4.04.2011

O meio caminho
















É minha ideia que bastará ter visto qualquer filme de Apichatpong Weerasethakul além de O Tio Boonmee que se Lembra das suas Vidas Anteriores – conheço Tropical Malady do dvd, maravilha absoluta –, para entender que a obra do tailandês serviu de trajecto de preparação para se chegar a este filme. Tudo é preparação, nada é permanente, tudo é caminho. Apichatpong usa de grande simplicidade de processos na representação de um universo onde os vários planos da vida se misturam; onde as leis daquilo que transcende a natureza (como a "conhecemos" – palavra perigosa – nós, ocidentais) atravessam para o plano da realidade, incitando à comunicação entre humanos, fantasmas e animais, seres isentos de hierarquia à luz da ordem de sucessivas reencarnações que a tudo preside.
















O Tio Boonmee... é um objecto de expressividade impura e serena que segue os trabalhos de preparação para a morte do protagonista, entendida aqui como prolongamento da vida por outros meios, formas outras. É ao mesmo tempo banal, ingénuo, contemplativo, como ousado, primitivo e fascinante. A resistência em nos adaptarmos à fruição transcendental proposta pelo realizador; alguma rigidez mental que impede que lidemos com total abertura face aos sucessivos fenómenos representados no ecrã, pode querer dizer que nos encontramos ainda a meio do caminho. É que se entendermos o cinema como o lado de lá da experiência humana, Apichatpong Weerasethakul parece ter a intenção de trazer para os lados de cá e de lá um terceiro lado. Uma espécie de sonho desperto. Um admirável mundo alternativo.
Que efeito introduz um filme como O Tio Boonmee... na nossa realidade saturada de ruído? Será Apichatpong a moda actual das elites culturais que fazem opinião, ou uma reserva meditativa que aponta outra forma de nos ligarmos à vida (e aos filmes), àquilo que constitui os laços que a fortalecem e que se perpetuam: segundo Weerasethakul, no tempo eterno?

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