11.26.2010

O herói ameaçado


















The American não é um filme complicado. É até bastante simples. De uma simplicidade de motivos e de processos que por vezes chega a parecer ingénuo. Apela a doses generosas de romantismo e a dosagem mínima de cinismo. E é principalmente uma homenagem a um determinado modelo de herói no cinema que o realizador Anton Corbijn filma como espécie em risco iminente de extinção. The American opera como uma despedida. Corbijn projecta-se na figura de um assassino profissional cuja vida corre perigo. Ele evade-se das paisagens geladas da Suécia até um vilarejo italiano para se esconder de quem pretende matá-lo. Os dias passam e observamos a perícia de Jack no aperfeiçoamento de armas e em balística; vêmo-lo manter conversas mais ou menos metafísicas com o padre da povoação; testemunhamos as suas visitas a um bordel ("de cinema") onde se deita sempre com a mesma mulher.
Tudo isto são lugares-comuns que Anton Corbijn recupera, colocando-se o próprio realizador no centro desta fantasia romântica e nostálgica. O assassino interpretado por George Clooney (que no filme troca o Nespresso pelo clássico café americano em copo alto) diz ser fotógrafo a trabalhar para publicações que lhe pedem retratos da natureza e de arquitectura. O Corbijn fotógrafo (há muitos anos a actividade que o notabilizou) finge-se passar por aquilo que é. Antes de se despedir – com a imagem da borboleta que transporta a alma do seu herói, tal como no filme anterior do holandês o espírito de Ian Curtis subia aos céus envolto pelas cinzas saídas de uma chaminé industrial – terá ainda tempo para uma derradeira tarefa e um último devaneio amoroso.
Nos seus frequentes desequilíbrios, uma cena lograda ali (sempre que Violante Placido enche o ecrã Corbijn viaja numa carnalidade que parece Hitchcock actualizado – ou será Antonioni?; até porque The American é percorrido por um arquétipo de mulher que quase torna indistintas as três figuras femininas de relevo), outros momentos escusados amiúde (basicamente tudo o que suscita pretender dar espessura psicológica ao protagonista; e sendo Clooney indissociável deste projecto ocorre-me que outras estrelas poderiam cumprir melhor o seu papel), The American faz o seu caminho. Há a etapa Leone (citação directa pelo recurso às imagens de Once Upon a Time in the West), o instante bergmaniano (juro que um outro assassino, quando se aproxima de costas ou até de frente, lembra Max von Sydon que jogava xadrez com "a morte" em O Sétimo Selo), também a sensação de vazio existencial que pelo modo como são tratados os lugares e os silêncios remete para a obra de mestre Antonioni, na reconfiguração de um certo tipo de cinema para sempre perdido. Foi boa a despedida, pá.

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