11.22.2010
"Pornopopéia", de Reinaldo Moraes
«"Olha aqui, se aparecer um gabiru na minha vida de novo, não reclama. Culpa sua!"
E socou mais uma vez o telefone no gancho.
Culpa minha? Ela abre as pernas, vem um lá, enfia o pau na buceta dela, e a culpa é minha?
Não seria a primeira vez, de fato, como a própria patroa me confessou, noite dessas, depois de duas garrafas de vinho e uma bomba compartilhadas, numa noite sem Pedrinho nem empregada. Fiz o número do corno magoado, mas conformado. É o que a mulherada prefere. Na real me deu foi um puta tesão por ela. Caí matando na véia. Ela ter dado pra outro cara reinstituiu a sacanagem na parada. Bela trepada, amigo, nem parecia conjugal. Chupei o cu dela, procê ter uma idéia. Depois, fumando um beque na cama, pedi mais detalhes da traição, a ver se me animava a dar uma segundinha. Acho que é a tal volúpia do corno que tanto falam por aí. Ela jurou, em todo caso, que o rolo já tinha acabado fazia mais de um ano. O cara era sociólogo como ela, só que do Rio. Tinham se conhecido num fórum esquerdofrênico em Porto Alegre. Deve ser um desses barbudinhos míopes que apóiam as FARC, o Chávez, Fidel, Evo Morales, Heloísa Helena e só ouve samba de raiz nas gafieiras de classe média providas de um número suficiente de negros para parecerem populares. A Lia disse que eu andava tão desatento com ela que não saquei nada, meses a fio. Mas não era verdade. Eu tinha notado que ela estava indo demais pro Rio pra simpósio, grupo de estudos, projeto de pesquisa na Federal, visitas à Clara, irmã mais velha dela que mora lá e com quem ela nunca se deu muito bem. Que porra eu devia ter feito? Proibir as viagens dela, que me deixavam inestimáveis fins de semana e feriados livres pra zoar à vontade por dois, três dias, às vezes uma semana inteira? Comprar gabardine, chapéu diplomata e ray-ban pra seguir a piranha pelo Rio de Janeiro com uma câmera indiscreta na mão? Só fiquei aperreado de saber de tudo post-facto – pós-coito, no caso. Que graça tem ser corno e não saber na hora? Perguntei se o pau do carioca era maior ou menor que o meu. A Lia me mandou catar coquinho e não respondeu. Devia ser menor. Se fosse maior, ela teria dito pra me sacanear ou dado um sorrisinho incontornável.
E agora ela vinha com esse papo de "se aparecer alguém na minha vida, não reclama". Vá se fuder – na USP, na UFRJ, na FGV, no CEBRAP, na PQP, onde ela quiser. Vou mandar já um imeio rodrigueano pra Lia: "Perdoa-me por me traires." Pronto, mandei. Mais uma que eu devo ao Nelsão.
E vamos ao que interessa: cafunguelê, pega no bamba, trago no Jack, e foda-se a mula manca.
Sabe que tô achando esse pó do Miro de fato melhorzinho que a média? Soubesse, tinha pegado duas petecas. Depois de todo aquele sufoco, valia a pena.
Y así pasan los dias negros y las noches blancas.
Ceci n'est pas un texte. É um filme.
Pausa pra mijar.»
1. Já não lia um romance assim, em estado de euforia, desde o livro do Mutarelli este ano editado pela Quetzal.
2. A pedido do autor foram seguidas as regras anteriores à introdução do acordo ortográfico (cara inteligente).
3. O hiperrealismo psicológico é produto de uma cabeça que não se cala; que em literatura só estanca a verborreia quando fechamos o livro. Uma cabeça igual à nossa (sem sossego).
4. Um parágrafo de cinco palavras, colocado a meio da página 23, dá a impressão de poder equivaler ao livro resumido: «Ó vida escrota do caralho.»
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