por um ser de grande fragilidade. A imagem do reverendo Smith enche-me de uma comoção que remete para a personagem de Johannes Borgen no filme Ordet/ A Palavra (1955) de Carl T. Dreyer. Sou dos que respeitam a hipótese da graça divina se manifestar nos espíritos fracos (e nos animais).

Moutinho




















Não restam dúvidas de que Moutinho é um jogador à imagem do futebol do Porto. É por isso que devemos exigir para o ano um Sporting Clube de Portugal "à imagem" de João Moutinho.

4.20.2011

Futuro radioso


























© Alberto García-Alix

Sons da Primavera




























Quente e crua


























Aldina Duarte revelada por Isabel Pinto.

Nosferatu Callahan



Da surpreendente arte do videoclip não-oficial.

4.19.2011

Violência em Série


























A pouco e pouco e bastando ter passado para lá de metade da primeira temporada, torna-se cada vez mais seguro dizer que o tema central de Deadwood é a violência. O contexto da série é hostil, a linguagem usada é rude, a ausência de lei reconhecida por todos conduz a que os homens resolvam os assuntos pelos meios próprios. O instinto da violência foi sendo reprimido dentro de nós pelo processo civilizacional que impôs valores de ordem religiosa e moral. A civilização trouxe outros métodos dos homens se imporem uns aos outros. A violência tornou-se marginal; virou tabu. Não fica bem dizer que nos seduz. Mas o impulso resiste, ou melhor persiste numa zona escondida, e uma série como Deadwood permite alguma catarse. A violência, até pela sua representação, potencia a sensação de estarmos vivos. O que não é a mesma coisa que correr riscos de facto. Actualmente vive-se mais, poupam-nos à dor, educam-nos para uma intensidade de vida controlada. O homem passou a demarcar-se quase por completo de um historial de violência. Do contacto directo com os efeitos da violência. O fascínio que Deadwood poderá exercer resulta também do apelo à nossa natureza primitiva, à memória longínqua do tempo em que se tomava o destino nas próprias mãos. Do que isso implicaria para que nos sentíssemos completos. Agentes da nossa vida. Heróis da nossa história. Como num processo de aceitação da nossa mortalidade.

4.18.2011

The thing that should not be


























Vira o disco.

A viúva de branco
















Um dos valores que registo dos primeiros episódios de Deadwood é a recuperação para a nossa memória sentimental dessa peça de roupa hoje de muito menor uso que é a camisa de dormir. Note-se a imagem de Alma Garret (Molly Parker) junto do cadáver do marido; como a exposição da feminilidade contrasta com os aspectos sórdidos daquele lugar. Uma senhora entre bárbaros. A hipótese perversa.

4.15.2011

Bom fim-de-semana

Amanhã às 18h30 no café do Maria Matos, Rodrigo Amado conversa com Rui Miguel Abreu sobre este SUPER DISCO


























«(...) As had previously been the case whenever creative qualms begun to overwhelm him, Eno's health had begun to suffer during the latter half of 1977, although this time there would, thankfully, be no defining corporeal misfortune to bring things to a head. He was, however, experiencing a good deal of stress and continued to be riven by insomnia. At one point he even expressed the fear that he might be edging towards some kind of breakdown. In Berlin he'd unburdened himself to David Bowie and Robert Fripp and had latterly sought the counsel of Robert Wyatt. Each advised a lancing of the boil: Eno should cut his losses, all agreed, and commit to a version of the album, however flawed, and move on ('You commit yourself to what you're left with,' was one of Wyatt's maxims Eno particularly remembers). Eventually Eno would do just that, reluctantly assembling a record from the most successfully realized, if often wildly heterogenous, pieces at his disposal. Eno would later dub his new opus Before and After Science, partly in honour of its making – part rigorous system, part cobbled-together pot pourri.» [p.264]

On Some Faraway Beach - The Life and Times of Brian Eno, de David Sheppard. A bíblia.

Blame it on Rio
















O maior crime em Before the Devil Knows You're Dead (2007) não é o assalto à joalharia dos Hanson do qual resultam duas mortes, mas uma família inteira como oportunidade desgraçadamente perdida. O ressentimento que se alastra a todos os elementos. Os que lamentam não ter conseguido ser os pais que queriam. Filhos que sentem mágoa de não haver correspondido às expectativas dos pais. Casais separados. Casais adúlteros. Gente fraca, cobarde, viciosa. Tudo potenciado à escala do melodrama. "The world is an evil place, Charlie. Some of us make money off of it, and others get destroyed." Este filme de Sidney Lumet tem uma construção não-linear para nos permitir ver melhor que perto da maquinação dos homens o diabo é coisa de crianças.

4.14.2011

Coração de leão


























Don't let these fuckers grind you down
Don't let these leeches suck you dry

You've got the heart of a lion


[Lions, faixa #8 do CD Darkness Come Alive]

O hardcore punk e eu temos uma narrativa quebrada à nascença. Tentei Converge (por influência da Decibel); tentei Dillinger Escape Plan (para insistir na conversa com Ira Chernova). Não consigo suportar berraria em muito acelerado. Mas basta que metam uma mudança abaixo ou que afinem os instrumentos para um som mais grave, para a resposta ser outra. Não chego aos Converge e dos Doomriders gosto bastante. Têm um músico em comum: Nate Newton. Baixista nos primeiros; guitarra e voz dos Doomriders. Participa ainda de outro projecto, Old Man Gloom (sludge/doom metal), que deixei para depois. O leão não dorme.

Before and after science



Não me ocorre outra forma tão económica e inteligente de celebrar o Record Store Day (onde se lê My Life in the Bush of Ghosts deve ler-se Before and After Science).

Mais um texto para o divã


























(...) Isso dá-me a capacidade de especular sobre um filme como Road to Nowhere/Sem Destino, actualmente nas salas, não o tendo visto ainda. Basta conhecer a sinopse e algumas imagens. A situação obsessiva de alguém, um homem, que encontra numa mulher a possibilidade de substituir outra. Todos os sinais aparentes apelam à matéria invisível da memória e do sentimento. Mas temo, não, estou perfeitamente seguro, que seja demanda infrutífera, como aliás o próprio título deste filme de Monte Hellman sugere. Uma estrada sem fim (Road to Nowhere) que não leva a parte alguma. O trabalho artístico como criação de simulacros – as tais duas ou três imagens de que falava Camus –, pois o coração não voltará a sentir como da primeira vez em que de facto se abriu.

O resto do texto no Delito de Opinião. Escrito sábado passado e hoje publicado. Entretanto já vi o filme, como se pode ler abaixo.

Existencialismo


























Vem daqui a minha vontade de existir e não desistir.

O evangelho segundo são Luke


























A primeira vez que vi referido Cool Hand Luke (1967) de Stuart Rosenberg, foi em 25th Hour (2002) de Spike Lee, pois a personagem central do extraordinário filme de Lee, a gozar as suas derradeiras 24 horas de liberdade, tinha em casa um cartaz de onde sobressaía a figura de Paul Newman, "the man that simply do not conform". Cool Hand Luke é um filme de prisão que tem inicio na noite em que Luke Jackson decide dar cabo de uns parquímetros da terra enquanto se embriaga para matar o tempo. Acaba condenado a dois anos de detenção e já na cadeia o filme de Rosenberg prossegue no registo de um cinema popular no masculino, com os ímpetos próprios à convivência entre machos tratados a traço grosso: veja-se a sequência da jovem que lava o carro numa coreografia de excitação dos presidiários que aparam o silvado ao longo da estrada. Até ao momento em que Luke recebe a visita da mãe, e aí o patamar vai escalando ao firmamento Tennessee Williams há medida que é aflorada a história familiar do protagonista.
Cool Hand Luke é, sob a capa meritória de fita de segunda linha, um "character study" dos mais brilhantes que me foi dado a ver pelo cinema americano. Engenho do actor principal, do guião de Donn Pearce e Frank Pierson, e de Stuart Rosenberg, o espectador deixa-se seduzir pela resilência e o não-conformismo de Luke Jackson, à semelhança da reacção suscitada nos outros condenados, para depois assistir às tentativas de o vergarem sob todas as formas até que se chegue ao seu âmago de homem sem crenças (tudo é possível para o homem que em nada acredita, porque aquilo que nos equilibra é também aquilo que nos limita). O que pode tentar explicar o comportamento de Luke, do permanente desafio dos outros e de si mesmo, é a sua condição de desapego à vida (que se acentua quando lhe comunicam o falecimento da mãe) e de confronto jocozo com as figuras de autoridade. Luke é um homem sem valores, sem laços, sem nada. Um anti-herói (apesar das condecorações de guerra que lhe apontam) cujo sorriso que lhe serve de imagem esconde apenas o vazio. É alguém que joga com a vida num bluff contínuo, aguentando o embuste até às últimas consequências. "Cool Hand" Luke é a personificação do existencialismo no cenário inesperado de uma prisão da Florida.
O filme de Rosenberg tem outros méritos, embora numa primeira análise a sua figura principal consuma o pano de todas as mangas. O destino de Luke larga-nos em queda livre: podemos glorificá-lo como mártir ou despertar em nós um sentido crítico mais agudo para com o seu individualismo sem causa. Cool Hand Luke sinaliza um abismo da masculinidade (para que serve um homem vazio?), e sim o cinema americano desta época e da década que se lhe seguiu conseguia fazer percutir as cordas profundas da experiência humana. Considerem isto o meu cartaz para sempre fixado "nesta" parede.

4.13.2011

Another perfect day


























What was that injection, 'cos I think it's goin' wrong
I really like this jacket but the sleeves are much too long


- Back at the Funny Farm -

Turn on

A voz morena da menina da Radar lia um texto sobre o segundo álbum dos Byrds e teve de repetir Turn!, Turn!, Turn! e Turn!, Turn!, Turn! umas dez vezes, por ser esse o nome do disco, no que mais parecia um mantra para o sexo. Turn!, Turn!, Turn! ... Turn!, Turn!, Turn! ...

4.12.2011

RATED Josh, Nick, Troy and Joey

A especiaria sueca


























O mundo da música, como outras realidades, está cheio de contradições. Descobri mais uma na pessoa de Christian "Spice" Sjostränd, baixista e vocalista original dos Spiritual Beggars. "Spice" deixou os Beggars ao fim de quatro álbuns, num conflito de egos com o guitarrista Mike Amott. Juntou-se aos Mushroom River Band que duraram pouco tempo, e hoje lidera uma formação de thrash metal chamada Kayser. Christian Sjostränd nunca se reconheceu na classificação de stoner rock para a música que os Spiritual Beggars faziam e fazem (hoje de forma menos evidente). Disse mesmo que o facto de demasiadas bandas quererem soar como os Kyuss levou a um esgotamento da fórmula que não era mais do que old school heavy metal actualizado. Mas quando escutamos a voz de "Spice" num álbum como Another Way to Shine (1996), editado no ano seguinte ao do último registo dos Kyuss, ... And the Circus Leaves Town, ocorre-nos de imediato a figura de John Garcia no que não pode ser apenas coincidência. E para o roqueiro descomplexado motivo duplicado de celebração.

Pezinho de barro




Muito se tem falado da aparição "ao natural" de Evan Rachel Wood na adaptação de Mildred Pierce da HBO: minissérie de 5 episódios realizada por Todd Haynes. Está aqui a tão desejada peça, no que se nota a falta de à-vontade da deslumbrante Evan, deslocando-se com rigidez da cama para o espelho. O movimento é bonito porque se trata de uma deusa de carne e osso, mas a atitude corporal é denunciada: notem o pezinho em pontas quando ela se senta; o tempo que permanece naquele desplante tão pouco naturalista. O surgimento da figura masculina, em fundo, numa outra divisão da casa, cria um efeito sugestivo sobretudo para quem da série viu apenas este fragmento.

4.11.2011

Beautiful people reclined



























Dois amigos de Ira Chernova, Anna e Sebastião, fotografados por ela. Fica tudo entre a beautiful people.

Getting personal


























Por estes dias revi Ronin, filme de samurais do Ocidente realizado pelo bom John Frankenheimer. Entre os prazeres que proporciona, o reencontro com Natasha McElhone, actriz que resgata da indiferença qualquer instante onde se aviste a sua figura (aqueles olhos e os longos, por vezes muito longos cabelos, não existem). Vai dali, dei um pulo à página Wikipedia dela, começando por onde sempre começo quando se trata de mulheres belas (na vã e adolescente esperança de ler que estão solteiras, como se isso adiantasse alguma coisa). Mas o capítulo Personal Life de Natasha McElhone é algo para o qual ninguém está preparado. Ora leiam: McElhone married plastic surgeon Dr. Martin Hirigoyen Kelly on 19 May 1998. The couple lived in Fulham, West London, with their two sons: Theodore (born 2000) and Otis (born May 2003); their third son, Rex, was born five months after Kelly's death, in October 2008. On 20 May 2008, 43-year-old Kelly was found slumped in the doorway of the family home by a fellow doctor. He was rushed to Chelsea and Westminster Hospital (where he worked) but could not be revived. He died one day after their tenth wedding anniversary. A post-mortem exam revealed the cause of death to have been dilated cardiomyopathy. After the sudden death of her husband, McElhone continued to write letters to him, sometimes documenting the daily trivia of life but also dealing with how she and their young children were coping with the loss. These letters and diary entries formed the basis of her book After You: Letters of Love, and Loss, to a Husband and Father. RESPEITO.

Elas controlam


















© Anton Kusters

Instead of a guest giving dollar bills to a dancer during a show, it works the other way around: the dancer chooses to collect dollar bills from a guest she chooses. (...) As the night progresses, these dancing acts become more explicit, but always the guest is required to lay still. (O Japão é outro nível, obrigado.)

In memoriam Lumet (1924-2011)


















Aos 83 anos Sidney Lumet realizou o seu último filme, Before the Devil Knows You're Dead.
Repito: com 83 anos Lumet ainda fez Before the Devil Knows You're Dead.

[Oxalá a Cinemateca tenha condições para nos despedirmos dele com a retrospectiva que merece.]

Melancolia



Metacinema (texto bicudo)
















Road to Nowhere/Sem Destino é um filme (o de Monte Hellman) sobre outro filme (o de Mitchell Haven) onde se assiste à rodagem de um terceiro filme (sobre duas mortes forjadas). Enquanto o espectador, no fim da sessão, procura ligar as peças soltas dos enigmas no interior de enigmas dentro de enigmas, subsistem as questões eternas: quem morreu, em que circunstâncias, quem ficou com ou sem quem? Road to Nowhere baralha as respostas porque talvez seja o filme que quer colocar questões: como fazer lidar o espectador com a fantasmagoria do cinema, colando o seu olhar à subjectividade do realizador? Entre nós e as imagens existe uma dinâmica interrogativa de duplo sentido e a modernidade do cinema consubstancia-se no desequilibrio desta dinâmica. Um filme como Road to Nowhere, que por várias vezes escapa ao nexo de causalidade com que o procuramos ler, passa a dirigir-nos mais perguntas a nós do que a nossa capacidade de extrair dele respostas. A interacção com o filme sobrepõe-se à capacidade de lhe descortinarmos uma estrutura. Lidamos com referências dispersas que nos prendem na medida em que desejamos interpretar o que nos fascina (o mistério, a beleza) para que o prazer possa ser repetido (quando não existe prazer maior do que aquele que não se anuncia). Assistir a Road to Nowhere acarretará sempre um grau de frustração. É a maneira de o filme de Monte Hellman se manter vivo dentro de nós, desafiando-nos a a ele regressarmos. Sofisticado exercício auto-reflexivo que é um verdadeiro quebra-cabeças. E as perguntas eternas persistem: quem morreu, em que circunstâncias, quem ficou sem ou com quem? Se me perguntarem, respondo: gostei do filme mas o prognóstico é ainda reservado.

4.08.2011

The Beatles


















this is my boyfriends tattoo.

he obviously loves the beatles - and i love him (and his ink)!


[Fuck Yeah, Tattoos!]

Kaputt!
















Entendo as palavras, percebo as referências, reconheço-me no que o Pedro escreve aqui. Revejo alguém que já fui e que guardei algures num lugar longínquo, não propriamente na década de 80: mais perto, talvez na primeira metade de 2006. Se comprar um disco de música pop (d)este ano, será certamente o dos Destroyer.

Alguém há-de fazer um filme assim


























A coisa é tão impecavelmente feita que transcende o domínio da própria música. Os Amon Amarth regressam iguais ao que sempre foram, batalhando no mercado com novas armas de merchandising – uma das edições de Surtur Rising traz a figurinha do herói mitológico embalada com o cd e dvd – que apelam ao adolescente adormecido em nós. Para os que respondem apenas à música e ao carisma da banda, há também motivos de celebração. Melodias que cantam a bravura nos grandes combates servidas uma vez mais pela produção cuidada e grandiosa de Jens Borgen, figura incontornável na projecção do death metal melódico que veio do frio. Os Amon Amarth assumem hoje a capa de muitas revistas do género porque continuam a ser bons e porque a sua popularidade tem crescido. Isto é uma banda que acredita na filosofia do trabalho (basta testemunhar pelas actuações ao vivo); que transpõe para a realidade da vida no estúdio e na estrada o empenho dos guerreiros das epopeias nórdicas. Uma banda com objectivos claros, que os cumpre em toda a linha. Amon Amarth rules.

Meia bala e força


















Quem vier em busca de subtilezas de forma ou verbo em Tropa de Elite 2, dará o seu tempo por maldito. O filme de José Padilha tem a carpintaria de um série B (no caso um série BOPE) que os americanos deixaram de exportar a não ser para alimentar o fluxo ininterrupto dos canais por cabo, embora em relação à parte 1 se note aprimoramento ao nível da pós-produção: do som, sobretudo. Tropa de Elite 2 deixa em fundo os traficantes das favelas, e centra-se desta vez no peixe graúdo: os políticos que manipulam localmente o sistema. Padilha faz um filme que denuncia a corrupção sem ser exaustivo ao ponto de comprometer o ritmo da denúncia. Podemos pensar no Dirty Harry realizado por um aluno aplicado de Michael Mann, menos polido. A fita, no entanto, é boa. Funciona. Galvaniza e gere de modo habilidoso o seu principal trunfo: a convergência moral do ex-coronel do BOPE Roberto Nascimento e do deputado Fraga, que se aliarão para desmascarar os políticos e os polícias corruptos. Dir-se-ia que o objectivo particular de José Padilha neste Tropa de Elite 2 foi traçar a aproximação entre dois homens que partem de campos ideológicos opostos. O justiceiro com currículo de sangue ao serviço do Batalhão de Operações Especiais une-se ao político cujo idealismo não resiste à prova da realidade. Tropa de Elite 2 mostra como a natureza de cada homem se define em função dos seus valores. Muitos cadáveres depois a missão não está cumprida.

4.07.2011

Nunca mais digas nuca


























Origem:
Tush

Gosto de imagens de nus vistos de costas, porque uma mulher sem rosto pode substituir pela idealização todo um género.

Road to vulgaris 2007



Do exacto mesmo ano de Death Proof de Quentin Tarantino.

Dia do Julgamento

























9 de Abril, noite do Julgamento.

Quarto de hotel em Praga


















Ira Chernova, auto-retrato.

4.06.2011

Planeta rock


























O primeiro disco dos Orange Goblin (edição original de 1997; última reedição, do ano passado) informa-nos, entre outras coisas, da existência de amplificadores Marshall numa galáxia distante: é lá que, imagino, se situe o "planet ten". É para lá que nos podemos evadir do globo que habitamos. Como numa versão roqueira do Total Recall.

Ninguém bate a Mongoose






Também não cheguei lá à primeira. Mongoose é marca de bicicletas para manobras radicais, informação que em nada contribui para o impacto deste momento estratosférico na discografia dos Fu Manchu. Uma música que reúne os elementos que caracterizam o stoner rock/metal. A saber: a afinação grave dos instrumentos (todos), uma certa turbulência eléctrica em fundo, a eficácia repetitiva dos riffs. Guitarras que soam como baixos, e baixos que soam a motores quitados. Manobras radicais de dar ao pedal sem sair do sítio. Deixo a versão original e a melhor captação ao vivo alojada no lugar do costume.

Na’im me’od



«Já tenho acordo com o Sporting» - Zahavi

4.05.2011

Orai aos lírios do campo



















Luana Piovani por J.R. Duran.


Embora ela talvez preferisse Alberto Caeiro.

Polémico mas não trôpego
















Se se confirmar que Domingos Paciência será treinador do Sporting na próxima época, quero mais é que o Braga acabe o campeonato à frente da minha equipa. Que se lixem os demagogos que botam opinião politicamente correcta seja onde for. O êxito de Domingos, na condição de nosso futuro treinador, é sinónimo de profissionalismo e competência, de que vamos buscar um técnico que pegando pelo segundo ano consecutivo numa equipa menos onerosa, termina de novo à frente dos molengas leoninos. Tenho bem presente o fiasco Paulo Sérgio, que na época transacta perdeu o quarto lugar na última jornada, e o respectivo acesso à Europa, contra o opositor directo e em casa. Chega de perdedores. Venha gente capaz, ambiciosa e triunfante para que o verde deixe de ser cor da inveja e volte a tingir-nos de esperança.

4.04.2011

Lança-chamas
























Se é revivalismo é preciso soar vivo. É o que sucede neste disco dos suecos Spiritual Beggars, próximo de completar dez anos, uma descoberta que começa por agarrar quem gosta de Uriah Heep e Deep Purple, juntando a que do outro lado da estrada os sons apontam para o deserto californiano de onde os "Kyuss" regressaram à vida. Os que não tiverem uma perna em cada margem só gozam o prazer pela metade. Escusado será dizer que estou a gozar por inteiro.

Tempos diferentes, tempos iguais





















Rosanna Arquette filmou com Scorsese em duas ocasiões nos anos 80: After Hours, de 85, e Life Lessons, de 89, este na minha presumida opinião o melhor Scorsese de sempre. Nos dois filmes, Rosanna representa um óbvio objecto de desejo, no que em After Hours é caricaturado logo em razão do protagonista, o desgraçado Griffin Dunne, se encontrar a ler o Trópico de Câncer instantes antes de a conhecer. A tensão que se cria pelo modo como Scorsese a filmou, apesar do carácter subversivo, seja ele de tom sarcástico ou cínico, leva-me a pensar que o realizador terá manjado a actriz com algo mais que os olhos ou a lente de filmar. Havia uma tensão entesoada assim nos filmes de Hitchcock, embora a voz corrente tivesse garantido que os casos terão ficado pelo platonismo. Mas nos anos 80, com o frenesim e a libertinagem potenciados pela coca, o nosso Marty só não terá ferrado o belo naco se o desejo baixado à esfera da realidade estivesse muito aquém do que ele nos mostrou. Rosanna Arquette era por demais deliciosa. Será que a Paulette e a Marcy personificadas nela – a cuequinha púbere, os dentes marotos, as proporções de odalisca caucasiana – retinham da mesma o abismo dos traços psicológicos? Ainda assim... muitos dariam o passo em frente: é dos filmes.

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